Por Marcus Eduardo de Oliveira
A maior parte dos estudos econômicos parte da seguinte premissa: os consumidores devem maximizar utilidade e as empresas maximizarem lucro.
Para que essa premissa se torne, de fato, real, o mercado espécie de lugar sagrado no circuito econômico se apresenta como parte indispensável. A universalidade dos mercados e sua estreita conexão com quase todas as facetas das relações humanas, nas palavras do professor Tyler Cowen, é algo que não pode ser negado. Basta olhar ao lado para verificar-se a importância dos mercados no ambiente da economia. Antes de qualquer outra coisa, basta reunir um grupo de compradores e vendedores e colocá-los em permanente contato uns com os outros. Estabelecem-se aí as relações econômicas de compra, venda e troca de mercadorias e, por vezes, descobrem-se algumas excentricidades nesse dito mercado. A importância dessa relação é factual para o desenrolar da atividade econômica. Cowen cita que a lógica dos mercados está presente na humanidade desde a aurora da história e provavelmente muito antes disso. Em laboratório, até macacos se entregam a comportamento cooperativo recíproco, se a conduta lhes rende mais comida. (1)
De tal modo, o mercado regula as atividades que fazem economias prosperarem ou irem à ruína. E a chave que faz girar essa conduta atende pelo nome de vendas. Vende-se de tudo nesses mercados excêntricos, por natureza -, de forma que, mais cedo ou mais tarde, essa conduta nos encontrará.
Em São Luís, Maranhão, há um refrigerante cor de rosa com sabor adocicado lembrando cravo e canela de nome Jesus.
Tão interessante quanto o nome do refrigerante são os slogans dessa bebida: Fé no estômago! e Abençoe sua sede!.
Na Índia, há algumas empresas especializadas em festas de casamento. Até aí tudo bem, não há nada de novo, muitos fazem isso. O fato excêntrico é que essas empresas são especializadas em contratar pessoas para as festas de casamentos em que aparentemente haverá poucas pessoas. Os convidados (contratados), devem se comportar como se conhecessem os noivos e se apresentam, obrigatoriamente, vestidos conforme a necessidade da festa e ao agrado dos noivos.
Assim como há contratados para um casamento, também há para um funeral. As carpideiras ocupam essa cena trágico-cômica. Em troca de acordos financeiros, essas profissionais femininas têm a função de chorar para um defunto alheio. Curioso é dar-se conta que tal profissão existe há mais de dois mil anos. No Brasil, segundo relatos, as carpideiras chegaram junto com a colonização portuguesa. Inicialmente o pagamento não era feito em dinheiro, mas com bens da família do defunto.
Todavia, já que o assunto agora é morte e velório, no Chile determinados cemitérios e agências funerárias vendem ataúdes com uma espécie de sineta acoplada à parte interior do caixão, evitando-se assim o medo da tafofobia (2). Só não é possível assegurar que, uma vez tocada essa sineta, caso o caixão já esteja terra abaixo, alguém conseguirá ouvir.
E o que dizer do mercado que envolve a estética? Em especial, a estética feminina. As cirurgias de retirada de costelas para afinar a cintura são um bom exemplo de que há de tudo no mercado e que, por conseqüência, no mercado se poderá encontrar de tudo. No México, aparentemente sem uma razão específica, a procura por esse tipo específico de cirurgia é maior que em qualquer outro lugar.
Pensando como um economista e analisando a relação custo/benefício certamente há de se concluir que os custos, nesse caso, riscos, são bem maiores que os benefícios (nesse caso, a estética).
O risco dessa cirurgia é bem maior em termos de se comprometer à saúde, pois se mexe com a estrutura óssea e com muitas terminações nervosas, podendo perfurar o abdômen e a pleura (membrana que envolve os pulmões).
Nesse rol das cirurgias íntimas femininas, conhecidas como ninfoplastia, aquela que permite reconstruir o hímen parece ser, de longe, uma das que mais sucesso faz; só não se sabe, ao certo, se o sucesso maior dessa prática cirúrgica ocorre entre as mulheres ou os homens, os beneficiados, nesse caso específico. No entanto, o mercado dessas cirurgias não pára de crescer. Uma cirurgia de rejuvenescimento vaginal a laser que pretende fortificar e melhorar o controle do tônus vaginal não sai por menos de R$ 5 mil.
No entanto, a excentricidade do mercado, sempre em busca de maiores vendas, chega mesmo a ser inimaginável. Há quem diga que o príncipe Charles tem um mordomo encarregado apenas de pôr creme em sua escova de dentes. O casal David e Victória Beckham chegaram a contratar, a um custo de mil libras por dia, um mordomo apenas para abrir os vários presentes recebidos pelo casal em época natalina. O poeta Pablo Neruda (1904-73) colecionava (comprava, melhor dizendo, a qualquer preço) desde conchinhas a navios em miniatura, passando por garrafas vazias e bebidas de todos os tipos que encontrava pela frente, além de máscaras, cachimbos e até mesmo insetos. O curioso disso é saber que se pode comprar até mesmo insetos.
Tiger Woods e o Sultão de Brunei
Em alguns casos as excentricidades fazem girar em gastos prá lá de exorbitantes. Tome-se como exemplo que uma leve mistura de álcool, óleos com essência e compostos aromáticos chegam a custar rios de dinheiro. Esse é o caso, por exemplo, de alguns perfumes. De acordo com a revista Forbes, um simples frasco de 500 ml do Imperial Majesty, de Clive Christian, não sai por menos de US$ 215.000 (algo como R$ 430 mil). São fabricados 10 frascos por ano, apenas para alguns colecionadores. O recipiente desse perfume é feito em cristal Baccarat com colar em ouro 18K, brilhante 5K e diamante branco.
E o que dizer então do mercado esportivo que transforma alguns gênios em milionários apenas em uma temporada esportiva. Esse é o caso de Tiger Woods, o garoto de ouro do golfe, e, certamente, o atleta mais bem pago do mundo, além de ser o primeiro esportista a faturar na história a bagatela de US$ 1 bilhão. Somente em 2008 Woods embolsou US$ 100 milhões. Woods vive em um mundo no qual o principal combustível é o dinheiro. Ele vive rodeado de cifras estratosféricas. Para tê-lo em torneios ou eventos promocionais é preciso desembolsar uma pequena fortuna. Ele não sai de casa por menos de US$ 1 milhão. A mídia sabe bem que onde Woods põe a mão é lucro certo. É por isso que empresas como a Nike e a Titleist (fabricante de bolinhas de golfe) querem Woods como garoto-propaganda. Somente a Nike colabora com cerca de US$ 40 milhões por ano de depósitos na conta bancário do golfista, assim como paga metade disso a Michael Jordan, a estrela internacional de basquete norte-americano.
Fora isso, Woods ainda faz propagandas ou aparece em eventos televisivos usando a marca American Express e Rolex. No total, o mercado estima que essas companhias paguem a importância de mais de US$ 80 milhões por ano ao jovem golfista.
No entanto, em termos de extravagância mercadológica, talvez ninguém supera um tal de Hajji Hassanal Muhizzaddin, mais conhecido como o Sultão de Brunei. Dono de uma fortuna estimada em 20 bilhões de dólares esse senhor é capaz de cortar os cabelos em Manchester (Inglaterra), a uma distância de 19 mil quilômetros de seu palácio e pagar por isso R$ 45 mil. Em se tratando do Sultão de Brunei isso parece não representar muita coisa, tendo em vista que o referido cidadão é dono de 165 Rolls-Royce, 63 Mercedes Benz, 650 cavalos de raça. Em seu palácio, maior que o Vaticano, há simplesmente 1788 cômodos. As paredes são decoradas com obras de arte estimadas em 1,5 bilhão de dólares. Em sua festa de aniversário, para comemorar meio século de existência, o Sultão contratou para animar a festinha ninguém menos que Michael Jackson (1958-2009). Essa festa, regada a muita comida e bebida, tinha apenas 300 mil súditos convidados. O preço dessa festinha? Vinte e cinco milhões de dólares.
O tráfico de mulheres e a venda de órgãos
Junto ao tráfico de drogas, um dos mercados mais rentáveis em escala mundial é, sem dúvida, o tráfico de mulheres. Segundo estimativas, esse mercado gera receitas anuais de US$ 32 bilhões no mundo todo, e 85% desse dinheiro vem da exploração sexual, que só na América Latina e no Caribe fez mais de 100 mil vítimas por ano.
Partes desses dados são compiladas pela Organização Internacional de Migrações (OIM) que declara em relatórios que uma mulher pode ser "vendida" para uma rede de exploração sexual por entre US$ 100 e US$ 1.600. As vítimas das organizações que traficam pessoas para obrigá-las a exercer a prostituição geram um lucro líquido de US$ 13 mil para seus exploradores.
Tão grave quanto o tráfico de mulheres é o comércio de venda de órgãos humanos. Há casos paradigmáticos sobre esse assunto.
Na China, vários são os sites especializados no assunto que tratam de todos os detalhes envolvendo a compra, o doador e o receptor de rins, córneas, coração, pulmão e até mesmo medula óssea.
A propaganda online no site do Centro Internacional de Assistência aos Transplantes da cidade de Shenyang, no nordeste do país, anuncia, por exemplo, sem qualquer constrangimento sua atividade comercial:
Doadores de órgãos disponíveis imediatamente! Entre em contato conosco antes de ficar muito doente! Um conselho: saiba que a melhor temporada se dá em dezembro e em janeiro, quando o número de doadores é mais elevado; isso lhe permitirá esperar por um período de tempo mínimo antes de ter um órgão transplantado.
No referido site, os preços estão discriminados sem qualquer empecilho: US$ 62.000 para um rim, uma centena de milhares de dólares para um fígado, um pâncreas com variação de preços entre US$ 150.000 e 170.000, um coração que sai pela bagatela de US$ 160.000 e, por fim, uma córnea a US$ 30.000.
Como se percebe, o mercado realmente é repleto de excentricidades. Talvez seja por isso que, levando-se em conta todos esses exemplos, Adam Smith (1723-90) tenha dito sem saber que o mercado se tornaria extremamente excêntrico, que o consumo é a única finalidade e o único propósito de toda produção. Se sempre tem alguém disposto a ofertar algo, ainda que seja uma mercadoria excêntrica, certamente, irá, cedo ou tarde, encontrar um comprador.
Notas:
COWEN, Tyler. Descubra seu economista interior. 2009:169
(2) Tafofobia (ou tafefobia) é o medo mórbido de ser enterrado vivo.
O Autor:
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor universitário. Mestre em Integração da América Latina (USP) e Especialista em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Autor de Conversando sobre Economia (2002) e Provocações Econômicas (no prelo).
Contato: [email protected]
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