É sobre o Natal, é sobre o amor, é sobre cristãos e muçulmanos
Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
1 Coríntios 13:1
A festa natalina comemora o nascimento de Jesus, filho de Deus para os cristãos, enviado a terra para salvar a humanidade e ensinar o amor ao próximo. O Papa Francisco recentemente disse que Jesus foi um refugiado, pois teve fugir levado pelos seus pais para o Egito. A história dos Profetas e Mensageiros é mercada pelo refugio, pela migração e fortemente pela devoção a Deus. O Profeta Muhammad SAAS também teve que migrar de Meca para Medina para continuar ensinando o Islam. Estamos diante de exemplos de homens escolhidos por Deus, não importa, neste momento discutir se um teve mais importância que outro na história das religiões. Importa-nos saber o que fazemos com esses exemplos, enquanto cristãos e muçulmanos. Ontem me emocionei vendo que a mesquita de Lisboa serviu um almoço de Natal e isso acontece há mais de 13 anos, gesto de solidariedade e amor com cristãos.
Francirosy Campos Barbosa[1]
Temos que nos perguntar nas datas religiosas, o que realmente estamos fazendo com a nossa fé, com o nosso comprometimento com o humano. Quantas crianças sofrem e estão sofrendo neste momento por causa da guerra, da violência doméstica, da ausência de suas mães e pais. É preciso deixar a hipocrisia do humano e rever nossos conceitos de humanidade, justiça e clamor pelo amor suscitado no Evangelho de Jesus, e na Sunnah do Profeta SAAS. Somos exemplos de cristãos e islâmicos da fé desses homens? Somos exemplos de compaixão e misericórdia?
Percebo que somos refugiados na nossa mesquinhez que todo ano vem dizer o que é certo ou errado no tempo do Natal, mas esquecemos de que fora da nossa casa há um mundo de crianças que perambulam, sofrem e não tem onde dormir. Estimasse que 85 mil crianças morreram de fome e de doenças na guerra do Iêmen, a guerra da Síria já matou mais de 1000 crianças em 2018, até 2017 já tinha morrido 17 mil crianças. De acordo com dados da UNICEF:
"Mais de 250 milhões de crianças em todo o mundo nas áreas de guerra e conflito está na necessidade de ajuda e apoio. Crianças de 87 países vivem entre 60 milhões de minas terrestres e, a cada ano, 10 milhões de crianças são vítimas da explosão destes dispositivos. Além disso, mais de 300 mil crianças como soldados operam no mundo e nesta figura, as meninas representam 40 por cento. As crianças-soldados são utilizados para jogar diferentes papéis em guerras e conflitos, incluindo colocação de minas e outros explosivos e aparelhos de espionagem; ajudar no acesso ao abastecimento e munições no serviço de cozinha e domésticos, também, eles são abusadas sexualmente".
Talvez fosse o momento de perguntar o que fazemos diante de realidades tão dispares. Muito dessa realidade está presente em nosso país, quando não damos às crianças em situação de risco as mesmas possibilidades que tem nossos filhos, sobrinhos, netos, etc. Considerar que precisamos fazer mais por nossas crianças é o primeiro passo para mudar este status quo que abala a nossa realidade brasileira tão dispare em sua realidade social. Crianças pobres, negras, da periferia sonham com o papai Noel, e nós oferecemos a eles as tais sacolinhas de Natal, com roupa, presente, etc. Mas será mesmo que é disso que essas crianças precisam? Penso que não. Isso é nossa piedade ocasional, para que possamos sentar a ceia e comer pensando: já fizemos a nossa parte.
Levante-se da mesa e comece a olhar a sua volta, pois há muito que fazer. Vivemos um mundo doente, violento, e isso incluir a quantidade de crianças que são violentadas dentro de casa. A pedofilia é um dado cruel nas famílias de "bem". Não podemos no mundo atual sentar-nos a mesa simplesmente, não enquanto, o nosso próximo, o nosso vizinho, as nossas crianças passam fome.
É preciso recordar as palavras de Jesus e de Deus:
"Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e, Amarás o teu próximo como a ti mesmo"
"... E ajudai-vos, mutuamente, na bondade e na piedade." (5:2)
Se isso não for guia para pessoas religiosas, o que seria? Qualquer festa religiosa não é para satisfação do ego, mas para comunhão, celebração daquilo que importa: ajudar que mais necessita. Se Eid Fitr (festa do desjejum) o muçulmano comemora o fato de ter conseguido fazer o seu jejum da melhor forma possível, e isso inclui o trato com as pessoas, o cuidado, o respeito. O Natal é a celebração do nascimento de Jesus, deveria se comemorar o fato de que no ano todo amamos o nosso próximo. As prescrições religiosas parecem simples, mas não são.
Quando penso no Hajj, peregrinação a Meca, que é um dos pilares da fé no Islam, que só pessoas com condições físicas e financeiras são obrigadas de realizar, o sentido de ser melhor e de errar menos vem mais forte, pois, não é possível ter vivido a experiência da peregrinação e sair da mesma maneira. Por isso, tão importante estarmos atentos ao nosso ego, as nossas ações, que podem muitas vezes levar a desunião, à violência e a falta de amor entre as pessoas.
Como podemos mudar o mundo? Talvez reconhecer nossos erros diários, nossa falta de empatia, nossa falta de discernimento e perdão. Não religioso superior ao outro, não há santos na terra, não há coração mais purificado. Nossa transformação é diária e tem que ser se quisermos dormir em paz com a nossa consciência, é nos pequenos gestos que mudamos o mundo.
Precisamos salvar o mundo, transformar o lugar em que vivemos em lugar mais justo, mais humano, para nós, e para todos como diz a música de Michel Jackson:
Heal the world
Make it a better place
For you and for me
And the entire human race
There are people dying
If you care enough for the living
Make a better place
For you and for me
Paz a todos e que 2019 seja um ano de esperança e de transformação dos nossos gestos e pensamentos.
[1] Antropóloga, Livre Docente no Departamento de Psicologia, FFCLRP/USP, coordenadora do GRACIAS - Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes. Autora do livro: Performances Islâmicas em São Paulo: entre arabescos, luas e tâmaras. São Paulo, Edições Terceira Via, 2017. Email:[email protected]
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