Adilson Roberto Gonçalves
Brigamos com elas todos os dias para estabelecer o texto que melhor represente nossas ideias e ideais. Em artigos recentes discorri sobre preconceitos, mal usos e outros assuntos correlatos sobre o vernáculo (“Palavras (i)mortais”, Jornal da Cidade Bauru, 6/4, p.2; “Uso e troca de palavras”, Correio Popular, submetido). Segue uma lista de mais alguns deles, de fé ou de fato.
Mais uma falcatrua religiosa tenta prosperar rumo ao almejado Estado teocrático, como denunciado pela tentativa de aprovar a PEC da exploração da fé, com mais benesses para os espaços materiais das crenças imateriais. Opostos parecem se atrair: os de boa fé já sustentam regiamente os de má fé. Se tal excrescência prosperar, não será um acordo de soma zero, pois perderão os fiéis e todos nós que nada temos com essa manifestação que deveria ser exclusivamente individual de crença. Proteger a liberdade de culto não é dar guarida aos vendilhões dos templos. Assim é a palavra na letra da lei, apenas isso!
Ilustro a questão com o termo “teodiceia”, recentemente trazida às página jornalescas pela pena de Hélio Schwartsman. Ele se pergunta como defender o mal no mundo frente ao paradoxo de suposta haver um ser supremo benevolente e onipotente, que tudo poderia mudar. Para evitar o problema da teodiceia basta reconhecer a inexistência de deuses e divindades. Simples assim!
A invasão do Iraque completa vinte anos e a da (ou na) Ucrânia, o primeiro aniversário. A comparação entre as guerras é inadequada, mas a ver pelas “certezas” do momento em que aconteceram e a melhor avaliação posterior, a máxima prevalece: a primeira vítima é a verdade. O que dirão daqui a décadas acerca do que realmente está acontecendo quanto ao realinhamento de forças políticas na Eurásia? Quais são os fatos dessa guerra? A guerra é verdadeiramente um fato?
Se ficar para os livros de História, mesmo assim, as palavras somente terão boa fé dentre de limites. Quando o presidente Lula afirmou que os livros de economia estão errados, pois não conseguem explicar o que acontece no Brasil, vieram à tona os que alegaram que “brigar com livros raramente é uma boa ideia”. E dão exemplos de clássicos consagrados. Porém, escondem que tal pressuposto se aplica apenas às obras do ideário daqueles que discordam de Lula. Duvido que incluiriam entre os autores de economia de sucesso, um tal de Karl Marx e seu “livrinho” “O Capital”. Econômicas palavras, portanto.
Nos citados artigos de minha autoria discorri sobre alterações de texto com propósitos de adaptação a conceitos modernos, mas que causam mutilações injustificáveis. Até outras formas de representar o pensamento, por exemplo por meio de cartuns, são passíveis de contestações quando o texto associado é modificado. Ruy Castro é agora imortal da Academia Brasileira de Letras. Ele é um privilegiado que sabe compartilhar suas benesses “conosotros”, simples mortais. Recentemente informou que recebeu um lápis e uma pena dos herdeiros do caricaturista J. Carlos e se pergunta se seria digno de usá-los ou mantê-los. J. Carlos foi também homenageado em edição da revista piauí (abril de 2022), mas com adaptação de seus cartuns da revista Careta para temas atuais, o que desagradou seu neto, como visto em carta lá publicada. Uma obra que foi alterada com dignos propósitos. Retornando a Ruy Castro, que recebeu o lápis e a pena: use os instrumentos ganhos, pois, mesmo no culto à memória, haverá sempre dissonâncias.
Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador da Unesp, membro da Academia Campineira de Letras e Artes, da Academia de Letras de Lorena, do Instituto de Estudos Valeparaibanos e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas.
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