Quem fará a ruptura no Brasil?
Milton Pinheiro[1]
O aprofundamento da crise brasileira, iniciada pelas contendas entre as frações da burguesia interna quando do afastamento da presidente Dilma, fugiu ao controle desses segmentos e autonomizou-se com a chegada ao governo do nefasto agitador fascista, Jair Bolsonaro. A incapacidade politico-administrativa do militar-presidente tem acelerado o quadro de condensação de crises no qual o Brasil, com o advento do coronavírus, está desenvolvendo.
A grave crise sistêmica da ordem do capital tem operado mudanças drásticas no capitalismo, desvelando seu caráter corrosivo, modificando o papel do Estado na relação com o processo de acumulação da burguesia. Nessa nova dinâmica, o Estado capitalista foi capturado para esse patamar de uma reiterada tentativa de encontrar formas extremas no processo de revalorização do capital e, sendo assim, avançar na espoliação de forma agressiva. Aproveitando-se desse controle, a ordem do capital estabeleceu uma plataforma ideológica cuja dominação alterou consistentemente a subjetividade do proletariado e impôs o individualismo como conduta política para a lógica cotidiana do senso comum.
Afirma-se, portanto, uma permanente crise sistêmica que se alimentou dos passos incontornáveis que a crise de 2008 trilhou, sendo importante registrar que ela já manifestava sinais anteriores a esse epifenômeno. Porém, ao examinar a crise a partir de datas cíclicas a vulgata econômica (posição neoclássica) não consegue responder ao debate em curso e apresenta uma análise de elevador, apenas justificando o que sobe e o que desce em sua constante fuga da história.
Na ordem sócio-metabólica do sistema do capital a estagnação capitalista e a dívida das empresas com bancos privados têm sido a dupla farsa do jogo de aparências para executar uma grotesca expropriação de mais-valia. Ao lado dessa operação, o imperialismo reacendeu a sua formatação binária: crise e guerra, o que possibilitou à pandemia do coronavírus desvelar a face oculta do capitalismo: a extração de mais-valia.
A crise em curso tem demonstrado que o neoliberalismo está cada mais exposto, suas características primordiais que são as contrarreformas na ordem/forma do Estado capitalista apresentam-se comprovadamente como falsa solução. A cena política tende a ser desvelada e a correlação de forças pode modificar de forma célere em escala global.
O governo de extrema direita do fascista Jair Bolsonaro colocou o Brasil no laboratório do Caos Controlado. A visão spenceriana (política pública de desarticulação do acompanhamento social aos pobres) no comando da lógica do mercado cria um sentido para que se projete um caos na vida social. Esse projeto tem destruído a educação básica e superior, a ciência e a pesquisa, ao tempo em que ataca de forma sem precedente a saúde, portanto, colocando em risco de morte a população mais carente no Brasil.
A política do Caos Controlado permitiu que o governo ampliasse, através das redes de contágios (as várias redes virtuais), a agitação fascista através do militar-presidente e implementasse pautas obscurantistas na ordem dos costumes, contrariando o mínimo de progresso que existia nas relações da superestrutura.
Do ponto de vista do projeto de governo, Bolsonaro tem consolidado um grupo palaciano formado por militares que são contra a soberania do Brasil e que, apesar de não integrar a burguesia, grosso modo opera o Estado brasileiro na perspectiva de facilitar ações para o pleno exercício econômico daquelas frações da burguesia que conformam o bloco no poder, em especial, aquelas que agem a partir do capital financeiro e do pequeno círculo monopolista do varejo.
A área econômica do governo, comandada pelo operador de fundos de pensão, Paulo Guedes, já demonstrou desconhecimento macroeconômico e completa incapacidade para atuar no setor público. O Caos Controlado está fugindo do controle do governo do ponto de vista econômico, direcionando-se para aventuras imprevisíveis no cenário da política econômica, cujo primeiro sinal é a estagnação e a queda sem limite da projeção do PIB. A recente queda das bolsas, inclusive no Brasil, estimulada pelo avanço do vírus, está sendo colocada como elemento central da crise. Contudo, a crise sistêmica já havia encapsulado o governo do militar-presidente, diante da sua incapacidade, e se estabelecido de forma sustentável.
