Cuba: Prós e contras

Oh, Ricardo Kelmer,

O teu texto é desonesto do ponto de vista intelectual e irresponsável do ponto de vista do compromisso comunitário, o mínimo que se pode pedir a quem escreve para o público, ocupando um espaço privilegiado num jornal da dimensão do o O Povo.

Desonesto intelectualmnete porque tu dizes, logo no inicio, que em uma semana é impossível falar sobre Cuba, pois o conhecimento da ilha seria insuficiente. Mas quando se lê todo o teu texto, tu demonstras tanta tranquilidade, tanta desenvoltura, que deitas falação sobre a vida na ilha como se tu já conhecesses o país de forma mais profunda. Tu não achas que revelaste muitas informações, repassadas sem a menor denotação de dúvida, com tanta segurança? Isso se chama desonestidade intelectual. Tu viste, tu sentiste, tu observaste tantos detalhes, que tua afirmação inicial de que uma semana só é insuficiente para dar uma opinião mais abalizada sobre o país, soa falso, soa desonesto. Tu viste tudo, huevon.

Tu só não reparaste as crianças vestidinhas, todas calçadinhas, todas com saúde, nenhuma faminta, nenhuma mal vestida, nenhuma desdentada, nenhuma abandonada, nenhuma pedinte, isto tu não viste, cabron. Tampouco viste as creches para todas as crianças do pré-escolar da Ilha, tendo à disposição, diàriamente, um médico e uma enfermeira. Isto tu não viste, concha de tu madre.

Mentiste quando dissseste que boa parte dos bairros de Havana é constituída de comunidades tão pobres, que tu escreveste assim : "Rodando pela cidade vi muita pobreza, casas desmoronando por falta de conservação". Outra vez mais tu foste desonesto. A pobreza que tu falas, huevon, não se compara com a pobreza das comunidades brasileiras. Então, porque tu não relativisaste o que observaste? Nessas, o esgoto é a céu aberto, o lixo se amontoa, quase não há abastecimento d’água, as casas são de papelão, de lata, de flandre, de reboco, seus habitantes são subnutridos, desdentados, boa parte das crianças não vão à escola ou só têm escola de um turno só, o acesso à saúde é precário, os rostos das pessoas denotam subnutrição, o desemprego predomina, as atividades criminosas ou ilegais é o quadro mais sentido, a violência campeia. Tu não viste isso em Havana ou em qualquer cidade que tu visitaste em Cuba, huevon podrido. És um intelectual desonesto. Os pobres de Havana - só há três bairros na cidade em condições subnormais - têm saneamento em suas comunidades, sem exceção, não têm esgotos a céu aberto, todas as crianças estão na escola em tempo integral, todas as crianças em idade pré-escolar têm creche à sua disposição, com médico e enfermeira, todos têm acesso à saúde, ninguém é analfabeto, não há ninguém subnutrido, todos têm a arcada dentária completa.

E mais, cara: quem quiser critica o governo - eu ouvi muitas críticas - mas eles são mais conscientes que tu, cabron: eles fazem a distinção do conjuntural do estrutural, do passageiro do que eles querem preservar: fazem crítica ao governo, mas defendem a revolução. Tu perguntaste a algum cubano, a alguma cubana sobre o que ele ou ela achava de Fidel, da Revolução? Tiveste essa sensibilidade?

Tu falaste em salário de 30 dólares e tomaste este valor na sua dimensão absoluta para deixar que teus leitores fizessem a comparação com 30 dólares no Brasil, como poderia ser na China, no Canadá ou nos Estados Unidos. O valor da moeda, huevon, nao está no cifrão, mas no seu poder de compra. Com 30 dólares no Brasil eu tomo vinte cervejas, enquanto que no Canadá eu não tomo nem cinco cervejas. Isso é elementar. Mas não tiveste essa preocupação. Sabes por que? Porque tu estavas mais preocupado em confirmar tuas idéias preconcebidas sobre Cuba, mais preocupado em como se manter em sintonia com teus patrões no Brasil. Já imaginaste se um médico brasileiro ganhasse 30 dólares e tivesse: escola integral para seus filhos gratuita, assistência médica, dentária e hospitalar gratuita, alimentação quase de graça, uma vida sem violência, sem stress, acesso a espetáculos musicais, teatrais e a cinemas quase de graça, quanto valeriam esses 30 dólares?

