Aumento em flecha da população carcerária no Brasil

População carcerária do Brasil pulou de 285 mil para 548 mil em 10 anos
 
 
BRASILIA/BRASIL - A população carcerária no Brasil cresceu, nos últimos dez anos, em ritmo muito mais acelerado do que no resto do mundo: 71,2%, contra 8% da média dos demais países. Os dados foram calculados com base em duas listas, compiladas em 2003 e 2013 pelo International Centre for Prison Studies (ICPS), da Universidade de Essex, na Inglaterra.

Como resultado da explosão do sistema carcerário, o Brasil mantém hoje na cadeia 55% a mais de presos do que a média mundial, sempre considerando a taxa média por 100 mil habitantes.

Se em 2003 a média mundial era de 164 presos, o Brasil estava abaixo dela: tinha 160. Em 2013, a situação se inverteu. Enquanto a média mundial é 177, a brasileira deu um salto: 274. Em 2003, o Brasil ocupava a 73ª posição no ranking per capita dos países que mais prendem. Subiu 26 posições no relatório de 2013, ocupando hoje o 47º lugar.

Em números absolutos, a população carcerária do Brasil passou de 285 mil para 548 mil nos últimos dez anos, num ritmo muito maior do que o crescimento da população. Isso levou o país da quinta para a quarta posição no ranking mundial, atrás de EUA, China e Rússia. A Índia, que antes ocupava a quarta posição - como manteve seu índice de presos mais ou menos estável ao longo da última década -, caiu para a quinta posição.

"Compilamos o relatório há 15 anos. Mas observamos o Brasil desde 1992. Desde então, a quantidade de presos per capita do país vem crescendo exponencialmente. O relatório de 2013 é com dados de 2012, os únicos disponíveis sobre o Brasil. Estamos ansiosos para ver os números do ano passado", diz Roy Walmsley, coordenador do estudo.

A instituição recolhe com países e organizações internacionais o número absoluto de presos, da forma mais atualizada possível e nos países onde ela é disponibilizada - o que muda ao longo dos anos, devido a guerras e instabilidade política -, e calcula a população carcerária per capita.

A organização defende que o número de prisões em todo o mundo seja "melhor dosado" porque, salienta Walmsley, nem sempre "prender mais é sinal de mais justiça". Segundo o coordenador do ICPS, mostrar essa discrepância entre os países tem como objetivo ajudar políticos e especialistas a considerar onde mudanças são necessárias, "dados os custos elevados e a eficácia duvidosa do emprisionamento".

Marcos Fuchs, diretor-adjunto da Conectas (ONG de direitos humanos), e Eduardo Baker, advogado da Justiça Global, não se surpreendem com essa "explosão da população carcerária no Brasil".

"O problema do sistema carcerário no Brasil precisa ser encarado com outros olhos. Se a Lei de Execução Penal, de 1984, fosse cumprida, o país já poderia dar um grande passo: pensando em penas mais brandas para certos crimes, em penas alternativas, em trabalho e reeducação de presos. Tragédias como esta do Maranhão são recorrentes na História do Brasil, e o sistema penitenciário está associado a ela", acredita Baker, para quem "não houve vontade política em nível federal e estadual para se resolver o problema".

Baker considera importante comparar a situação brasileira com a dos EUA. Apesar de ocuparem o primeiro lugar absoluto em todos os rankings de população presidiária, os americanos vêm, de 2008 para cá, promovendo uma série de medidas para reduzir o número de pessoas encarceradas.

"Os EUA viram que aquela política de prender todo mundo não necessariamente reduziu o problema do tráfico de drogas, ou mesmo da violência, da existência de gangues. O índice de mortes sob custódia nos EUA, por exemplo, é bem alto", destaca Fuchs, que reclama da qualidade dos dados sobre o sistema.

Ele afirma, por exemplo, que os EUA não contabilizam adequadamente as mortes na cadeia, sem fazer distinção entre morte violenta e morte natural. No caso do Brasil, Fuchs diz que falta um compilamento eficaz, em nível nacional.

Baker diz ainda que qualquer debate sobre as prisões passaria tanto pela questão das penas em si como pela discussão: "o que realmente constitui um crime?".

"Os americanos estão numa ampla discussão, por exemplo, sobre a legalização da maconha, o que não acontece no Brasil. Ainda temos uma sociedade muito conservadora nesse sentido", avalia.

Os dois especialistas destacam os baixos índices de presos per capita nos países europeus, que se reduziram ou se mantiveram estável ao longo dos anos. A Alemanha, por exemplo, que tinha 98 presos por 100 mil habitantes em 2003, hoje tem 79.

Diretor-presidente da Reviver, empresa que administra nove presídios no país, Odair Conceição afirma que o maior agravante da crise no sistema é o alto índice de reincidência: 70% dos presos, após libertados, voltam para a cadeia. Conceição diz ter conseguido reduzir a reincidência para 10% em suas unidades, conciliando tratamento humanitário, estrutura adequada e medidas como educação, trabalho e reinserção:
"Cada estado brasileiro tem sua "Pedrinhas" (o presídio do Maranhão). O governante e o Judiciário precisam fazer a sua parte. Cerca de 40% da população carcerária ainda não foram julgados.

A conselheira e ex-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) Marina Dias avalia que o Judiciário brasileiro acaba chancelando a situação de falência dos presídios do país ao não propor penas alternativas à de restritiva de liberdade, ao permitir que pessoas fiquem presas esperando julgamento e ao não acompanhar da maneira correta as condições das cadeias. A advogada afirma que a Lei de Execuções Penais prevê que promotores, defensores públicos e juízes visitem regularmente as penitenciárias.

"Será que isso está sendo cumprido? Será que, se estivesse, a situação estaria assim?", questiona.

Segundo Marina, levantamento do Ministério da Justiça em 2009 revelou que 80% da população presa não conseguem pagar advogado e dependem de Justiça pública.

"Mas o normal no país é que o defensor público só tenha contato com o preso no dia da primeira audiência", critica Marina.

Na opinião dela, para acabar com a tortura nas cadeias, é preciso aprovar projeto de lei que prevê a criação da audiência de custódia, que existe em outros países e pela qual os presos têm que ter o primeiro contato com o juiz até 48 horas depois de sua detenção. Com isso, pode denunciar torturas e ter acesso rápido à Justiça.

Para Marina, há um ciclo vicioso que faz o egresso da cadeia, que não consegue se reinserir na sociedade, retornar à prisão. "A gente prende muito e prende mal", afirma. Com informações de O Globo.

ANTONIO CARLOS LACERDA é Correspondente Internacional do PRAVDA.RU

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey