Um deputado. E a população em pânico

Um deputado. E a população em pânico

Jolivaldo Freitas

 

Claro que os PMs têm direito de expressar suas angústias. Fazer greve não, pois embora o exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade seja líquido e certo ao funcionalismo público, ela é vedada aos policiais civis, policiais militares e a todos que atuem diretamente na área de segurança pública. Não existe nenhum dispositivo na Constituição Federal que proíba expressamente os policiais de fazerem greve, mas o STF já decidiu pelo contrário. Faz tempo, que não podem. PM não pode e não deve parar. Como dito, expressar de alguma forma o descontentamento pode e deve. O que também não pode é fazer o que foi feito de supetão, jogar o barro na parede para ver se cola, usar o momento neurótico que o país atravessa igualmente em termos de segurança pública e tentar obter ganhos em negociações ou acelerar a solução dos entraves levando pânico para a população. Notadamente os moradores dos subúrbios. Os mais atemorizados. Os mais reféns da bandidagem.

Foi o que se viu desde a noite de terça-feira passada quando o deputado soldado Prisco assegurou e a mídia propalou que a PM tinha entrado em greve. Parecendo coisa de filme trash começaram a ser registradas ocorrência em Coutos, com a sanha de bandidos tentando invadir área de outros e logo às 19 horas uma morte registrada. Teve corre-corre em Periperi, Cajazeiras, na Calçada e durante o resto da noite e madrugada várias ocorrências como troca de tiros na liberdade, agência bancária depredada na Barros Reis, em Cosme de Farias dezenas de pessoas foram presas ao invadirem uma loja, agressões no Uruguai.

Com o anúncio diaristas deixaram de ganhar seu dinheiro, doentes não foram aos médicos, taxistas tiveram prejuízos, comerciantes baixaram as portas, familiares de motoristas de ônibus se estressaram, oficinas pararam, lojistas recuaram e a economia sofre e não se gera emprego, alunos ficaram em pânico e a vida da cidade que já não é fácil entrando num estado de alarme. Ninguém esquece a greve dos policiais ocorridas em 2001, a primeira da sua história, onde durante 13 dias seguidos a população ficou refém. Eu chefiava a reportagem de uma redação e lembro os telefones tocando sem cessar com a população pedindo ajuda. Lembro de um prédio sendo invadido por uma quadrilha perto do Parque da Cidade e que foi salvo por que uma equipe de TV teve o insight de dirigir os spots de luz na direção e os bandidos correram dando tiro nos repórteres que por sorte escaparam ilesos. Meu carro foi atacado defronte ao Cemitério do Campo Santo e escapei ao destino. Foram dias de saques, bandidos ostentando armas nas ruas interditadas. Amotinados com capuzes tomaram os quartéis.

No ano seguinte nova greve e foram registradas ordens para tocar terror, incendiar caminhões e ônibus. Passaram de 100 os registros de homicídios somente nos primeiros oito dias de greve dos policiais. A cidade voltou a sofrer de novo, agora. Se bastava um boato, imagine um deputado garantindo. O que pode ser caracterizado como falta de compromisso com a sociedade, inconsequência e barbaridade. O que se deve atentar, por outro lado, são as consequências de uma greve para a própria corporação. A paralisação, mesmo pacífica, configura violação administrativa, por abandono de serviço e descumprimento de ordens superiores. Ficam os policiais sujeitos às penas de advertência ou detenção. Quem participa incide no crime de deserção, motim ou revolta o que pode gerar a pena de demissão. Volto a dizer que militares precisam, sim, externar suas pretensões e buscar seus direitos. Mas, ainda lembro de PMs empunhando armas contra motoristas de ônibus e atirando para o alto, enquanto os bandidos corriam soltos atirando para todos os lados.

Escritor e jornalista. Email: [email protected]

 

Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter

Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey