O oportuno comentário a seguir é de Pierre Rabhi, pensador e agricultor francês, que prefiro chamá-lo de "filósofo da terra": "Hoje, quando se fala de economia, não se trata de economia real. A economia real é um sistema que tem por objetivo repartir os recursos tão equitativamente quanto possível para responder às necessidades do maior número de pessoas.
Marcus Eduardo de Oliveira
Infelizmente, o que se chama 'economia' é, sobretudo, a monetarização que faz com que o dinheiro represente não apenas riquezas reais, mas também riquezas não-reais, virtuais, especulativas, e que ele funcione sobre si próprio: dinheiro produz dinheiro. Logo, não estamos numa economia real".
Essas palavras de Rabhi nos conduz a uma reflexão que merece nossa atenção diante de tantas disparidades ora vivenciadas. De fato, a economia não pode ser chamada de real quando congrega em seu interior um contingente de milhões de seres humanos que passam fome diuturnamente, num mundo que, paradoxalmente, produz alimentos em quantidade suficiente para alimentar mais de 10 bilhões de pessoas.
Logo, tomando esse caso peculiar para análise, a existência da fome é uma condicionante da péssima distribuição, e não da falta de produção de alimentos. Se estivéssemos de fato perante uma economia real, tomando apenas esse "problema" como exemplo, a fome não aconteceria.
Contudo, 275 mil pessoas ao redor do mundo começam a passar fome todos os dias, sendo que, transcorridas 24 horas, 28.800 delas irão à óbito (são 20 vítimas por minuto, 1.200 por hora), enquanto 1/3 de toda a comida produzida no mundo é desperdiçada - simplesmente jogada no lixo.
Como então chamar isso de economia real quando o modelo de produção ora vigente, baseado num crescimento econômico que ocorre à custa da dilapidação do capital natural, ultrajando as fontes limitadas da natureza, e por isso afetando o modo de vida dos povos, termina por provocar essa tragédia social que dizima tantas vítimas, "vítimas" de uma torpe distribuição?
Não há qualquer sentido em chamar de economia real o que vemos quando apenas 62 pessoas no mundo acumulam fortuna equivalente aos ganhos de metade exata da população mundial, ou seja, de 3,6 bilhões de pessoas, evidenciando assim um processo de acumulação (de renda, riqueza, poder, consumo e privilégios) sem precedentes.
Assim como não há razão de se olhar para um modelo de produção industrial, também o chamando de economia real, sabendo-se que, para satisfazer às vontades do mercado de consumo, consagra-se, antes, o supérfluo sem limites, o desnecessário e o desperdício (principalmente no caso dos alimentos, conforme mencionamos).
Um sistema assim, que ultrapassa limites e joga a própria vida humana precipício abaixo, não pode ser visto e denominado como "real", uma vez que carece de pleno e substancial sentido.
Daí a necessidade cada vez mais premente de se repensar a economia (em seu sentido literal) de maneira a que o ser humano e a natureza façam parte das preocupações centrais e da tomada de decisões políticas e econômicas.
Só assim organizaremos algo a que, no futuro, poderemos então, confortavelmente, chamar de economia real, dando primazia ao que realmente conta: a preservação da vida humana com elementar qualidade aos mais necessitados, longe da fome e da miséria, vivendo num ambiente equilibrado que preserva e respeita o modo de viver dos sapiens, dos animais e de toda a biodiversidade.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental
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