Amanhã [domingo, 12/7], a cúpula da União Europeia selará o destino da Grécia na Eurozona. Quando escrevo essas linhas, Euclides Tsakalotos, meu grande amigo, camarada e sucessor como ministro das Finanças da Grécia está a caminho de uma reunião do Eurogrupo, que determinará se haverá um acordo de última hora entre Grécia e nossos credores e se esse acordo contempla o grau de alívio da dívida que poderia tornar viável a economia grega dentro da Euroárea. Euclides leva com ele um plano moderado, bem refletido, de restruturação da dívida, que sem dúvida contempla os interesses dos dois lados, da Grécia e de seus credores. (Pretendo publicar detalhes desse plano, nesse blog, na 2ª-feira, tão logo a poeira tenha baixado.)
Se essas nossas propostas modestas de restruturação da dívida forem rejeitadas, como o ministro de Finanças alemão já deixou claramente sugerido que acontecerá, a reunião de cúpula da União Europeia no domingo decidirá se chuta a Grécia para fora da Eurozona já, ou se a deixa ficar mais um pouco, em estado de miséria crescente, até algum momento no futuro próximo. A questão é:
- Por que o ministro das Finanças alemão, Dr. Wolfgang Schäuble, resiste tanto a uma restruturação de dívida, que é suave, sensível e beneficia os dois lados?
O artigo seguinte, publicado hoje no Guardian oferece minha resposta. [Atenção: o título publicado no Guardian não é de minha criação. O título do artigo que o jornal recebeu era (ing., como o desse postado): "Behind Germany's refusal to grant Greece debt relief", e pode ser lido também aqui:
"O drama financeiro da Grécia dominou as manchetes por cinco anos, por uma razão: pela obcecada recusa, pelos nossos credores, a oferecerem alívio essencial na dívida. Por que, contra todo o bom senso, contra o veredicto do FMI e contra todas as práticas diárias de banqueiros diante de devedores super exigidos, resistem a reestruturar a dívida grega? A resposta não pode ser encontrada no campo da economia, porque jaz no fundo do labirinto da política da Europa.
Em 2010, o estado grego tornou-se insolvente. Viam-se duas opções consistentes com continuar a ser membro da Eurozona: uma opção sensível, que qualquer banqueiro decente teria recomendado -reestruturar a dívida e reformar a economia; e a opção tóxica - emprestar mais dinheiro a entidade falida e fingir que ela continuaria solvente.
A Europa Oficial escolheu a segunda opção, que deixava expostos a uma dívida pública grega superior à viabilidade econômica da Grécia, os bancos franceses e alemães resgatados. Uma reestruturação da dívida teria implicado perdas para os banqueiros, carregados de papéis da dívida grega. Atentos para não confessar aos seus respectivos Parlamentos que os respectivos contribuintes teriam de novamente pagar pelos bancos, com mais empréstimos insustentáveis, funcionários da União Europeia apresentaram a insolvência do Estado grego como problema de falta de liquidez, e justificaram o chamado "resgate" como ato de "solidariedade" com os gregos.
Com o objetivo de criar um contexto para aquela cínica transferência de perdas privadas irrecuperáveis, para cima dos ombros dos contribuintes - como num jogo de "amor bandido" -, impuseram-se à Grécia medidas inauditas de arrocho ['austeridade']. A renda nacional grega - da qual teriam de sair recursos para pagar dívidas velhas e novas -, na sequência, caiu mais de 25%. Basta o saber matemático de um garoto esperto de oito anos, para ver que esse processo nunca acabaria bem.
Tão logo a sórdida operação foi completada, a Europa, automaticamente, ganhou mais uma razão para não discutir a restruturação da dívida: agora, a coisa atingiria o bolso de cidadãos europeus! E assim, foram administradas doses cada vez maiores de arrocho ['austeridade'], ao mesmo tempo em que a dívida aumentou, forçando os credores a fazer novos e novos empréstimos em troca de arrocho ['austeridade'] cada vez maior.
Nosso governo foi eleito com mandato para pôr fim a essa espiral do fim-do-mundo [orig. doom loop]; para requerer a reestruturação da dívida e pôr fim ao arrocho ['austeridade'] incapacitante. As negociações chegaram ao impasse tão abundantemente noticiado, por uma simples razão: nossos credores continuam a descartar qualquer reestruturação tangível da dívida, ao mesmo tempo em que insistem que nossa impagável dívida seja paga "parametricamente" pelos mais pobres dos gregos, seus filhos e netos.
Na minha primeira semana no Ministério das Finanças, recebi a visita de Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo (que congrega todos os ministros das Finanças da Eurozona), que me apresentou a seguinte 'escolha': ou vocês aceitam a "lógica" do resgate e suspendem qualquer tipo de demanda de restruturação da dívida, ou o acordo de empréstimo de vocês "vai quebrar" - com a consequência não dita de que os bancos gregos seriam destruídos.
