Golpe continua em curso

Adilson Roberto Gonçalves

Continuando as reflexões e discussões do artigo anterior “A arquitetura de mais um golpe e a posição dos jornais” (https://port.pravda.ru/cplp/55123-mais_golpe/), os jornalões brasileiros continuam alheios à realidade, pois rotulam as ações de Bolsonaro como “algazarra golpista”. Não são. Elas passaram, há um bom tempo, dos limites da democracia. Os demais poderes pouco estão fazendo para coibir o iminente golpe em curso. A passividade do setor econômico, de boa parte da imprensa e do Parlamento reflete um misto de má fé e ignorância com o que está por vir. O ogro que habita o Palácio do Planalto disse com todas as letras a que veio.

Outros editoriais

Outros editoriais, por seu turno, ainda que esfriados pela baixa da temperatura nesses dias, convergem para a principal razão de nossa corrosão econômica e dos atentados à democracia: a presença do despresidente em Brasília. É bom que se diga que sua saída do cargo foi covarde e tardiamente transferida para os eleitores, pois o Parlamento, regiamente comprado, se omitiu conivente e convenientemente. Nesses aspectos, em comparação com os demais pré-candidatos à Presidência da República que os jornalões insistem em fazer, vê-se que não há simetrias.

Um desses veículos comparou o afrontamento que faz o atual despresidente ao SFT com o “Marechal de Ferro”, que também afrontou a Suprema Corte. As duas situações têm algum paralelismo, considerando que se deram em ambientes “democráticos”, à exceção dos períodos ditatoriais, que não foram poucos. À parte disso, resta o consolo de saber que Floriano Peixoto - que carrega o epíteto citado - morreu menos de um ano depois de deixar a Presidência, não tendo tempo para outros arroubos.

Ouvir o leitor

Adicionalmente, esses jornais não escutam devidamente o leitor, e quando o fazem, por meio de ombudsman, corre-se o risco de ter palavras usadas sem o devido crédito. O da Folha, um dos raros existentes, critica o jornal por suas escolhas, nem sempre a de melhor jornalismo, mas ele próprio sequer responde pelas escolhas de crítica que faz. Sim, os leitores enviam comentários, críticas e sugestões diuturnamente, mas o defensor dos fiascos e omitidos tem uma seleção peculiar, e, quando usa de exemplos dos leitores, não lhes dá o devido crédito. Por vezes, a mídia conclama o jornalismo a fazer um brinde aos leitores. Devemos ser ouvidos dentro da diversidade que representamos, pois nem todos que leem o jornal concordam com sua linha editorial. E isso é muito importante para uma visão plural de nossa complicada sociedade.

O golpe tem fulcro na formação da má índole criminosa do despresidente e de sua prole. Cabe um parêntese final para dizer que o podcast Retrato Narrado, de Carol Pires, avalia a infância e a possível origem tenebrosa do ogro que habita o Planalto. Não serve de desculpas, mas explica um pouco essa desumanização hereditária. Para os filhos que seguem o mesmo curso, e subvertendo o ditado, é da paranoia que se avizinha que se torce o “bananinha”.

Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador da Unesp, membro da Academia de Letras de Lorena, Academia Campineira de Letras e Artes e Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas.

 

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