A cruz numa mão e a espada na outra

A cruz numa mão e a espada na outra

Praticamente todas as religiões se apóiam em dois grandes eventos no processo de cooptação dos seus fiéis.

O primeiro é a criação do mundo e o segundo a criação do homem.
Cada uma dessas religiões pode ter versões diferentes para estes dois acontecimentos, mas eles são sempre os mitos fundadores de suas teologias.

O cristianismo, que está mais perto de nós, diz que Deus criou o mundo em seis dias e no sétimo descansou, o que pode caracterizar um lançamento antecipado de um direito trabalhista que os homens só iriam conquistar milênios depois.

Criou do nada, contrariando uma lei da física que diz no mundo nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Talvez Ele não conhecesse a lei, que na verdade também só iria surgir milênios depois.

Outro mito é a criação do primeiro homem, feito de barro e que ganhou vida com um sopro do seu criador, Deus.

Este segundo evento, como o primeiro, também não tem nenhum amparo da ciência, que desde Darwin, com a sua teoria da evolução das espécies, provou que o homem, com sua imensa complexidade, é o cume de um processo de evolução que começou com os primeiros invertebrados há milhões de ano.

Alguém dirá que não vale à pena voltar a discutir estes temas porque fé e ciência são categorias diferentes e que as pessoas têm o direito de acreditar no que bem quiserem, no que terá quase toda a razão.

Quase, porque ao negar uma verdade científica e optar por um mito religioso, a pessoa estará abdicando daquilo que é a marca do homem dentro do universo, a de ser racional.
Quando importantes figuras do mundo da ciência, com o biólogo inglês, Richard Dawkins à frente, buscam esclarecer com base nas verdades científicas, todo o processo de formação do universo e do ser humano e são apresentados pela mídia como radicais e até figuras exóticas, seus oponentes no plano intelectual recebem toda a guarida nas páginas dos jornais do mundo inteiro.

A ex-freira católica da Irmandade do Sagrado Menino Jesus, a inglesa Karen Armstrong, por exemplo, é um deles. Ela já andou aqui por Porto Alegre como palestrante do projeto Fronteiras do Pensamento, e suas palavras repercutiram fortemente na mídia, ainda que tudo que disse não passasse de banalidades.

Um exemplo? "O Homo Sapiens criou religiões e ao mesmo tempo e pela mesma razão que criou obras de arte. As duas tentam encontrar significado, beleza e sentido em um mundo trágico."

A frase pode ser bonita, mas a religião não tem nada a ver com a arte. A religião foi criada pelos homens, no passado, para responder as perguntas que a ciência ainda não tinha elementos para responder e eles precisam dela - da religião - ainda hoje, porque têm medo da morte

Para Karen Armstrong a natureza do conhecimento religioso deriva da compaixão, palavra que parece sintetizar seu pensamento.
Os dicionários definem compaixão como um sentimento de pesar que nos causam os males alheios, bem como a vontade  de ajudar o próximo.

Ela admite que se os britânicos houvessem se comportado com mais respeito pelas pessoas nas colônias não estariam tendo tantos problemas hoje.

Ou seja, segundo Karen Armstrong, faltou compaixão dos colonizadores ingleses na África, Ásia e Oriente Médio, esquecendo que seus compatriotas usaram os missionários religiosos para justificar junto às populações nativas a validade da exploração colonial.

Como se diz dos cruzados: eles tinham o crucifixo numa mão e a espada na outra.

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 

Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter

Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey