A Europa, que a União Europeia supostamente representa, está combatendo guerra dupla, que pode devastá-la a ponto de a tornar irreconhecível - contra a Grécia, dentro das suas fronteiras europeias, e contra a Rússia, na Ucrânia.
1/2/2015, Pepe Escobar, RT, Moscou - http://on.rt.com/m4rgcz
Uma exposição em Roma não poderia ser mais clara expressão - perfeito acaso de viagem - do zeitgeist: "A Era da Angústia - de Cômodo a Diocleciano" [orig. "The Age of Anxiety - from Commodus to Diocletian". Ora, os imperadores romanos mal imaginariam que a coisa poderia ficar muito pior em tempos de União Europeia (UE).
O encontro impressionantemente tenso entre o presidente do Eurogroup Jeroen Dijsselbloem e o novo ministro das Finanças da Grécia Yanis Varoufakis demarcou o campo de batalha: a UE não aceitará uma Grécia "unilateral"; e a Grécia não aceitará uma extensão do 'resgate' ou os diktats da troika (UE, Banco Central Europeu, FMI).
Desse material se fazem as lendas. Depois de ter dito que nada-de-conversa com a "troika" - em termos de terrorismo-econômico-nunca-mais -, ao final da conferência de ambos com a imprensa em Atenas, Dijsselbloem murmurou algo no ouvido do ministro grego, que funcionários gregos interpretaram ao estilo Pulp Fiction como "Eu-medieval, você vai ver é no seu traseiro".
Assim sendo, agora é Atenas contra os Masters of the Universe (setor UE). Observadores independentes seriam tentados a ver a coisa como um Perseu pós-moderno tentando derrotar a UE-Medusa - um monstro tão assustador que nenhum vivente suportaria vê-la sem ser convertido em pedra.
A Medusa é agora a Troika. Rainha Medusa Merkel e seus jagunços - feito o ministro das Finanças Wolfgang Schauble ("não seremos chantageados"), mais os funcionários-sem-cara de sempre servindo-se de metáforas sub-homéricas tipo "amarrado ao mastro da confrontação" - estão aumentando a pressão, sem redução da dívida. Depois do cara-a-cara Dijsselbloem-Varoufakis, cabe ao pesadelo burocrático que é a Comissão Europeia (CE) apresentar alternativa viável para uma redução da dívida grega.
Syriza tem dito que quer permanecer na eurozona, mas esqueçam a conversa de a Grécia pagar dívida com mais austeridade, a tal dívida sufocante. Significa que a bola deve permanecer no campo de Bruxelas - tanto quanto Dijsselbloem insiste em repetir que não. E a Troika virá com pressão quase insuportável, para convencer Atenas de que se trata de 'honrar' sua dívida, ou a morte. Em termos práticos, fala-se aí de um processo ultracomplexo de reestruturação de dívida, ou de mais dinheiro da UE para Atenas ou, eventualmente, das duas coisas.
O gambito de Perseu não será decapitar a Medusa enquanto ela dorme (porque os Masters of the Universe nunca dormem): será declarar não pagamento de parte significativa da dívida. Se a diplomacia falhar, Bruxelas terá então de impor sanções (são muito bons nisso, vide Irã e Rússia), mas, de fato, será como chutar a Grécia para fora do euro - a 'opção nuclear' que os eurocratas temem mais que a Peste Negra. Por hora, o ministro da Economia da Alemanha Sigmar Gabriel definitivamente blefa, ao alertar o primeiro-ministro grego Tsipras de que a eurozona poderia sobreviver sem a Grécia ("Já não temos de nos preocupar, como tínhamos naquela época").
Se, contudo, Bruxelas admite um calote de facto, ainda que parcial, o resultado será que Espanha, Portugal, Irlanda e levas e mais levas de outros sofredores na UE pôr-se-ão aos gritos de "Também queremos o mesmo acordo".
A Medusa está-se enfurecendo, e o horror que sua troika de milhares de serpentes pode lançar pode ser titânico. O próximo encontro crucial acontecerá em Bruxelas, a reunião de chefes de estado da UE, dia 12/2/2015. Perseu Tsipras que trate de polir o escudo e a espada até a perfeição.
Melhor chamarem Vlad
E há também o outro vetor crucial, nessa Era da Ansiedade remix: a Rússia.
Moscou poderia, sim, resgatar Atenas, possibilidade que já foi mencionada. Significa que o que o que a imprensa-empresa ocidental não se cansa de 'repercutir' sobre a Grécia apoiar a extensão, essa semana, de sanções contra interesses russos, não passa de nonsense.
Aqui o contexto essencial. E diretamente de Varoufakis, há provas de que a Grécia não foi sequer consultada. Mais um prego no caixão do mito das práticas "democráticas" da União Europeia.
E que ninguém espere que os fantoches da União Europeia com pose de 'líderes' - que só têm poder derivado, porque são vassalos do Império do Caos em amnésia crônica - cultivem alguma memória histórica. O que nos leva à Ucrânia.
A Ucrânia foi parte da Rússia por três séculos - muito mais tempo do que Texas e Califórnia são parte dos EUA. A Rússia ter aberto mão da Ucrânia depois do fim da URSS não gera qualquer precedente histórico que justifique o golpe de estado de Maidan, bilhões de dólares para pagar a subversão interna e o subsequente saque da Ucrânia por multinacionais norte-americanas, alemãs e pela City de Londres. Para nem falar que toda a saga é - e assim permanecerá como, sobretudo - item do projeto de expansão da OTAN.
Imagine Washington tendo de tolerar mísseis cruzadores nucleares russos em sua linha vermelha estratégica de defesa - as fronteiras com Canadá e México. O Império do Caos invadiria sem piscar. A Ucrânia era - e continua a ser - linha vermelha desse mesmo tipo, do ponto de vista da Rússia. E Washington e Bruxelas sempre souberam disso.
Moscou, lenta mas firmemente, começa a contra-atacar na guerra financeira/econômica lançada pelos Masters of the Universe. Moscou finalmente - e dolorosamente - compreendeu que os verdadeiros Masters of the Universe são os que controlam o crédito do banco central. A noção de que os bancos centrais seriam mecanismo independente é pura ficção: banco central responde à banqueirada privada.
Paralelamente, no tabuleiro do xadrez militar, as coisas estão ficando pesadas. Moscou pode, afinal, vender sistemas S-300 antimísseis a Damasco e Teerã.
Mais importante, o comandante das Forças Armadas Russas, general Valery Gerasimov declarou on the record que Moscou responderá imediatamente a qualquer movimento do sistema de mísseis de defesa dos EUA que viole o Tratado START III e o Tratado das Forças Nucleares de Alcance Médio. Os analistas do Pentágono sabem perfeitamente que os sistemas de armas russos são superiores ao sistema de mísseis de defesa dos EUA.
E, caso os fantoches de Washington a Bruxelas não tenham ouvido bem, esperem até conhecer o sistema antimíssil Star Wars S-500, que será operacional em 2017, talvez antes. O S-500 viaja a velocidade de 15.480 milhas/hora, com alcance de 2.174 milhas - e é capaz de derrubar qualquer míssil balístico intercontinental que Washington possa disparar contra a Rússia. Tradução: o espaço aéreo russo é fechado, à prova de mísseis balísticos intercontinentais dos EUA.
Diferente do espalhafatoso Império do ("invada-bombadeie-drone-sancione") Caos, a Rússia fala mais alto com ação, paciência e discrição - qualidades pode-se dizer asiáticas. Enquanto a Rússia está sendo existencialmente atacada por guerras do petróleo/do rublo/dos derivativos, os governantes russos vão-se preparando, silenciosamente, para o pior.
Gorbachev - que sabe algumas coisinhas de guerras frias - tem pelo menos um ponto que merece consideração: se Washington persistir na loucura atual, a coisa pode ficar terrivelmente feia, e a Europa será apanhada num fogo cruzado mortal.
Sonhar com outra União Europeia
O que nos traz de volta a Roma. Não machuca ninguém imaginar o que poderia ser uma União Europeia alternativa, uma UE "romana, centrada em Roma, Atenas e Istanbul - não em Bruxelas-Frankfurt-Strasbourg. O centro da atual UE coincide com o centro do Império Franco dos séculos 8º e 9º; Carlos Magno revisitado - ou, segundo alguns padrões históricos, o primeiro imperador que tentou unificar a Europa. Outras correntes históricas privilegiam ramo ainda anterior do poder alemão puro, temperado pela cultura e sofisticação galesas.
Fico com Gibbon, como fiz essa semana, de volta àquela noite, em outubro de 1764, quando, sentado em meditação em frente ao Campidoglio (que ponto de vista fabuloso), depois de séria peregrinação por ruínas romanas, ele decidiu escrever Declínio e Queda, a dissolução de um mundo que, literalmente, foi erguido em pedra.
Como Bryan Ward-Perkins, de Oxford, observou brilhantemente, a Europa carrega, nos escalões profundos da própria psique, o medo de que, se Roma virou ruína, o mesmo possa acontecer às mais magníficas civilizações modernas.
E todos sabemos que essa União Europeia dessa gangue de eurocratas destrutivos não eleitos; que desprezam a Grécia, antagonizam a Rússia, chafurdam no pântano da vassalagem ao Império do Caos e ameaçam a maioria de seus próprios cidadãos como se não passassem de escória pagadora de impostos escorchantes - de modo algum pode ser descrita como "magnífica". *****
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