Defensoria Pública Coloca em Dúvida Perícia dos Corpos das Vítimas da Megachacina do Rio

(referencias: https://tvbrasil.ebc.com.br/reporter-brasil/2025/11/operacao-contencao-familias-ainda-aguardam-liberacao-de-corpos
https://averdade.org.br/2025/10/governo-do-rj-proibe-defensoria-publica-de-acompanhar-pericias-do-massacre-da-penha/)
 
Na tarde do último sábado (1º), quatro dias após a operação policial mais letal da história do País realizada em 28 de outubro nos complexos do Alemao e da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, enquanto parentes de suspeitos mortos ainda aguardavam a liberação ou identificação de 18 corpos em frente ao Instituto Médico Legal (IML), a Defensoria Pública (DP) contestou o trabalho deste órgão já que tem sido proibida pelo governo carioca de acesso ter às perícias. ¨Sem acesso, não há como garantir a integridade dessas provas¨, alertou Rafaela Garcez, coordenadora de Defesa Criminal da DP.

Sem nenhuma justificativa concreta – e nem pode haver -, a Polícia Civil (PC) não permite acesso da DP e de outros órgãos de direitos humanos além de deputados às perícias desde que tiveram início, na quinta-feira (30). O infundado argumento da PC é que realiza os trabalhos com acompanhamento de peritos do Ministério Público (MP) – não poderia haver melhor companhia se o interesse é, o que tudo indica ser, blindar os crimes do Estado.

O acesso da DP a perícias é previsto pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “Estamos sendo impedidos de exercer um direito elementar de fiscalização pública. Esses corpos não podem ser tratados como números”, acrescentou Rafaela em frente ao IML na quinta-feira, enquanto a PC impedia seu trabalho.

Na tarde de sábado, familiares das vítimas que esperavam já há dois dias por informações e liberação dos corpos do IML foram atacadas pela Polícia Militar com spray de pimenta.

Enquanto a DP prometeu acionar o Supremo Tribunal Federal para obter acesso aos corpos, há desde então, após tímido noticiário, um silêncio macabro – inclusive do MP, o que menos deveria manter-se inerte neste caso – sobre este sintomático impedimento, levando-se em consideração o contexto mais amplo: do massacre em questão, e da atuação em geral do MP em casos de violência policial este por todo o País (para nem se falar da postura das próprias polícias).

Guerra ao povo em uma terra sem lei

A  Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro já havia relatado, no mesmo dia da megachacina, violações de direitos como moradores impedidos de descer para trabalhar, buscas indevidas em residências sem mandados e socorro negado a moradores que passavam mal.

O órgão recebeu, entre outras, denúncia de que uma mulher grávida teria sido agredida por agentes ao questionar o motivo de ela ter de mostrar o seu telefone celular sem que houvesse mandado. A resposta do policial, de acordo com o documento, teria sido: “eu sou a lei, eu sou o juiz, mandato é o caralho” [sic].

Moradores do Alemão relataram, segundo o relatório, que policiais dispararam “diversas vezes” na direção de ruas da comunidade que abrigam apenas casas residenciais. O documento cita ainda tiros “disparados de forma indiscriminada”, “muitos tiros vindos do alto por meio de helicópteros” e que foi ateado fogo em casas “para fazer com que supostos traficantes saíssem”.

O relatório ainda destaca depoimentos de moradores sendo agredidos dentro de casa, vídeo de uma senhora que enfartou dentro de casa e que teve recusa de atendimento por parte dos agentes de segurança. O socorro foi realizado após articulação da Defensoria Pública, de acordo com o documento.

Moradores do complexo da Penha denunciaram ainda o uso de bombas e granadas pelos policiais e de drones para lançamento de explosivos nas casas. Os relatórios das oitivas realizadas foram encaminhados para a coordenação do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública, enquanto os vídeos e imagens recebidos foram enviados ao MP, que até agora mantém-se calado.

Favelado já nasce condenado (pela pobreza) no Brasil

Neste contexto, vale recordar que o comando policial inicialmente ameaçou moradores do Complexo da Penha que retiraram os corpos dos mortos na mata, alegando friamente que com a remoção tinha havido ¨fraude processual¨. Pobre vida de pobre no Brasil. Sem direito a vida nem à morte.

A polícia era encarregada de preservar o local para garantir a integridade das provas, mas abandonou o local justamente para fugir da legalidade envolvendo esta megachacina. O que tem feito todo o tempo, em todas as implicações deste trágico populismo penal.

O que o Estado carioca esconde? Pergunta que remete de volta à insistente questao (cuja resposta não é enigmática): quem são os verdadeiros ¨peixes grandes¨ do narcotráfico?

A seguinte observação dias atrás de determinado meio de comunicação brasileiro diz muito sobre a tal ¨megaoperação¨, revelando também a essência discriminadora e repressora desde o Poder Público aos grandes meios de comunicacao deste País, refletindo-se nas classes dominantes brasileiras: ¨Do total de 117 traficantes mortos na megaoperação, 79 já foram identificados¨. Mais adiante, o sítio apresenta ¨lista parcial de mortos¨.

Se 39 corpos ainda não foram identificados, havendo lista parcial não precisa ser nenhum matemático – nem perito – para saber que não há como afirmar que os 117 mortos eram narcotraficantes.

Além do mais, já está comprovado que dos civis assassinados no último dia 28 que possuíam antecedentes penais, estes não se relacionavam à linha de investigação do Ministério Público que motivou a tal ¨megaoperação¨ (também neste caso, o silêncio conivente do MP).

Um dos grandes problemas do Brasil, envolvendo diretamente a chacina nas favelas da Zona Norte do Rio na semana passada, outrossim com relação direta ao fracasso total da falsa guerra às drogas no País, é que o povo das favelas já nasce condenado pelo resto da sociedade, pelo Poder Público e pelos grandes meios de comunicação.

Nota da Defensoria Pública do Rio:

A seguir, a nota divulgada pela DF do Rio sobre o impedimento do acesso aos corpos dos civis mortos no último dia 28:

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro informa que solicitou acompanhar as perícias dos corpos recolhidos após a operação nos Complexos do Alemão e da Penha.

Mesmo com previsão de nossa atuação no âmbito da ADPF 635 (ADPF das Favelas), determinada pelo STF, o acesso ao IML foi negado.

Diante disso, pedimos ao Supremo autorização para realizar perícia paralela, após o encerramento da perícia oficial e antes do sepultamento, garantindo análises independentes e evitando laudos de confiabilidade questionável.

Nessa quarta-feira (30), realizamos uma força-tarefa no posto do Detran, ao lado do IML, onde 106 familiares foram atendidos. Nosso objetivo é acolher, orientar e apoiar as famílias durante o processo de reconhecimento de seus entes.

Seguimos atuando para assegurar transparência, rigor técnico e respeito à dignidade das vítimas e de seus familiares.

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Author`s name Edu Montesanti