BASTIDORES, por Roberto Pereira D'Araujo
Bastidores:
1. Eu tenho esse texto pronto para enviar para quem quiser saber um pouco dos bastidores que assisti nos últimos anos. Sou engenheiro eletricista e trabalhei em Furnas por 30 anos.
2. Tenho orgulho de ter sido engenheiro dessa estatal num período onde o Brasil crescia como a China cresce hoje.
3. Em 1978, num estágio na estatal americana Boneville Power Administration, pude testemunhar o respeito que as obras do setor elétrico brasileiro causavam em experientes engenheiros americanos, pois o Brasil construiu no sistema Itaipu a segunda longa linha em corrente contínua, algo inusitado no setor.
4. Já aposentado, em 2002 eu estava fazendo um trabalho na COPPE UFRJ e o diretor, Pinguelli, me convidou para participar de um trabalho no Rio Grande do Sul (balanço energético) no período onde Dilma era secretária de energia. Nada a ver com partidos.
5. Portanto, conheci a ex-presidente pessoalmente e, desde esse período, percebi ser uma pessoa que compensa sua enorme falta de conhecimento com um comportamento agressivo que constrangia quem se contrapõe. Testemunhei discussões absurdas dela com sua própria equipe onde ela estava errada e não admitia.
6. Em função do racionamento de 2001, um evento que foi foco da eleição de 2002, também participei de um grupo de trabalho no Instituto Cidadania (hoje instituto Lula) preparatório para a campanha do candidato Lula. Evidentemente, votei no Lula em 2002.
7. Participei de várias reuniões pessoalmente com Lula, Dilma, Mantega, Fernando Ferro, Paulo Okamoto e outros. Tivemos reuniões sobre o setor, que sofria de uma grande barbeiragem do governo FHC e, portanto, eleitoralmente vantajosa para o candidato Lula.
8. Depois de uns 2 meses, publicamos um pequeno livreto com recomendações sobre o setor elétrico que tinha acabado de passar pelo racionamento. Eu, Pinguelli, Ildo Sauer, Roberto Schaeffer, Carlos Augusto Kirchner, e outros técnicos e Lula e Dilma assinaram o documento. Foi lançado com pompa e circunstância no Teatro João Caetano em setembro de 2002 com a presença de Lula e Dilma.
9. A "presidenta" foi autora de trechos do documento e, não por acaso, é o único segmento que contêm vários erros técnicos. Eu mesmo apontei esses erros, mas, para não causar atrasos, o texto permaneceu.
10.Nada do que foi assinado no documento pelo Lula e por Dilma foi adotado. Fizeram exatamente o oposto, principalmente mantendo exatamente o modelo mercantil do governo FHC.
11. A blindagem política das estatais estava expressa no texto. O contrário foi adotado, chegando ao cúmulo de colocar o ex-prefeito Luiz Paulo Conde na presidência de Furnas por ligações com Anthony Garotinho!
12. Sindicalistas incompetentes passaram a assumir funções de chefia. Os salários foram elevados para formar uma espécie de cooptação da equipe técnica.
13.Para se ter uma ideia dessa estratégia de cooptação, o "salário" do membro do conselho era 10% do salário de um diretor, por volta de R$ 15.000. Hoje um diretor de Furnas ganha mais de R$ 50.000,00
14.O tema setor elétrico não fazia parte da "carta aos brasileiros", portanto, não se tratava de uma lista de compromissos assumidos para não assustar o mercado. Na realidade, havia convicções internas ao PT.
15.De 2003 em diante as decisões causaram muito prejuízo para a Eletrobras e vantagens para o setor privado.
16.Em 2002, já era evidente que os prejuízos adviriam decorrentes da queda do consumo pós racionamento. Se a Eletrobras perdesse os contratos (mais baratos), teria que continuar a gerar por ser hidrelétrica e receber valores ínfimos por MWh. Na realidade isso significava uma grande transferência de renda da Eletrobras para o mercado livre.
17.Pode-se afirmar que a implantação do mercado livre, um projeto neoliberal que, por características físicas singulares do sistema brasileiro funciona muito mal, foi implantada pelo governo Lula!
18.Esses tiros no pé estavam apontados no documento de 2002. Até o Ministro de Energia do FHC, Gomide, sugeriu mudanças para não provocar a queda de receita da Eletrobras.
19.Numa reunião em Brasília onde o Palocci era o líder da transição, diante da queda do consumo, o próprio Gomide sugeriu adiar a descontratação da Eletrobras.
20.A resposta da Dilma, que já estava indicada para ser a ministra da energia, foi negativa. Surpreendendo a todos, manteve a descontratação com a seguinte frase: "Como é que vocês acham que vou reduzir tarifas?".
21.Isso revelava a intenção de não incomodar o setor privado e uma profunda desinformação sobre a situação das estatais.
22.Surpreendendo a todos, o governo Lula manteve tudo que tinha sido definido no governo anterior.
23.Portanto, o uso abusivo de instituições do estado para políticas que traziam benefícios oclusos para grandes empresas sempre foi uma marca registrada do governo Lula.
24.Um dos pontos mais importantes era o da blindagem dos cargos de diretoria que não poderiam ser ocupados por políticos ou por pessoas desqualificadas. Como todos devem saber, fizeram o contrário!
25.No primeiro dia do Pinguelli como presidente da Eletrobras, ele já encontrou um diretor nomeado pelo Roberto Jefferson!
26.Só teve direito a nomear um diretor. Todos os outros quatro eram indicados políticos. Isso no início do governo Lula!
27.No início de 2003 foi montado um grupo de trabalho no ministério. Dele faziam parte representantes da Petrobras, ONS, Eletrobras, CEPEL. Surpreendentemente, surgiram dois técnicos que eram conhecidos por suas ideias liberais. Um deles, meu ex colega em Furnas, sempre foi filiado ao PSDB! Até hoje ocupa cargo importante.
28.Em maio de 2003, fizemos uma apresentação à ministra que mostrava os conflitos com as ideias do governo FHC e que eram defendidas por esses dois representantes.
29.Depois dessa apresentação, sem debates e sem divulgar as opções que sugeríamos, a DILMA desmontou o grupo dizendo que nós estávamos fazendo "lobby da Eletrobras".
30.Montou outro grupo com consultores privados e esses dois membros pró FHC ganharam cargos de diretoria na EPE, criada para fazer o planejamento!
31.No meu período de conselho de Furnas, chegaram a criar uma diretoria de relações institucionais para abrigar um deputado do PMDB, Marcos Guimarães Cerqueira Lima. Como Furnas é uma empresa do grupo Eletrobras, a diretoria era um absurdo, pois, se fosse preciso uma diretoria para essa função, ela deveria ser criada na Eletrobras.
32.Mas isso não é nada. Fui para a Eletrobras como assessor e o único cargo que recebi foi o de membro do conselho de administração de Furnas.
33.Entrei em 2003 e fui substituído em 2005 porque protestei por escrito contra várias decisões que só prejudicavam a estatal. Numa ocasião, tive que brigar para que minha opinião fosse registrada em ata! Na semana seguinte, fui dispensado pelo Silas Rondeau (grupo Sarney) que já tinha substituído o Pinguelli.
34.Entre essas decisões, onde sempre fui voto vencido, estava a manutenção de contratos de terceirização que geravamdesconfiança e vários conflitos. Por exemplo, existia chefe de subestação terceirizado. Além de ser uma função muito importante, ele recebia um salário que era 60% de seus colegas com a mesma função.
35.A ideia de dar autonomia ao presidente de Furnas para contratar esse terceirizado e corrigir as distorções foi rechaçada pelo representante do Ministério de Minas e Energia no conselho, Mauricio Tolmasquim.
36.Mas qual é outro detalhe que poucos sabem? Quem era meu colega de conselho de Furnas no governo Lula? O deputado Aécio Cunha, que era, nada mais nada menos, do que pai do Aécio Neves. (Verifique no Google).
37.Ele não ficou a meu favor na reclamação. Eu fui o único a registrar a política tiro no pé. Vejam bem: PSDB apoiando Dilma nos bastidores!
38.Ora, é preciso muita ingenuidade para achar que é normal uma empresa pública do porte de FURNAS do governo do PT admitir um político do PSDB no Conselho a não ser se houvesse outro interesse comum, o recurso ilícito. Não era uma figurinha qualquer do PSDB!
39.Felizmente, fui exonerado em 2005 e o pai do Aécio só saiu em 2010. Porque morreu!! Senão ainda ficaria até o final governo Dilma.
40.Entende-se assim a denúncia contra o Aécio em Furnas que o PT não faz questão de esclarecer.
41.Se isso não produz pelo menos uma suspeita de que PT e PSDB não são assim tão inimigos, aí não sei mais o que poderia. Essa não é a única traição do PT. Há outras.
42. Na realidade, o PT privatizou por dentro. Hoje, a maioria dos ativos de Furnas são empreendimentos privados onde ela entra minoritariamente para viabilizar as obras. Isso mesmo com financiamento do BNDES!
43.A tentativa frustrada de reduzir tarifas às custas da Eletrobras é baseada em estudos estatísticos repleto de erros. Os valores adotados foram inferiores à US$ 3/MWh, um recorde de energia gratuita de longo prazo.
44. A tese absurda foi defendida pela FIESP em campanha midiática e nunca contestada pelo governo. Na realidade, a decisão de reduzir tarifas às custas da Eletrobras isentou todas as outras causas da elevação de preços, uma situação confortável para o setor privado.
45. A ideologia de definir as tarifas como custos de operação das usinas é absurda. Além de ser uma política bizarra não adotada em nenhum país, deixa a administração da empresa órfã de sustentação financeira. Evidentemente, com tantos indicados políticos, nenhuma redução de custos administrativos foi adotada.
46. A Eletrobras perdeu 70% de valor de mercado da noite para o dia e nenhum contrato privado foi sequer examinado. Nunca houve um estudo para sinalizar porque a tarifa dobrou de valor em 25 anos, mesmo com a Eletrobras "doando" energia.
47. Essa fragilização da estatal é muito pior do que aconteceu com a Petrobras e está na base das intenções de privatização dos governos Temer e Bolsonaro.
Para finalizar, não há inocentes num governo. Se, mesmo em conversas de corredor, técnicos sabiam das políticas que quebraram o estado, são coniventes com o crime. No mínimo trocaram por polpudas aposentadorias. Não se trata apenas da corrupção. Meu foco são as políticas suicidas.
A sociedade brasileira, ao "relativizar" tais absurdos políticos, só mostra o seu alto grau de complacência.
Claro que reconheço que há uma perseguição ao Lula que se refere a sua imagem. Afinal não é comum um operário (na realidade, muito mais um sindicalista) ocupar a presidência.
Entretanto, na minha visão, há uma ausência de legislação que proteja as instituições estatais para que sejam realmente do Estado e não do governo. Contratos de gestão que definissem claramente o que o governo e as empresas públicas podem se solicitar mutuamente.
Evidentemente cargos de diretorias com mandato evitariam a dança das cadeiras que se testemunhou.
Pedindo desculpas a quem pensa o contrário, o governo PT foi um grande traidor.
Roberto Pereira D'Araujo
Ilumina
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