Adilson Roberto Gonçalves
O centenário de falecimento de Afonso Henriques de Lima Barreto se deu no último primeiro de novembro, dia de Todos os Santos, nome coincidente ao do bairro carioca em que morou. O autor de “Triste fim de Policarpo Quaresma”, dentre outros, e dos contos “O homem que sabia javanês” e “A Nova Califórnia” foi pouco lembrado no centenário de sua morte. Beatriz Resende, uma estudiosa de sua obra, resgatou em artigo recente parte dessa curta, porém intensa, vida literária, com destaque para as sucessivas mortes raciais a que foi submetido, traçando o paralelo com o corrente mês da consciência negra. Não houve sequer edição especial de novembro da revista Quatro Cinco Um, especializada em livros, mesmo com enfática sugestão, ainda que sem lançamentos literários específicos para marcar a efeméride.
E por que o escritor era contra o futebol? Isso se deu porque Lima Barreto considerava o futebol um esporte de elite. Eu seu diário íntimo, revela que sua oposição a esse esporte é porque ele contribuía para a “animosidade e a malquerença entre os filhos de uma mesma nação”. Chegou a fundar uma “Liga contra o football”, que, obviamente, não prosperou. Registremos que somente a partir da década de 1930 os negros passaram a ser admitidos nos clubes - ou agremiações - e a Copa do Mundo passou a ser disputada naquele ano no Uruguai, oito anos depois da morte de Lima Barreto. Talvez se tivesse tido a oportunidade de acompanhar desenvolvimento dessa modalidade esportiva, ainda mais que passou a ter uma ligação umbilical com os moradores periféricos, teria mudado ou lapidado sua opinião. Por outros motivos, também não vejo graça no ludopédio: há outras disputas esportivas, como o voleibol, muito mais dinâmicas e interessantes.
Outro cronista - este nosso contemporâneo - que muito falou de esporte é Ruy Castro, por meio de suas biografias, em especial a de Garrincha (Estrela Solitária - Um Brasileiro Chamado Garrincha, de 1995, que ganhou o prêmio Jabuti em 1996). Além disso, publicou “O Anjo Pornográfico: A vida de Nelson Rodrigues”, em 1992, história do repórter que, dentre outras coisas, era aficcionado pelo futebol, e “Flamengo: O Vermelho e o Negro”, em 2004, sobre o time carioca.
Faço uma ligação entre eles. Ruy Castro retornou ao seu devido espaço de cronista da Folha de S. Paulo. Sua recente eleição à Academia Brasileira de Letras foi ato muito significativo para a cultura nacional, ainda mais que a cadeira que ocupará é a de número 13. Um dos ocupantes dessa cadeira foi o guaratinguetaense Francisco de Assis Barbosa, biógrafo e responsável pelo resgate da obra de Lima Barreto, um dos negros preteridos pela Academia, mesmo após três tentativas. Ruy Castro possui enorme conhecimento literário e musical e nunca se omitiu em face do necessário posicionamento político em relação aos ataques à cultura em nosso país. O reconhecimento pela ABL é também um alento.
Muito há que se descobrir nos escritos de Lima Barreto, até em veículos especializados em esportes, especialmente crônicas, uma vez que pseudônimos inéditos têm sido revelados nos últimos anos e muito há que se descobrir nos escondidos da Biblioteca Nacional. Aliás, com a esperada saída de terraplanista da gestão daquela entidade, voltaremos a ter acesso pleno a sua hemeroteca digital.
Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador da Unesp, membro da Academia Campineira de Letras e Artes, da Academia de Letras de Lorena e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas.
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