Já a própria colocação da pergunta marca o fim de toda uma época.
Como se sabe, após a revolução de 1917 a expropriação de palácios tinha carácter ideológico. Por exemplo, no Palácio de Inverno do imperador em São Petersburgo foi criado o Museu de Pintura e Escultura, no Kremlin de Moscovo instalou-se o Governo, os luxuosos hotéis Metropol e Natsional acabaram por ser transformadas em residências para os funcionário do Partido. Em resultado milhares de palácios e quintas da nobreza pelo país fora passaram a ser administradas pelo Estado e transformadas em hospitais, bibliotecas, lojas, armazéns e prisões.
Todas estas propriedades receberam o estatuto de monumentos históricos e culturais, sendo a sua manutenção efectuada pelo Estado.
Desmoronada a URSS, o Conselho Supremo da Federação Russa confirmou esta situação, ao aprovar o respectivo decreto de 25 de Dezembro de 1990, segundo o qual todos os monumentos de estatuto federal são declarados como património nacional, não podendo ser privatizados.
Mas durante os últimos 14 anos todos os sistemas de tutela sobre os monumentos praticamente ruíram, criando-se assim uma situação em que ninguém sabe o número exacto dos edifícios financiados pelo Estado. Os peritos presumem que são no total cerca de 180 mil as construções cadastradas e cerca de 100 mil as não cadastradas.
Em Moscovo, são cerca de 4 mil, enquanto em São Petersburgo - por volta de 7 mil.
O ministro da Cultura e Meios de Comunicação Social da Rússia, Aleksandr Sokolov, indica cerca de 90 mil monumentos históricos e culturais, dos quais apenas 13 mil se encontram mais ou menos em estado normal, estando os restantes grandemente degradados, tornando-se autênticas ruínas.
Quando o Presidente tomou a decisão de criar uma nova residência em Strelnia, costa do mar Báltico, ex-palácio Konstantinovsky, situado nos arredores de São Petersburgo, verificou-se que a propriedade estava em estado tão precário que não havia outra hipótese senão construir tudo de raiz. Cerca de 6 mil pessoas trabalharam diariamente em três turnos, tendo dentro de um ano o complexo arquitectónico sido erguido em todo seu esplendor anterior. Putin levou à prática a ideia do imperador Pedro, o Grande, construindo um canal marítimo de 8 km de comprimento a ligar o Grande Palácio com o rio Neva, recuperando o parque arruinado, levantando 16 pontes, recuperando a população de trutas e outras espécies nobres de peixe nos lagos reconstruídos, gastando milhões de dólares. Claro que o pequeno museu e a biblioteca que estavam instalados neste palácio não tinham meios suficientes para obras de tal envergadura.
Podemos dizer que este palácio teve sorte.
A primeira que ergueu a voz contra o estado vergonhoso deste local foi a governadora de São Petersburgo, Valentina Matvienko. Se a situação não for alterada, a maioria das obras-primas arquitectónicas da cidade, os palácios de Pavlovsk, de Oranienbaum e de Tsarskoe Selo perder-se-ão para sempre, alertou.
Há que tomar medidas urgentes no sentido da privatização civilizada de uma série de monumento históricos e culturais e a passagem dos restantes para o regime de arrendamento, senão tudo acabará numa enorme catástrofe, declarou a governadora em forma de ultimato em Abril do ano em curso.
O momento para o ultimato foi muito oportuno, visto que na mesa do Presidente acabavam por ser colocados os resultados de uma inspecção ao estado em que se encontram os monumentos arquitectónicos em Moscovo e São Petersburgo.
Os auditores da Câmara de Contas revelaram um vasto conjunto de problemas.
Por exemplo, O Ministério do Património Nacional da Rússia passou em 1999 para a Academia das Artes a herdade do conde Razumovsky, registada sob o N.º 1 no cadastro de monumentos culturais de estatuto federal, ao preço de 261 rublos (10 euros na altura) por metro quadrado.
Mas se tal não tivesse sido feito, a herdade teria ficado sem qualquer dono capaz de efectuar a sua manutenção.
Outro exemplo.
Nos últimos anos em Moscovo foram gastos 4,5 mil milhões de rublos (mais de 150 milhões de dólares) com a restauração de centenas de edifícios semelhantes. Um valor astronómico. Mas ao mesmo tempo, de acordo com os dados do Museu de Arquitectura, foram destruídos 60 monumentos históricos e culturais que faziam parte do património federal. Segundo os dados do Ministério da Cultura, em Moscovo deixaram de existir 200 edifícios históricos, no mínimo. A última acção bárbara: foi destruído o jardim em torno do Palácio de Pedro na capital, estando a ser construído no seu local um restaurante subterrâneo, embora a lei não proíba o arrendamento de palácios e quintas pertencentes ao Estado ou aos municípios. Note-se que as somas provenientes do arrendamento poderiam ser bastante significativas. Só na capital tal prática permite ao município arrecadar mais de 15 mil milhões de rublos por ano.
Os oponentes afirmam que os edifícios demolidos eram muito antigos e em estado mais que precário, impossíveis de serem restaurados.
Quer isso dizer que o arrendamento é uma boa saída da situação? É muito possível. Vejamos, por exemplo, o recentemente restaurado Palácio do conde Durassov em Moscovo. O palácio tem um aspecto impecável, o que não se pode dizer sobre o parque que o rodeia, onde são arrendados espaços a diversas pessoas. Literalmente a dois passos do palácio ergue-se uma horrorosa barraca coberta com chapas de metal onde funciona há 50 anos uma pista de carrinhos de choque, acompanhada por um corrossel não menos ridículo, estando o antigo parque inglês transformado em autênticos escombros. Trata-se, a propósito, de uma área restaurada, o que então pode ser dito sobre todas as restantes.
O ultimato de Matvienko e os resultados da inspecção caíram em bom solo, tendo a iniciativa sido apoiada pelo governo municipal de Moscovo, a Agência Federal da Cultura e Cinematografia, a Agência de Gestão e Exploração dos Monumentos Históricos e Culturais. Na realidade, porém, a montanha pariu um rato, pois a sessão do Governo não chegou a nenhuma conclusão, tendo a questão sobre o início da privatização sido adiada por tempo indeterminado. Verdade seja dita que o Ministério da Cultura se dignou a mandar efectuar uma inventarização detalhada de todo o património nacional.
Seja como for, um resultado positivo já existe: o Governo capitulou concordando com um facto mais que óbvio - o Estado não tem condições para custear toda a herança arquitectónica da Rússia. Sendo assim, a questão da venda a particulares de palácios, herdades e quintas do Estado cedo ou tarde será resolvida.
Anatoli Koroliov observador político RIA "Novosti"
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