Seguiram-se cinco meses de negociações sob condições de asfixia monetária e corrida aos bancos induzida, supervisionada e administrada pelo Banco Central Europeu. Estava escrito no muro: a menos que a Grécia capitulássemos, logo estaríamos diante de controle de capitais, caixas de atendimento automático dos bancos em funcionamento parcial, feriado bancário prolongado e, no final,Grexit.
A história da ameaça de Grexit é uma montanha-russa. Em 2010, ela meteu o medo dos infernos nos corações e mentes dos financistas, porque os bancos deles estavam repletos de papeis da dívida grega. Mesmo em 2012, quando o ministro das Finanças alemão Wolfgang Schäuble decidiu que os custos da saída da Grécia da Eurozona seriam bom "investimento", como meio para disciplinar França et alii, essa possibilidade ainda matava de medo quase todos os demais.
Quando o governo do Syriza chegou ao poder em janeiro passado, como que para confirmar o que dizíamos, que os "resgates" nada tinham a ver com salvar a Grécia (e tinham tudo a ver com cavar trincheiras protetoras em torno do norte da Europa), grande maioria dentro do Eurogrupo - sob tutela de Schäuble - havia adotado a Grexit fosse como resultado preferido, fosse como arma preferida contra nosso governo.
Os gregos, cobertos de razão, temem muito qualquer ideia de serem amputados da união monetária. Sair de uma moeda comum nada tem a ver "com cortar as algemas", como os britânicos fizeram em 1992, quando [o então chanceler, o conservador] Norman Lamont cantou no chuveiro, para sua fama eterna, na manhã em que a libra esterlina saiu do mecanismo europeu de câmbio [orig. European exchange rate mechanism (ERM)]. Infelizmente, a Grécia não tem moeda cujas algemas com o euro possam ser cortadas. Temos o euro - moeda estrangeira totalmente administrada por credor inimigo de qualquer restruturação da insustentável dívida de nosso país.
Para sair, teríamos de criar uma nova moeda, desde o princípio. No Iraque ocupado, a introdução de novo papel-moeda exigiu quase um ano, 20 ou quase Boeing-747s, a mobilização da força militar dos EUA, três empresas impressoras e centenas de caminhões. Sem esse apoio, a Grexit seria o equivalente de anunciar uma grande desvalorização, com mais de 18 meses de antecedência: é como receita para liquidar todo o estoque de capital grego e transferir tudo para o exterior, por todos os meios existentes.
Com a Grexit a reforçar a corrida aos bancos induzida pelo BCE, nossos esforços para pôr novamente sobre a mesa de negociações a questão da restruturação da dívida caiu em ouvidos surdos. Repetidas e repetidas vezes nos disseram que esse seria assunto para futuro não especificado que viria depois de "total cumprimento bem-sucedido do programa" - fantástico "Ardil-22", porque o programa jamais poderá ser bem-sucedido, sem a restruturação da dívida.
Essa semana marca o clímax das conversas, com Euclides Tsakalotos, meu sucessor, lutando outra vez para pôr o cavalo à frente da carroça - para convencer um Eurogrupo hostil de que a restruturação da dívida é pré-requisito para o sucesso da reforma grega, não alguma espécie de prêmio ex-post se alguma reforma for bem-sucedida. Por que é tão difícil ultrapassar essa questão? Vejo três razões.
A Europa não sabe como responder à crise financeira. Deve preparar-se para expulsar um país ("Grexit"), ou para federalizar-se?
Uma, que é difícil derrubar aquela inércia institucional. Segunda, que dívidas insustentáveis dão imenso poder aos credores, sobre os devedores - e poder, como sabemos, corrompe até os melhores. Mas é a terceira razão que me parece mais pertinente e, na verdade, mais interessante.
O euro é um híbrido de regime de taxa de câmbio fixa, como o ERM dos anos 1980s ou o padrão-ouro dos anos 1930s, e uma moeda de Estado. O primeiro depende do medo da expulsão, para ser mantido coeso; enquanto a moeda de Estado envolve mecanismos de reciclagem de superávits entre os Estados membros (por exemplo, um orçamento federal, bônus comuns). A Eurozona cai entre essas duas balizas - é mais que um regime de taxa de câmbio e menos que um Estado.
E aí está o busílis. Depois da crise de 2008/9, a Europa não soube como responder. Deveria preparar o terreno pelo menos para uma expulsão (i.e., para a Grexit), para fortalecer a disciplina? Ou andar na direção de uma federação? Até aqui, não fez nem uma coisa nem outra e a angústia existencial ali só cresce.
Schäuble está convencido de que, no pé em que estão as coisas, ele precisa de uma Grexit para clarear o ambiente, e custe o que custar. De repente, uma dívida pública grega permanentemente insustentável, sem a qual o risco deGrexit some, ganhou nova serventia para Schauble.
O que quero dizer com isso? Baseado em meses de negociações, minha convicção é que o ministro alemão das Finanças deseja que a Grécia seja expulsa da moeda única, para provocar um medo dos infernos nos franceses, e conseguir que se rendam ao modelo alemão de Eurozona autoritária-disciplinadora. *****
11/7/2015, Yanis Varoufakis, Blog Yanis Varoufakis
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