A comunicação social tem-se referido com alguma regularidade ao grande projecto de renovação urbana "Ajuda-Belém", tão grande que alguns já se lhe referem como a "obra do regime" socrático. Entre as muitas intervenções destaca-se a construção de um novo e faraónico Museu dos Coches, ali paredes-meias com o Palácio de Belém, frente à estação com o mesmo nome.
O actual Museu, como se sabe o antigo "picadeiro" familiar do Palácio Real que hoje alberga a Presidência da República, será por sua vez reintegrado na sua antiga função de "picadeiro", animado turisticamente, apesar de reconhecidas limitações de espaço, por apresentações da escola equestre portuguesa, actualmente sedeada no Palácio de Queluz.
Tudo isto que custará "milhões", dizem, mas será financiado com as taxas cobradas no Casino de Lisboa (o tal negócio público/privado que levantou dúvidas mas de que não mais se falou) esperando-se que o novo "picadeiro" venha a ser uma montra do "Cavalo Lusitano" que ao que consta tem grande cotação internacional e poderá ajudar a equilibrar a nossa balança de transacções
Por estas e por outras parece que estes projectos terão pouco a ver com o Ministério da Cultura (e ainda menos com este Ministro, como é que ele se chama?) e dependem directamente do Ministério da Economia.
Demos pois de barato toda a argumentação economicista e esperemos lá pelo novo Museu, que tem já arquitecto famoso contratado e tudo e esqueçamos os velhos do Restelo, sejam eles da Museografia ou do Património, que consideram um verdadeiro atentado a destruição de um dos mais antigos e mais visitados Museus de Lisboa, indo directo ao assunto que preocupa os "arqueólogos".
É que, segundo declarações recentes do Sr. Comissário do Projecto, o ex-Bastonário dos Advogados José Miguel Júdice, as obras do Museu (julga-se que as escavações e terraplanagens ) já deveriam ter começado.
E mais não disse, mas digo eu ou qualquer observador atento. Não começaram porque nesse mesmo sítio, antigas instalações do Exército, entretanto recuperadas e adaptadas, funcionam há uma década serviços insubstituíveis do próprio Ministério da Cultura, os quais no dia de hoje ainda desconhecem qual o seu destino imediato ou futuro.
Desgraçadamente não estamos a falar de simples repartições burocráticas, mas de serviços de utilidade pública.
Entre eles a melhor e mais completa biblioteca especializada de arqueologia do país (espólio do Instituto Arqueológico Alemão, oferecido pelo Governo Alemão a quando da extinção da sua delegação arqueológica de Lisboa e cujo destino normal teria sido Madrid onde o Instituto centralizou os seus serviços Ibéricos).
Depois, o arquivo histórico da arqueologia portuguesa e, por fim, todo um conjunto de laboratórios de apoio à investigação, onde se destaca pela complexidade das respectivas infra-estruturas, o laboratório de conservação e restauro do património subaquático.
Dir-me-ão que, com boa vontade e alguns meios, rapidamente se fará a mudança dos milhares de volumes da biblioteca, dos milhares e milhares de relatórios de escavações essenciais à produção de pareceres e actualização das bases de dados do inventário patrimonial.
É certo que já não será assim tão simples despejar os enormes tanques que conservam componentes únicas de naus quinhentistas, até porque estes terão de, rapidamente, ser de novo mergulhados em meio húmido sob pena de se perderem para sempre. Tudo seria de facto simples ainda que trabalhoso e caro, se, independentemente das decisões, houvesse de facto um qualquer "plano".
Mas esta é palavra desconhecida no Palácio da Ajuda, desde que o vendaval do PRACE entrou há um ano no Ministério da Cultura e virou a casa literalmente de "pernas para o ar".
De então para cá tudo o que aconteceu, para além de uma barafunda monumental cada vez mais intrincada e sem fim à vista, foi o despedimento inesperado (ou não) de uma Ministra e a contratação de um substituto pelo qual ainda não se deu.
Por todas estas razões, está em curso entre os arqueólogos a recolha de assinaturas em defesa da Biblioteca, do Arquivo e dos laboratórios do extinto IPA (Instituto Português de Arqueologia) para mais uma "petição" a dirigir ao Ministro da Cultura (deveria ser ao da Economia?).
Estranhos tempos em que voltámos a estes métodos antigos para fazer ouvir a voz da indignação.
António Carlos Silva, Arqueólogo
Ler o original em
http://bibliotecaipa.blogspot.com/
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