Na Rússia, antes do governo do czar Pedro, o Grande, as solenidades nacionais, por exemplo, a entronização do czar, eram acompanhadas por cânticos religiosos. Às vezes, eles duravam o dia inteiro e, na realidade, faziam parte do serviço religioso. Pedro, o Grande aboliu decididamente esta tradição e introduziu a prática dos "cânticos de saudação". Eram poesias e músicas interpretadas em homenagem a um acontecimento concreto, por exemplo, em honra da vitória das tropas russas na Batalha de Poltava. A única música da época de Pedro, o Grande que pode ser comparada a um hino era a marcha marcial do Regimento Preobrajenski.
O próprio czar Pedro e os soldados do regimento gostavam desta marcha, que agradava também ao povo. Assim se formou pouco a pouco a tradição de o hino da Rússia só poder ser uma marcha enérgica, briosa e agressiva. O hino da Rússia era, na realidade (paradoxo daquela época!), o hino britânico "God Save The King" (Deus Salve o Rei) que desde o fim do século XVIII era executado nas salas do Palácio de Inverno nos actos de recepção dos monarcas europeus.
Aliás, esta música não era considerada então como hino, mas sim como uma espécie de "Internacional" de todas as casas imperiais da Europa.
Esta severa melodia não podia expressar de modo nenhum os sentimentos nacionais do país. Além disso, a música era executada sem letra.
Mas o principal era que a música inglesa expressava a veneração perante o soberano e a Rússia necessitava mais de uma melodia que pudesse conduzir os regimentos ao combate.
O papel de hino passou a ser atribuído gradualmente à obra "Glória ao Nosso Senhor em Sião" do compositor Dmitri Bortnianski. Esta canção era executada num ritmo cadenciado durante as orações das tropas e nos actos de promoção dos cadetes à patente de oficial. Ela era cantada também nas procissões religiosas e durante os funerais. Assim apareceu mais uma concepção segundo a qual o hino podia ser, em função da situação, ora uma marcha marcial ora uma marcha fúnebre.
Mas o hino britânico que glorificava o rei não tencionava ceder as suas posições. Em 1815, depois da guerra contra Napoleão e da ocupação de Paris, o imperador russo Alexandre I exigiu que música inglesa fosse acompanhada de uma letra e então o poeta Vassili Jukovski traduziu para o russo a letra do hino britânico. O imperador aprovou o texto e promulgou o decreto segundo o qual a música e a letra deviam ser executadas durante as recepções do czar.
Foi assim que a Rússia obteve o seu primeiro hino oficial, que se intitulava "Prece dos Russos".
No entanto, 17 anos depois Nicolau I decidiu mudar a música do hino e separá-lo para sempre das raízes britânicas. A criação da melodia foi confiada ao violinista, regente e compositor Aleksei Lvov. Ao compor a música em 16 compassos, Lvov encontrou-se com Jukovski que ainda era vivo na altura. E o poeta corrigiu o seu próprio texto à nova maneira.
Este novo hino nacional russo era executado em público até à Revolução de Fevereiro de 1917. Depois da queda da dinastia governante e da chegada dos bolcheviques ao poder, foi adaptada como hino a canção "Internacional". A sombria letra desta música fúnebre apela à insurreição e à destruição do velho mundo, tendo sido a primeira vez na história mundial que a palavra "morte" entrou num hino nacional:
"Ferve a nossa mente revoltada
Pronta a conduzir ao combate de morte".
Esta música violenta foi a lápide tumular da revolução mas o primeiro a notar o despropósito do clamor à morte foi Estaline. Em 1943, no auge da Segunda Guerra Mundial, quando o Exército Soviético chegou às fronteiras da Europa, o despropósito da "Internacional" era visto por todos. Foi decidido anunciar um concurso para a criação do novo hino nacional. Participaram no concurso 13 compositores, inclusive Dmitri Chostakovitch, Issaak Dunaevski, Vano Muradeli, e 14 poetas entre os quais não figuravam os futuros autores da letra Serguei Mikhalkov e El-Reguistan.
Aliás, a história do hino teve alguns elementos místicos.
Como recordava Mikhalkov, numa manhã veio à sua casa o seu amigo Gueorgui El-Reguistan, poeta e jornalista militar, que lhe anunciou logo à entrada: "Esta noite sonhei que tinha escrito contigo a letra do hino da URSS! Aliás, já compus duas linhas!".
El-Reguistan mostrou-me uma conta do cabeleireiro em cujo verso estavam escritas duas linhas: "Viva a grande e poderosa União Soviética formada pela vontade dos povos!".
Actualmente esta conta está guardada no Centro Nacional de Conservação e Estudo de Documentos da História Moderna, numa pasta que contem os documentos sobre a criação do hino.
Os amigos começaram a compor a letra do hino e - imaginem! - foram eles que venceram o concurso.
O terceiro autor da letra foi o próprio Estaline. A verdade é que os poetas só falaram com ele pelo telefone. Estaline mudou algumas palavras. Ele propôs a linha onde se diz que a "Grande Rússia" uniu os povos. Segundo recorda El-Reguistan, Estaline telefonou às duas horas da madrugada para Mikhalkov dizendo que o texto era curto e que era necessário adicionar mais uma estrofe com refrão. Nesta estrofe era necessário referir-se ao Exército Vermelho, ao seu poderio e força, e dizer que estávamos a combater o fascismo.
Foi assim que surgiu a terceira estrofe do hino:
"Formámos o nosso exército em combates,
Varreremos os vis agressores do nosso caminho.
Decidimos em combates o destino das gerações,
Cobriremos de glória a nossa Pátria".
Entre os compositores a vitória coube ao compositor e regente Aleksandr Aleksandrov. Referindo-se à música do hino, Estaline disse o seguinte: "A pujança e força desta bela obra podem ser comparadas com um couraçado que corta com a sua proa as ondas do imenso oceano!".
No entanto, dentro em breve este "navio" iria ser "atacado".
Na época de Kruschev, dirigente que denunciou o culto da personalidade de Estaline, a frase do hino "Estaline educou-nos para sermos fiéis ao povo" tornou-se inoportuna. O mesmo Mikhalkov substituiu-a pelas seguintes palavras: "E o grande Lénine iluminou a nossa via e levantou os povos para a luta pela justa causa".
Mais tarde o alvo de críticas seriam Lénine e o comunismo. A letra do hino começou a fazer lembrar o mausoléu, do qual foi retirado a princípio o corpo de Estaline, depois foi levantada a guarda de honra e, a seguir, surgiu a ideia de retirar todas as sepulturas da Praça Vermelha de Moscovo.
Na Rússia democrática o papel de hino foi desempenhado durante um certo período pela "Canção Patriótica" de Mikhail Glinka. A música era executada sem letra. Mas este hino mudo era indigno de uma grande potência. Em 2000 o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, expressou a opinião de adoptar a música do velho hino soviético de Aleksandrov.
A ideia foi bem sucedida.
A nostalgia pela grandeza da URSS e o espírito das vitórias com as quais a URSS estava relacionada na memória do povo contribuíram para a realização desta ideia. Foi aprovada uma série de leis, e a Rússia entrou no novo milénio com a águia bicéfala como armas, com a bandeira tricolor e com o hino com música de Aleksandrov e com uma nova letra de Mikhalkov que, na realidade, já escreveu a terceira variante do hino!
De acordo com os inquéritos à população, mais de 77 por cento dos cidadãos da Rússia apoiaram o restabelecimento do velho hino com a nova letra:
"Rússia, nossa pátria sagrada,
Rússia, nosso amado país.
Potente vontade, grande glória -
São a tua herança em todos os tempos!"
Refrão:
"Glória à nossa pátria livre,
Eterna união de povos irmãos,
O saber dado pelos nossos ancestrais,
Glória à pátria! Temos orgulho em ti!
A história do hino mostra-nos que ele ainda virá a ser modificado mais de uma vez. Anatoli Koroliov observador político RIA "Novosti"
Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter