Os homens, que hoje podem usufruir dos prazeres sexuais com suas amantes ou namoradas, despreocupados e seguros em motéis confortáveis ou em suas casas, deveriam interromper por alguns segundos suas atividades para prestar uma homenagem a nós, os precursores dessa batalha pelo direito do sexo livre.
Nas décadas 60 e 70, em Porto Alegre, ter uma boa e variada vida sexual não era nada fácil. Uma parte das moças que nos interessavam, ainda praticava aquela velha chantagem que suas mães lhe ensinaram: sexo só depois do casamento.
Mesmo com aquelas avançadas em seu tempo, havia um grave problema de logística: onde levá-las. Quem já tinha carro, poderia arriscar ser assaltado, preso pela polícia ou, na melhor das hipóteses sofrer um torcicolo, ao transformar os bancos do seu carro (quase sempre um Fusca) em cama.
Sobravam os lugares que alugavam quartos por hora. Como acontecia com alguns prostíbulos, essas casas não tinham nenhuma sinalização que nos orientasse em sua busca. Era um segredo, passado de boca em boca.
Tinha a "casa do meio" na Botafogo, quase de domínio público, mas as outras, na sua maioria, eram lembradas pelo nome de alguma benfeitora: a casa da Emília, a casa da Dorinha, da Lourdes e assim por diante.
Eram lugares de pouca higiene e quase nenhum conforto. Em vez de um banheiro, uma bacia com um jarro dágua ao lado e um rolo de papel higiênico.
Sim, pessoal, fomos os heróis desbravadores do sexo em Porto Alegre.
Então, aquela senhora, antiga prostituta que ascendeu na vida pelo seu esforço diário, a Dona Marli, revolucionou o mundo do sexo na cidade, criando o primeiro motel digno desse nome em Porto Alegre. Grande, com estacionamento, portaria, apartamentos confortáveis e banheiros com água quente.
Suas modernas instalações ficavam na Padre Cacique, quase esquina José de Alencar, onde o Prefeito Thompson construiu aquele viaduto, até hoje praticamente inútil, ao qual deu o nome de Pedro I.
Deveria merecer uma estátua dos que defendem o capitalismo e a livre iniciativa: uma grande empreendedora, Dona Marli, mas em vez disso foi vilipendiada e perseguida.
Naquele ano de 1972, vivia-se o auge da ditadura militar no Brasil e os milicos estavam comemorando o sesquicentenário da Independência.
Dentre as solenidades previstas estava a colocação de uma urna com os ossos do imperador, trazidos de Portugal, num espaço do viaduto que levava seu nome.
Ocorre que ninguém chamava aquele viaduto pelo seu nome oficial. Era o Viaduto da Marli.
O que acontece então?
O Motel da Marli é fechado, a Marli é presa e os que naquela noite se dedicavam aos prazeres do sexo foram levados para a Delegacia de Costumes (sim, existia) para prestarem esclarecimentos.
Algum tempo depois, o motel virou um estacionamento e o viaduto continua lá, inútil e enfeiando a paisagem.
Acho que ainda é conhecido como o Viaduto da Marli.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS
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