Hoje, quando os ânimos em torno do "Arquipélago de Gulag" acalmaram, é muito oportuno analisar a obra de Soljenitsin, volvidos 30 anos, e definir o lugar legítimo que esta obra ocupa na história da literatura russa do século XX.
Hoje em dia, ao lado do "Arquipélago de Gulag", pode-se colocar outros dois livros documentais dedicados ao tema do terror e dos campos de concentração. Trata-se da "Imersão na Escuridão" do escritor Oleg Volkov (1900-1996) e o diário de Efrossinia Kersnovskaia (1907-1994) "Pintura Rupestre".
Se o "Arquipélago de Gulag" de Soljenitsin é como que um panorama visto de cima sobre o sistema de campos de concentração, um sumário de centenas de testemunhos documentais, o livro de Oleg Volkov é a história de uma vida, ou seja, a confissão de um representante de uma classe que começou a ser exterminada inicialmente no decorrer da revolução e acabou por ser erradicada definitivamente nos anos da violência total. Oriundo de uma família aristocrática, natural de São Petersburgo, colega de escola de Vladimir Nabokov, Oleg Volkov não aceitou a revolução. Por mais estranho que pareça, mas a não-aceitação aberta do bolchevismo salvou-lhe a vida, pois tentaram reeducá-lo, inculcar-lhe à força a supremacia do novo regime. Os seis julgamentos resultaram em 28 anos de prisão nos campos de concentração estalinistas.
Oleg Volkov suportou estoicamente todas as provações, incluindo os anos no mais terrível campo nas ilhas Solovets. Foi libertado depois da morte do ditador e viveu até aos 97 anos. Dotado de óptima saúde, boa memória e extremamente bondoso, este velho alto de cabelo grisalho e costas direitas era parecido com um santo. O seu livro trata não da simples sobrevivência do ser humano, mas da fé em Deus, da resistência de quem acredita, da manifestação da ajuda de Deus aos cristãos mesmo que estes se encontrem no fundo de um abismo negro.
No "Arquipélago de Gulag" não há qualquer misticismo, figurando em primeiro plano a política, a crítica do bolchevismo, a análise dos problemas sociais e os tormentos morais. A "Imersão na escuridão" de Volkov completa a epopeia documental de Soljenitsin com o destino da consciência religiosa russa, fundamentada pelo estoicismo, justificação dos sofrimentos impostos ao homem.
Na realidade, Oleg Volov é o contemporâneo do Job bíblico, engolido pela baleia das desgraças. Tal como Job, o escritor russo sai da escuridão, defendendo com gratidão Deus, que lhe enviou tão duras provas.
O diário de Efrossinia Kersnovskaia, talvez seja o livro mais importante desta tríade. Nele temos uma visão do "arquipélago" por dentro, note-se que é uma visão feminina. Uma jovem romena que residia em Chisinau acaba por se ver entre muitos outros num campo de concentração depois de a Bessarábia se ter tornado parte da URSS em 1941. Sem qualquer culpa, ela enfrenta voluntariamente as privações em nome do seu maximalismo, procurando provar às autoridades que tem razão. A ingénua jovem vai três vezes consecutivos ao centro de detenção, pedindo para ser envidada para a Sibéria. Enviam-na simplesmente para se ver livre dela. E depois?
Uma vez num campo de concentração na Sibéria, a alma exaltada, que pode ser comparada com Janne D Arc, começa a ajudar os desafortunados, acabando por ser o anjo da guarda para dezenas de pessoas.
O destino protege Efrossinia mesmo quando ela, devido a uma ofensa, foge do campo de concentração, percorrendo mil e quinhentos quilómetros pela taiga da Sibéria no início da Primavera, sem que seja atacada por animais, nem abatida pelo frio. Ao chegar a um caminho de ferro cai nas mãos dos tchekistas (agentes de polícia secreta) e recebe outros dez anos de prisão.
Tudo isso ela escreveu nos seus 12 cadernos grossos já depois de ter sido posta em liberdade, acompanhando a sua narração com centenas de desenhos feitos em estilo naif. A narração de Kersnovskaia é comparável pela sua força com tais obras-primas mundiais com a "Confissão" de Jean Jacques Rosseau e de Leão Tolstoi.
Todos os três livros representam uma tríade trágica sobre os sofrimentos humanos numa época de cruéis experiências sociais. Três ilhas no arquipélago da história russa. Nada se compara pela sua força com esta tríade na literatura mundial contemporânea do último século.
Anatoli Korolev observador político RIA "Novosti"
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