Porquê estar numa UE repugnante?

Porquê estar numa UE repugnante?

Por João Vilela

  

Teve razão António Costa quando disse que as declarações do ministro das Finanças holandês sobre ser necessário apurar por que motivo a Itália não tinha condições financeiras para assegurar a sobrevivência da sua população em meio à pandemia de Covid-19 eram repugnantes. Devia era ter acrescentado que, além de repugnantes, eram previsíveis. O que essas declarações demonstraram, junto com a obstinação alemã em recusar emissões comuns de dívida pública europeia, junto com as acusações de novo do Governo holandês por os italianos estarem a internar «até pessoas idosas» (depreende-se que talvez as devessem deixar morrer...?) revela um traço estrutural da União Europeia que é tratado quase como uma teoria da conspiração em tempos de acalmia social e bom andamento económico, mas se torna uma realidade escancarada e pavorosa assim que a dinâmica da história aperta e algum fator torna evidente essa característica.

 

A coisa é simples: a União Europeia, muito longe de ser o espaço de cooperação e solidariedade que a sua propaganda vende, é uma estrutura em que a troco de subvenções conjunturalmente úteis e aparentemente geradoras de desenvolvimento, as economias centrais desmantelaram as dos países periféricos e colocaram-nos numa posição crescente de dependência económica e de inviabilidade política. Como todas as experiências de dominação imperial no plano económico, esta também pressupõe a desumanização dos dominados, na esperança de ganhar o apoio dos povos metropolitanos para a dominação, e de convencer quem tem de submeter a adotar uma espécie de mentalidade colonizada que soçobra diante da tese de que as «civilizações superiores» são dotadas de uma superioridade qualquer, não se sabe se racial ou outra, e que todos os males que assolam a sua vida são culpa da sua preguiça, do seu gosto por vinho e azeitonas, da sua desorganização endémica, talvez mesmo do seu clima que deixa as pessoas langorosas e sensuais. São estereótipos boçais, idiotas, sem qualquer cientificidade nem pretensão a ela, servindo apenas para mobilizar uma adesão emocional à divisão internacional do trabalho, sem perceber que por baixo desta pseudossociologia insultuosa está a crueza das relações de dependência económica. Enquanto as relações de opressão imperial não forem liquidadas e substituídas por um mundo em que um modo de produção socialista seja a base material da solidariedade e cooperação entre os trabalhadores do mundo, só podemos esperar este tratamento dos governos burgueses das potências centrais. E isto não é nada comparado com o racismo desavergonhado que por aí virá em relação às comunidades imigrantes e aos povos do Sul global.

 

É tempo de repetir o que temos dito sobre esta gente da direita eurocrática, perante sorrisos de desdém e reprimendas contra o exagero: deixada à solta, ela instituirá uma sociedade distópica de darwinismo social racista e ultra-explorador, de cidades gentrificadas, empregos precários, imigrantes reprimidos pela polícia, velhos vistos como indignos de cuidados de saúde por falta de custo/benefício, doentes crónicos cujo tratamento não tem um trade-off relevante, pobres que se o são é problema deles e bem podem morrer com um vírus qualquer para que a roda da economia não pare de rodar. Todas estas ideias ofendem qualquer cidadão de bem, e revelam uma extraordinária hipocrisia ao virem de quem tanto reclama o valor da família (para depois destruir as condições materiais para se constituir uma), proteger os idosos (menos quando é caro demais pagar-lhes pensões de reforma dignas e tratamentos médicos) e defender a vida (menos a de quem arrisca a pele para ir desempenhar uma tarefa não-essencial em tempo de pandemia).

 

O processo da pandemia de Coronavírus está a descarnar contradições até agora submersas, e a tornar claro que se este mundo velho e podre de exploradores e explorados não morre depressa, vai matar-nos a nós com ele. E no caso concreto da Europa, está a revelar a que ponto a UE não passa de um projecto distópico sem liberdade, sem igualdade, sem proteção social, de povos subjugados pelos interesses das burguesias centrais. O Sul da Europa deve pensar muito claramente se quer continuar envolvido nesta abjeta organização ou desenvencilhar-se dela para ser livre. E fazendo-o, desenvencilhar-se também da classe que coloca sede fiscais na mesma Holanda que nos insulta, e do modo de produção que só existe para a manter em cima das nossas costas.

 

Por S. Solberg J., Kolja21, Masterdeis/ obra derivada: Kolja21 - EU28 on a globe.svg, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=27078824

                                             

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey