Milton Lourenço (*)
Quinze anos depois da promulgação da Lei de Modernização dos Portos (8.630/93), não se pode dizer que a concessão de áreas portuárias à iniciativa privada não foi bem sucedida. Pelo contrário. Ainda que tenha sido feita, muitas vezes, na base da improvisação e levando em conta apenas os interesses dos grandes grupos privados envolvidos na disputa, a privatização dos serviços portuários representou um gigantesco salto de qualidade no funcionamento dos portos brasileiros, especialmente do Porto de Santos, responsável por 27% do comércio exterior brasileiro.
São os números que provam isso. Em dez anos, o volume de cargas movimentadas pelo Porto de Santos duplicou: de 39,9 milhões de toneladas em 1998, chegou a mais de 82 milhões de toneladas em 2007. Para 2008, a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) projeta um movimento de 85,9 milhões de toneladas, 4,8% acima do de 2007.
É uma previsão que tem como base as projeções de exportadores, importadores, terminais e órgãos que apontam as perspectivas do agronegócio. A carga geral, por exemplo, deve crescer cerca de 4,3% da movimentação em 2007, estimando-se chegar a 33,7 milhões de toneladas.
O destaque nessa modalidade deve ficar com a carga conteinerizada, estimando-se um fluxo de 2,6 milhões de TEUs (twenty-foot equivalent unit ou unidade equivalente de 20 pés), representando um aumento de 7% em relação ao ano passado (2,5 milhões de TEUs). Já os granéis líquidos devem totalizar 15,4 milhões de toneladas, apontando para um crescimento de 0,5%. Para os granéis sólidos, estima-se um movimento de 36,7 milhões de toneladas, 8,9% acima do total de 2007.
Esses números, porém, não escondem os problemas que são muitos, especialmente a falta de investimentos públicos na solução dos gargalos portuários. Como se sabe, o ritmo dos investimentos públicos não acompanha o dos investimentos privados, provocando um descompasso.
Assim, terminais novos surgem em áreas retroportuárias, mas as vias de acesso para a circulação de caminhões e cargas continuam sucateadas e superadas. Isso é especialmente trágico num porto em que apenas 13,8% das cargas movimentadas chegam por via férrea, enquanto 73% vêm de caminhões. As demais são cargas líquidas, que chegam por meio de dutovias.
Isso ocorre porque o Estado brasileiro, apesar das mudanças registradas nos últimos tempos, ainda não está preparado para receber investimentos estrangeiros. Afinal, a legislação vigente ainda é anterior à modernização dos portos, que se deu como reflexo de um contexto mundial a partir do fim da Guerra Fria e a conseqüente reafirmação do capitalismo liberal.
Como existem muitas restrições à participação do capital externo, os portos não se aparelharam tanto como deveriam porque o capital nacional não se mostra com força suficiente para tamanho desafio. Um exemplo disso é que só no ano passado uma medida provisória passou a permitir a participação do capital estrangeiro na execução dos trabalhos de dragagem, atividade fundamental para aprofundar de 12 para 15 metros o calado do Porto de Santos e alargar o seu canal de 220 para 250 metros, permitindo, assim, a entrada de grandes embarcações e a movimentação de navios em duas mãos de direção.
Como as mudanças ocorrem muito lentamente -- especialmente em função de um Congresso que não acompanha a demanda de atualização da legislação como deveria --, os problemas de infra-estrutura continuam a limitar o ritmo do crescimento da economia. Os obstáculos começam com a falta de ferrovias e a má conservação das rodovias, o que dificulta e encarece o transporte, e terminam com os gargalos nos portos.
Além das dificuldades crônicas -- demora na liberação alfandegária e eventuais greves de funcionários públicos ou trabalhadores portuários --, o crescimento das exportações obriga empresas a disputar contêineres e espaço nos navios na tentativa de embarcar seus produtos nos prazos estabelecidos e cumprir os contratos. Isso também contribui para encarecer os fretes, o que resulta numa perda de competitividade do produto nacional.
Com isso, o Brasil corre o risco de criar uma imagem paradoxal, ou seja, de oferecer produtos bons e baratos, mas sem garantia de entrega, o que pode trazer graves prejuízos à economia nacional, já que a confiabilidade de compra é condição sine qua non no comércio exterior.
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Milton Lourenço é diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP.
Site: www.fiorde.com.br
E-mail: [email protected]
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