Falaste de liberdade. De que liberdade tu falas, cabron? A liberdade de que tu falas é a mesma liberdade que hegemoniza o pensamento liberal, a mesma que hegemoniza as redações dos jornais e da mídia: a liberdade política e a de ir e vir. Ora, se tu tivesses a mínima preocupação em pensar mais criticamente, ou seja, mais intelectualmente honesto, tu nao ficarias limitado a esse patamar. Que liberdade de ir e vir tem um miserável do Brasil que mal conhece o bairro onde mora? Que liberdade de se expressar tem um analfabeto, um semi-analfabeto, um analfabeto funcional? Que liberdade política tem o brasileiro - um canadense, até - de escolher seus representantes se estes ja lhes são oferecidos por articulações feitas nos bastidores, entre conciliábulos inescrupulosos, entre mandatos ja de antemão comprados, entre currais eleitorais, tudo sob o mando do vil metal? Mais liberdade tem um cubano que escolhe dentre os seus pares que foram indicados por seus círcuclos de trabalho e de vizinhança.

Em Cuba, huevon, um cidadão não precisa ser do Partido Comunista para ser eleito para as instâncias de representação. Basta ser cidadão e ser admirado por seus círculos de relação mais próximos. Em Havana há 6(seis)!!!! câmaras de vereadores (conselhos populares) eleitas pelo voto direto dos cidadãos. Lá há o sistema de "recall", quem trair o mandato, perde o cargo e se procede à nova eleição. Agora, se tu me perguntares se tem liberdade para o cidadão defender o retorno da propriedade privada, eu direi que não. A liberdade que aqui se reclama em Cuba é esta, a de mercado, cara! Da mesma forma que não tem o cidadão do Canadá, o brasileiro de defender a abolição da propriedade privada, pois esse é um princípio que faz parte das causas pétreas da Constituição e, como tal, não pode sofrer modificação. E ai do candidato que se atrever a levantar essa bandeira: não terá espaço nenhum na mídia, será totalmente alijado do processo. Se tiver força popular, será desmoralizado pela mídia - tu serias um dos primeiros a ajudar nesse linchamento político. Liberdade, cara, é a possibilidade real de escolha. Que liberdade de ler tem um analfabeto, se ele não tem a liberdade de escolha de ler ou não ler?

Teu texto é irresponsavel e desonesto, não tem a mínima preocupação com teus leitores, não guarda a mínima coerência com a ponderação que no início de teu texto falaste - a de que não daria para conhecer Cuba em uma semana. A partir daí, se pode observar, até o restante do teu texto, toda uma desenvoltura irresponsável, ao falar de Cuba como se tu tivesses realmente obtido todas as informações in loco. Na verdade, tudo o que dissestes, já levavas na tua cabeça, uma esponja de poros abertos à pregação da mídia e dos círculos noticiosos sempre prontos a mentir e a fabricar opiniões, desde que o status quo se mantenha . Teu texto é uma merda, a começar pelo título rídiculo, lugar comum, vulgar.. mas reforça a crença viezada dos analfabetos políticos.

Atenciosamente,

Pedro Albuquerque

Ottawa, Canada.

VEJAM O TEXTO:

