Pitoresco cultural em meio à pandemia
Valorosos são os esforços do diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, ao clamar pelo vigor de sua instituição, porém não há mais política cultural no país. O descaso governamental com tudo o que seja pensar, refletir e criar se traduz na estapafúrdia possibilidade de retroceder o espaço do museu ao tempo imperial.
Adilson Roberto Gonçalves
A Folha de S. Paulo passou a republicar textos de escritores de destaque que habitaram as páginas do jornal. Iniciou com Cecília Meireles e foi um deleite a (re)leitura de suas crônicas. Elas tratavam dos automóveis e da forma como eram descritos e, digamos, ostentados. Ali estavam também comparações com relacionamentos amorosos, intensos, talvez, mas fugazes na essência. Exemplos de que Cronos, o deus do tempo, pode tornar permanente o que, a princípio, seria efêmero. De qualquer forma, as crônicas foram bem escolhidas, pois não dá para não notar tons políticos nas mudanças ocorridas, não apenas nos carros e namoradas.
Outras experiências têm surgido nas mídias consideradas tradicionais. O resgate de Rosemary Clooney a, tia cantora de George Clooney, relembrada por Ruy Castro, faz um contraponto ou talvez nada tenha a ver com a tia do zap, citada por Jô Soares em uma de suas cartas abertas ao também efêmero que habita o Planalto. O humorista busca atenuar as patacoadas do xamanismo oficial comparando-as com crenças e crendices de nossa cultura. O ogro inculto nada entenderá. A tia cantora foi uma lembrança de que não somos obrigados a conhecer todos os personagens da história, por mais que ela seja nossa e próxima. Dessas narrativas dissonantes, fico com minha dúvida de químico quanto à ButanVac que, pelo nome, deve possuir um componente com uma cadeia de quatro carbonos. Entenderam as centenas que apertaram o joinha na publicação do Facebook, valores inéditos em minha existência, tanto a digital quanto a analógica.
Valorosos são os esforços do diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, ao clamar pelo vigor de sua instituição, porém não há mais política cultural no país. O descaso governamental com tudo o que seja pensar, refletir e criar se traduz na estapafúrdia possibilidade de retroceder o espaço do museu ao tempo imperial. A tinta no papel timbrado - ou ausência dela - é mais danosa do que a chama dos combustíveis para destruir nossa memória, nossa história e o conhecimento daí advindo.
Até o sisudo Hélio Schwartsman apresentou uma esclarecedora e, digamos, diferente coluna sobre um importante, sim, ramo da literatura moderna, a ficção científica, ao comparar tragédias que poderiam ter sido evitadas no mundo real (sem dar nomes) às abordadas na obra de André Nemésio, "Crônicas do Cretáceo". Talvez o colunista entenda ser a ficção científica mais útil à compreensão do mundo do que a ficção econômica em que tanto se apoia ao defender ideias e ideais neoliberais.
Quase coroando a tragédia, é perversa a tributação de livros ao refletir uma política de institucionalização da pobreza intelectual e cultural. A pergunta que se faz é se os livros são somente para os rico e é fundamental, pois, com a extinção das isenções, haverá quebra da cadeia de circulação do livro, passando por sebos, bibliotecas, empréstimos, doações, etc. Não é porque há um néscio na Presidência do País que todos devam ser levados às trevas da ignorância. Resta a reflexão, subvertendo o ditado: Livros? Sim, lê-los; se não lê-los, como sabê-los?
Por fim, não sendo apenas cultural, mas totalmente pandêmico, Guilherme Boulos tem feito uma reflexão importante sobre a incapacidade mental da implícita e não mencionada pessoa para estar na Presidência, concluindo que o país está refém de um perverso. No podcast "Retrato Narrado", Carol Pires revela também uma informação médica importante do ocupante do Palácio do Planalto: os constantes episódios de apneia. Encerro sem adentrar a covardia do Parlamento de agir politicamente, ou mesmo sugerindo que seja viável o caminho de afastamento por razões médicas, com subsequente processo criminal. Que reste a ternura das palavras culturais, sem perder jamais a dureza do momento por que passamos.
Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador na Unesp, membro do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas, membro da Academia de Letras de Lorena e da Academia Campineira de Letras e Artes
Foto: Por Desconhecido - http://supotnitskiy.ru/stat/stat8.htm, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=18142655
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