Há muitos anos, na minha terra, uma vila do norte de Portugal Ia contar-vos a história de uma mulher ainda jovem que cantava quando tinha fome. Cantava, e uma mulher que tinha muitos filhos trazia-lhe uma malga de caldo e pão. Vivia numa casa erguida sobre uma fraga, a jovem que cantava quando tinha fome.
Ainda hoje a ouço, quando penso nos direitos à vida, ao trabalho, ao lazer e à cultura. É o meu ponto de partida, para escutar as vozes de quem sofre, de quem não tem trabalho, não tem hospitais, centros de saúde, escolas, casas de cultura e espaços para a prática desportiva.
Em Portugal, essas faltas e a destruição do que existe desde a Revolução de 25 de Abril de 1974 aprofundaram-se. O governo do Partido Socialista restringe e retira direitos concretos, alarga o desemprego, destrói a nossa economia, a identidade e o futuro do nosso país e do nosso povo. Fazem tudo isso enquanto falam de direitos humanos para outros países; absolutizam, em abstracto, a questão das liberdades; vão longe, muito longe, na confusão de conceitos, e esquecem o que é essencial e possibilita a afirmação e a realização de quem trabalha, de quem ama a sua terra, de quem quer ser feliz e vê a vida quotidiana instabilizada e mais insegura.
É esta injustiça milenar e a paralisia do desenvolvimento social, económico e cultural que nos levam a lutar pelo futuro. E o futuro constrói-se enfrentando o sistema capitalista e a crise financeira e estrutural que advém da chamada economia de casino a que chegou. Também em Portugal, ministros e ex-ministros do Partido Socialista e do Partido Social Democrata, as principais forças nos governos desde os golpes mais profundos na Revolução de Abril, bem como outros comparsas, ergueram fortunas através de leis permissivas, de privatizações de bancos e empresas, de especulações bolsistas e da corrupção generalizada.
Não há outro caminho para a realização humana que não seja esse passo enorme da ultrapassagem do capitalismo e a construção do socialismo. E, nesta superação que se impõe, entra a ética admirável do homem e da mulher que pensam sempre no bem-estar de todos, na construção de mais trabalho, mais emprego, maior envolvimento das comunidades, das classes trabalhadoras, das populações, na conquista da felicidade a que temos direito.
Igualdade, fraternidade e liberdade de agirmos em colectivo, na individualidade de cada um de nós, na criatividade e na ética que nos fazem sentir mais humanos e mais próximos da beleza e do gosto de viver. Parecem direitos tão simples e tão próximos, e, no entanto, no sistema capitalista, na injustiça e na violência em que vivemos, na Europa e em Portugal, tudo isso tem de ser conquistado contra os governos, contra órgãos de soberania que obedecem aos interesses dos altos poderes financeiros nacionais e internacionais.
Por isso, quando pensamos em Cuba e noutros países que vão lá mais à frente, na caminhada para uma sociedade liberta da exploração do homem pelo homem, não podemos deixar de pensar em José Marti, em Fidel, em Che Guevara e em todos os que se elevaram na prática revolucionária, em todos vós, os que constroem um país que amamos e que acompanhamos na solidariedade internacionalista e na luta pela libertação dos cinco heróis presos nos Estados Unidos da América e pelo fim do campo de concentração em Guatánamo.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem não são apenas aqueles trinta artigos proclamados pelas Nações Unidas em 10 de Dezembro de1948. São todas as conquistas da humanidade que saíram do sangue e do sofrimento dos homens e das mulheres que se bateram durante séculos e todos os dias se batem pela dignidade de erguerem um mundo melhor, de justiça, de paz e de desenvolvimento igual para todos.
Por isso estamos convosco, com o povo cubano, no exemplo que nos dão e na força que, todos juntos, temos nas mãos e no cérebro para cantarmos o fim da opressão e da exploração, para elevarmos o mundo a outros destinos, de alegria e de reencontro com o que verdadeiramente somos e queremos ser, humanos, simplesmente humanos, abertos à vida e à coragem de estarmos vivos e solidários, enfrentando as dificuldades com a força e a dignidade que nos exige o tempo histórico que atravessamos.
António Modesto Navarro
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