KELMÉRICAS



Ricardo Kelmer

11/08/2006 07:35

Lá estou eu em Cuba, abril de 2006, três meses antes de Fidel baixar hospital, o irmão Raúl assumir (o poder, gente, o poder...) e o mundo inteiro voltar os olhos pro futuro da ilha. Fui na hora certa. Uma semana de turismo em Havana, arriba! Mas, logo no aeroporto, a primeira impressão que tive é que a ilha não me queria lá. Putz, me pararam quatro vezes pra pedir meu passaporte e perguntar quanto tempo eu ficaria. Será que era porque eu estava todo de preto, de botas, sobretudo, gorro e óculos escuros? E assoviando "Eu vou tirar você desse lugar"?
Indo pelo Malecón, a beira-mar de Habana, vi um autidór sensacional e não resisti. Parei pra tirar foto. Era tipo publicidade de filme, o presidente Bush feito um vampiro e os dizeres: El Asesino - Próximamente em las cortes norte-americanas. Ahahahah! Isso em frente à oficina de interesses estadunidenses. Sim pois o Tio Sam não possui embaixada em Cuba. Mas em compensación não largam Guantánamo. Cara de pau...
Bueno, foi uma semana intensa. Conheci mais sobre a história da ilha, visitei locais históricos, tomei mojitos y cubanitos, ouvi salsas e boleros, andei de coco-táxi, comi nos famosos paladares. E me apaixonei pela ilha. Enquanto escrevo esta crônica, por sinal, ouço os maravilhosos cantores cubanos e me dá vontade de voltar. Mas agora, com essas críticas, corro o risco de ser barrado. Na verdade, o que mais me interessava era conhecer Cuba por dentro (ops!), hablar con los cubanos, me misturar a eles. Minha porção jornalista era maior que a porção turista. E a principal conclusão que tirei foi esta: é impossível entender Cuba em apenas uma semana. O comunismo cubano, aos meus olhos, se já era estranho, revelou-se então um monstrengo surreal. Bem, vivendo no Brasil, um país de outro planeta, eu deveria estar acostumado. Mas Cuba é demais. Lá tem três moedas! Como aquilo pode funcionar? Bem, muitos cubanos responderam assim: não funciona. Mas a propaganda oficial que Cuba lança ao mundo é exatamente o contrário.
Em tese o regime comunista cuida dos aspectos básicos da vida do povo: fornece moradia, comida, roupa, trabalho, escola e saúde. Mas na prática é outra coisa. A comida não dá pro mês todo. Então o cubano acaba comprando comida. De quem? Do governo, claro. Se o cubano quer uma casa, o governo financia - mas é tão caro que grande parte acaba morando com os pais, com os sogros... E os m édicos formados? Ganham trinta dólares por mês! Dá pra comprar trinta sabonetes. Você morre de fome mas morre cheiroso.
Rodando pela cidade vi muita pobreza, casas desmoronando por falta de conservação. Vi pedintes, vi prostituição masculina e feminina. Boa parte dos cubanos se agarra nos turistas, literalmente, como náufrago numa bóia. Só o que tem é cubano trabalhando como guia. Todo cubano tem um irmão ou amigo que trabalha numa fábrica de rum ou charuto e pode conseguir mais barato e coizital. Alguns te convidam pra conhecer a casa deles, na maior simpatia. Você acha isso lindo, fica encantado... até a hora da despedida quando eles te pedem um trocadinho.
Tudo bien, não há miséria como no Brasil, não há favelas nem crianças bandidas. O narcotráfico internacional tem pouquíssima força lá. O sistema primário de saúde funciona. Parece bom, né? Mas até lá tem corrupção, essa praga tão brasileira. E o que dizer da fome insaciável do governo? Ele é sócio de tudo na ilha, até daquele quartinho que você aluga no sótão de sua casa. Veja os tais paladares. São restaurantes caseiros, permitidos pelo governo, uma forma de garantir a muitas famílias uma rendinha extra. Que maravilha, né? É. Mas o governo não permite mais que doze mesas. E não pode servir frutos do mar, pra não concorrer com os restaurantes dos hotéis. E ainda tem que pagar quatrocentos dólares de imposto por mês, com ou sem cliente... Carajo! Essa quantia lá é uma fortuna! Um sócio estúpido desse acaba incentivando o jeitinho: não tem no cardápio do paladar mas, se você pedir, servem camarão e lagosta à vontade. Só não pode discriminar na conta, claro. E ainda disfarçam uma mesinha a mais ali atrás da cortina... É aquela coisa: o cubano se faz de morto e o governo faz que não vê.
A pior coisa, porém, pelo menos pra mim, é a asfixiante falta de liberdade. Sei que aqui caímos na velha discussão sobre o que é mais importante, pão ou liberdade. Mas eu prefiro morrer fugindo que viver preso de barriga cheia. Se alguém se ausenta mais de um ano da ilha, perde automaticamente a cidadania cubana, sabia? Criticar o governo, então, nem pensar. O cubano tem de ser um soldado do regime, um porta-voz da sagrada revolución. É obrigado a deixar a sala de aula ou o trabalho pra ir à praça escutar Fidel falar por cinco horas. Não pode acessar sites na internet e seu correio eletrônico é censurado. Ser homossexual em Cuba, até pouco tempo, podia dar cadeia. Bom, né? Quer morar lá?
Depois que Fidel se for, o que vai acontecer? Como el pueblo se comportará? E os cubanos de Miami? Os Estazunidos cessarão o embargo econômico? A ONU intervirá pra ajudar a democratizar o país? Quem pode dizer? Mas o futuro já chegou e em breve falará oficialmente. Só espero que esse futuro traga um pouco mais de conforto e liberdade aos hermanos cubanos, que mesmo com todas as dificuldades, são festivos e hospitaleiros. Com exceção das autoridades do aeroporto, é claro. Aliás, todo turista, quando sai de Cuba, é delicadamente convidado a deixar pro governo vinte e cinco dólares. Sabia? Poizé. Comunismo selvagem é isso aí.


Ricardo Kelmer é escritor, letrista e roteirista e mora no Rio de Janeiro, Terra, 3a. pedra do Sol

Nossos agradecimentos a Mário Albuquerque por este material interessante

Cubalança mas não cai
Depois que Fidel se for, o que vai acontecer? Como el pueblo se comportará? E os cubanos de Miami? Os Estazunidos cessarão o embargo econômico? Quem pode dizer?

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey