Milton Lourenço (*)
O Porto de Santos traça planos para quadruplicar sua capacidade de movimentação de carga até 2020. O projeto Barnabé-Bagres, ainda em fase de estudos, tem a perspectiva de ampliar em 120 milhões de toneladas a sua capacidade. Mas, mesmo com a atual infra-estrutura capenga, o Porto vem ano a ano batendo recordes de movimentação de carga. Basta ver que, já nos primeiros cinco meses de 2007, movimentou 31 milhões de toneladas de carga, 11,5% mais do que no mesmo período em 2006, mesmo recebendo menos navios. Isso significa que, grosso modo, deverá aproximar-se dos 81 milhões de toneladas, conforme projeção feita pela nova Secretaria Especial dos Portos.
Como a sua atual capacidade instalada é de 110 milhões de toneladas, a movimentação ainda é compatível com a infra-estrutura, mas, a partir de 2008, deverá começar a se aproximar perigosamente de um estado de saturação, que se torna inevitável, diante da morosidade com que os planos de modernização saem do papel. A princípio, somados todos os investimentos, o Porto espera ter até o final de 2012 a capacidade de 194 milhões de toneladas. Mas, por enquanto, esse objetivo não passa de uma quimera.
Cansada de esperar pelo poder público, a iniciativa privada tem agido por conta própria para amenizar as deficiências do Porto de Santos e do sistema portuário brasileiro em geral, construindo terminais para ampliar a capacidade de transporte do País e diminuir o chamado custo Brasil. Investimentos pesados foram feitos para modernizar os terminais, tornando-os mais ágeis na operação.
Empresas como Libra Terminais e Santos Brasil investiram a fundo, elevando a produtividade do Porto de Santos, mas continuam a depender das ações do governo, que não só raramente tem melhorado o acesso aos terminais como há seis anos não faz licitação de áreas em portos públicos. Tampouco tem investido na recuperação do sistema rodoviário como deveria. Diante disso, quem trabalha na área de comércio exterior não deixa de encarar o futuro com olhar apreensivo, temendo que o caos que tomou conta do sistema aéreo venha a se registrar também na área portuária em breve.
O que fazer? Parece fora de dúvida que está mais do que na hora de o País repensar a sua matriz de transporte, que hoje está mais ou menos assim (mal) distribuída: o modal rodoviário responde por 62% da movimentação de cargas; o modal ferroviário fica com 23%; e os demais modais, incluindo a hidrovia, com os restantes 15%.
O ideal seria que o modal rodoviário ficasse com 40% da movimentação de carga, o ferroviário com 35% e os demais com 25%. É o que se dá não só em países continentais como nas nações mais desenvolvidas da Europa. Nos EUA, por exemplo, ninguém faz de caminhão uma viagem de três mil quilômetros como se faz com freqüência no Brasil. Para isso, há os demais modais, como o ferroviário e o hidroviário, que ajudam a tirar carretas e caminhões das rodovias, o que significa menos gastos com manutenção, menos acidentes nas estradas e a preservação da infra-estrutura rodoviária.
Quem percorre a Alemanha de hoje sabe que o transporte hidroviário vem se tornando uma alternativa viável e de baixo custo para contêineres destinados a países cortados pelo Rio Reno, que nasce na Suíça e vai até o mar, saindo por Hamburgo, rumo à fronteira com a França e a Holanda. Devido aos serviços regulares conectados a terminais domésticos alemães, cerca de 22% do total de contêineres transportados para dentro e fora do porto holandês de Rotterdam passam por barcaças que cruzam o Reno e seus afluentes como o Necker e o Main. E a tendência é que essa faixa cresça cada vez mais.
Aqueles que defendem mais investimentos no modal rodoviário argumentam que o Brasil, embora tenha o maior volume de quilômetros de rede fluvial do mundo, não apresenta rios com boas condições de navegabilidade. E que, portanto, os investimentos seriam muito caros. Mas isso não passa de falácia porque não seria difícil atrair, por exemplo, empresas européias bem sucedidas na dragagem de rios e no transporte de contêineres por barcaças para participação em parcerias público-privadas (PPP).
O que não se pode admitir é que não se faça nada para alterar a atual matriz de transporte. Ou que, por inércia, permita-se que se aumente a distorção de seus números. Afinal, o País não tem condições de crescer com uma infra-estrutura de transporte como a atual. Sem equacionar essa questão, não haverá franco desenvolvimento econômico tão cedo. Pelo menos nas proporções que o Brasil necessita.
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(*) Milton Lourenço é diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP (www.fiorde.com.br). E-mail: [email protected]
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