O governo do militar-bonapartista Jair Bolsonaro tem privilegiado o capital financeiro, atacado o setor público e beneficiado o capital monopolista e suas empresas. Contudo, apesar das tradicionais frações da burguesia não terem, até este momento, aprimorado o duelo entre elas, avançou a pequena política de balcão com o estímulo do Palácio do Planalto para o imediato sequestro do fundo público.
O caos político tem estimulado projeções e começam a iluminar a luta de classes. Com o provável acirramento da condensação de crises existe uma consistente possibilidade das frações burguesas que, até aqui, restringiram seus confrontos ao ambiente do balcão, alimentarem o confronto entre elas e o imponderável entrar em cena, com escolhas políticas mais abruptas.
O governo da repetição monetarista tem usado as reservas cambiais para conter o dólar, ao lado disso sinaliza com um provável aporte para permitir que os bancos continuem na zona de conforto; o farol da escolha acendeu uma opção pela fração financeira dentro do bloco no poder. Mas, a lógica da insensatez é a marca registrada do governo. Apesar da imensa subordinação à geopolítica estadunidense, e, em particular, aos ditames do despachante da Casa Branca, Donald Trump, o governo do agitador fascista provavelmente se manterá ainda mais distante da defesa da economia global e procurará saídas dentro da lógica da pequena política numa configuração retórica antiglobalista e de conteúdo fascista para afirmar o projeto da extrema direita.
A lógica do caos controlado está fugindo ao controle do chefe fascista no Brasil. A convocação para que a sua base de apoio fosse às ruas contra o STF, o Congresso Nacional e a esquerda, em momento de forte manifestação da crise econômica, abriu algumas possibilidades para a constituição de um novo cenário. Todavia, existe uma questão, a pauta do capital monopolista no Brasil será efetivada na infraestrutura e na superestrutura com a visível condensação da instabilidade?
Essa condensação de crises, causada pela expansão do vírus e da crise econômica, tem levado Bolsonaro a jogar sua liderança na aposta pelo isolamento político e na histérica defesa do capital financeiro e do varejo. Ao afirmar que o vírus, no Brasil, será uma gripe sem maior importância, ele garante, se isso ocorrer, uma confortável presença entre as massas e pode avançar no seu projeto bonapartista. Contudo, se houver a confirmação dos especialistas de que o vírus será letal em nosso país, Bolsonaro recorrerá ao que ainda tem: expressivos segmentos neopentecostais, hordas de policiais (militares e civis), setores das Forças Armadas e seguranças privados, bem como extratos racistas da pequena burguesia (classe média), latifundiários e assaltantes de terras para operar o mesmo projeto: a ruptura da ordem institucional.
Nesse quadro de possibilidades, dentro do novo cenário, percebe-se que a correlação de forças na luta de classes tem se alterado. Existe presença de massa para o fora Bolsonaro, contudo, precisamos ir mais longe. A emergência da crise sistêmica, o ataque imperialista no mundo, a lógica do ataque aos trabalhadores, a escassez em tempos de abundância, a tentativa de destruir as diversas identidades que são desrespeitadas no capitalismo em curso, nos permite analisar que só o proletariado com seu freio histórico conterá a barbárie, o golpe da extrema direita e o fascismo em curso. Abriu-se uma disjuntiva com força na luta de classes: ou a classe trabalhadora derruba Bolsonaro ou o militar-presidente, na sua lógica bonapartista, fará a ruptura no Brasil.
Por Ricardo Stuckert/PR - Agência Brasil [1], CC BY 3.0 br, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2245107
[1] Milton Pinheiro é Cientista Político e professor Titular de História Política da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Autor/Organizador de vários livros, entres eles, Ditadura: o que resta da transição (Boitempo, São Paulo, 2014).
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