Adilson Roberto Gonçalves
Viver em simbiose ou dicotomia entre o acesso a veículos de informação e seus espaços para leitores e críticas. Leitor assíduo e missivista contumaz, não raro me deparo com desafios e angústias de ver incorreções se tornarem permanentes. De tais experiências é que se tratam os presentes relatos e reflexões.
Começo com a revista mensal piauí – sim, escrita com minúsculas. O site diz que piauí em ucraniano é o que foi estampado na capa da edição 187, escrito da seguinte forma: пiayï. Na verdade, piauí é “rio dos piaus” ou, simplificando, “rio dos peixes”, segundo Hugo Di Domenico em seu Léxico Tupi-Português de 2008, p. 796. Em ucraniano seria рибна річка ,diferente da simples transliteração para o alfabeto cirílico feita, que também poderia representar uma alusão ao idioma russo, que não era o objetivo da edição, certo? Um ucraniano leria algo mais próximo de “beber” do que de “piauí”. A revista não publicou a carta. Quando eu avisei que não leram meus comentários piscosos, ironizaram questionando se eu estaria me referindo a peixes.
Uma vez que a “bela” edição se pautou por muita coisa importada, de guerras a ilustrações, fui conferir os cartuns de J. Carlos na Careta lá inseridos e acrescentaria que todos eles foram publicados nas capas daquela revista. A adesão das legendas aos tempos correntes revela a quase certeza histórica do binômio farsa-tragédia. Aproveitei para resgatar o interesse por matérias publicadas há mais um século, pois a revista Careta é uma das bases de pesquisa para os inéditos de Lima Barreto.
Nem todos os veículos se dignam a publicar correções, ou, quando o fazem, não dão os devidos créditos. O Correio Popular, jornal de Campinas, em fevereiro de 2022 fez uma matéria muito importante na divulgação do trabalho do grupo da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) que identifica o autismo entre adultos, mas seria necessário corrigir a pessoa que apareceu na foto junto à matéria: é o divulgador científico Bruno Moraes, citado na reportagem, não o aluno de pós-graduação Guilherme de Almeida. O jornal publicou errata no dia seguinte, sem menção a minha observação. Porém, havia outra questão, uma vez que a matéria foi baseada em outra mais extensa de Tatiana Cavalcanti publicada na Folha de S. Paulo no início daquele mês. Peixe falso beirando o plágio!
Uma coincidência é o aluno citado ser homônimo do poeta maior campineiro, exaltado neste mês de julho, dado seu nascimento em 24/7/1890 e morte em 11/7/1969, além da participação na Revolução Constitucionalista de 1932, também comemorada em 9 de julho. Lembrando sempre que Campinas é uma cidade que enaltece tal aspecto da cultura, e houve uma tentativa de trazer o maestro Julio Medaglia para reger sua Orquestra Sinfônica Municipal, com apoio de outros representantes culturais, manifestando-se na mídia e nas redes sociais. Os desejos para que houvesse também vontade política para tal feito na terra de Carlos Gomes (outro nascido em julho) não prosperaram.
Mesmo alterações e mudanças de foco culturais e históricos, amplamente noticiadas, não são prontamente acompanhadas pelos veículos. Por exemplo, caberia uma reparo na matéria de Ubiratan Brasil sobre o Musical ‘Cabaret dos Bichos’, no Caderno C do jornal O Estado de S. Paulo de 23/5. A tradução moderna do clássico de George Orwell é “A Fazenda dos Animais”, abandonando a errônea “Revolução dos Bichos”. Outro peixe pequeno, por certo.
Fazemos não apenas críticas, precisa ficar claro, pois são veículos que nos propiciam espaço para publicar, após algumas pescadas, mas poderiam dar uma chance para agradecimentos. A já consolidada revista de divulgação de livros Quatro Cinco Um fez campanha sobre a Feira do Livro na Praça Charles Miller, na capital paulistana, à qual cabem os parabéns, bem como às entrevistas dadas em outros veículos sobre o acontecimento. Gostaria apenas que soubessem que não apenas os apoiadores explícitos estão com a revista – que publica listas de contribuintes financeiros –, mas também os que a compram avulsamente todo mês pelo deleite de ir às bancas ainda existentes. Sem rios para mergulhar anzóis, a ida a tais resistentes templos torna-se uma terapia.
Mas deixando pacus e lambaris de lado, voltando à revista piauí, em três matérias daquela edição houve a indicação de se tratar de assunto envolvendo o Instituto Moreira Salles, a Agência Lupa ou a Editora Alvinegra, diretamente relacionados à revista, para ficar clara uma suposta limitação de conflito de interesses, creio que por influência direta e até então inédita do recém lançado manual de redação. Medida importante. Curioso, porém, que, no dito manual, doutor só pode ser usado como dr. para médicos e não para doutores de fato! Isso trouxe à lembrança o artigo “O que é um doutor”, publicado neste Jornal Pravda há dois anos (link: https://port.pravda.ru/sociedade/50889-doutor/). Idiossincrasias, provavelmente proporcionais ao tamanho dos peixes envolvidos.
Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador da Unesp, membro da Academia Campineira de Letras e Artes, da Academia de Letras de Lorena e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas
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