Dr. Zhivago, na Rússia, hoje

Parece que por fim a Rússia terá a sua própria versão cinematográfica de "O Doutor Jivago" de Boris Pasternak. Este romance do genial escritor e poeta da URSS que não apregoa nada, senão a vida nunca foi rodado no país de Boris Pasternak. A 3 de Outubro deste ano o realizador Aleksandr Prochkin, de 64 anos, começou a filmagem da telenovela "O Doutor Jivago".

É um dos melhores romances, um extraordinário quadro da revolução e da situação da inteligentsia russa que no século XX foi arrastada para a voragem da guerra civil. Passado um ano depois da publicação desta obra no Ocidente, em 1958 Boris Pasternak foi distinguido com o Prémio Nobel de Literatura, mas sob a ameaça de ser banido da União Soviética teve que recusar-se a esta prestigiosa distinção. Só passados 30 anos a partir da data da publicação no exterior, já no auge da "perestroika", em 1988, "O Doutor Jivago" veio à luz no país. A propósito, a intelectualidade russa já estava familiarizada do romance tanto tempo proscrito por autoridades.

Em Moscovo, Leninegrado (hoje São Petersburgo) e outras cidades da Uniãoa Soviética as edições estrangeiras da obra que entravam no país por via de contrabando, passavam de mão em mão sendo uma raridade, ou circulavam em cópias. A história da contraposição dum homem indefeso ao século hostil e cruel, da criação durante a guerra devastadora, do amor misturado com o ódio: tudo isso eram temas próximos e vividos por muitos representantes da inteligentsia russa. O diário lírico de Yuri Jivago incluído na textura do romance e escrito em forma de verso era citado por muitos.. No Teatro Taganka de Moscovo, que era famoso e conhecido como foco de divulgação das ideias de liberdade e oposição ao regime soviético politizado e ideologizado tendo à frente Yuri Liubimov como encenador, ao espectáculo de "Hamlet" antecedia sempre o verso de Boris Pasternak dedicado a este protagonista shakespeariano. Esta epígrafe russa ao drama inglês não era um simples tributo a William Shakespeare, vertido para a língua russa duma forma brilhante por Boris Pasternak, mas sim uma confissão da inteligentsia crucificada pela revolução russa e o regime soviético.

Já nos anos 90 do século passado foram escritos milhares de artigos e monografias procurando descobrir o mistério seguinte: que foi o protótipo de Lara, namorada de Yuri Jivago? O filho de Boris Pasternak, Evgueni, tentou convencer os leitores que o médico e poeta do romance lendário era "o protagonista menos autobiográfico de todos quantos o pai criou". Os filósofos e críticos de arte e literatura discorriam sobre o tema "O Homem e os contratempos históricos que lhe sobrevieram".

Rendendo o devido ao talento do actor egípcio Omar Sharif que protagonizou Yuri Jivago na versão clássica do filme rodado em 1965 por David Lean, cumpre observar que para os russos a sua interpretação não foi genuinamente pasternakiana. A edição cinematográfica britânica lançada em 2002 tinha ainda menos com o romance histórico de Pasternak e resultou uma história trivial de amor empestada de mitos arcaicos sobre a Rússia.

Agora na versão russa o papel de Dr. Jivago foi confiado a Oleg Menchikov que se celebrizou com o seu filme "Extenuados pelo Sol" distinguido com o Prémio Oscar e outros prémios de significado menor e se considera um dos actores de idade média mais dotados no firmamento cinematográfico russo. Os adeptos de Boris Pasternak e os fãs de cinema respiraram com alívio e não tiveram objecções contra esta candidatura. Oleg Menchikov interpretou vários papeis de relevo tanto no teatro como no cinema, desde o tirano romano Calígula e o bailarino Vaclav Nizhinsky até um emigrante contra-revolucionário que se bateu no Exército Branco na Guerra Civil (1918-1921) e um soldado das Tropas Federais na Chechénia. Fez a sua performance nos palcos britânicos e trabalhou sob a direcção do realizador francês Regis Vernier. É imenso o leque das aptidões deste actor: toca piano, canta, dança. Organizou o seu atelier artístico e põe em cena os espectáculos que agradam ao público da capital.

O papel de Yuri Jivago calhou bem para o actor intelectual e o realizador Aleksandr Prochkin indicou-o sem hesitação. "O Doutor Jivago" é a história da inteligentsia russa que não vive de acordo com objectivos colocados, mas sim pelos sentimentos, pelo amor - diz o realizador. - Para interpretar o papel dum intelectual russo é preciso ter algo por dentro e um mistério, um enigma humano. E é justamente isso o que Oleg Menchikov tem".

Aleksandr Prochkin já tem experiência bastante sucedida na encenação e realização dos clássicos russos. Inspirado na novela de Aleksandr Puchkin "A Filha do Capitão" que narra sobre a sangrenta insurreição dos camponeses russos no século XVIII rodou o filme "Motim russo", distinguido com prémios cinematográficos relevantes. Contudo, o realizador tem mais vocação para os temas actuais e um dos seus últimos trabalhos foi o filme "Trio" (2003) sobre os agentes de milícia que resolvem simular os caminhoneiros para prender infractores, assaltantes e saqueadores nas auto-estradas.

O argumento para a versão cinematográfica russa de "O Doutor Jivago" escreveu o co-autor permanente de Aleksandr Sokurov, conhecido como líder da cinematografia intelectual, Yuri Arabov, poeta e filósofo que interpreta com audácia os episódios históricos. Basta aqui recordar o filme "Moloch" sobre o amor e o esmorecimento espiritual de Adolf Hitler, ou o filme "Touro" sobre os últimos dias da vida de Vladimir Lenine.

"O Doutor Jivago" não é senão história da alma russa - conclui Aleksandr Prochkin. - A figura de Jivago será sempre actual mesmo em tempos diferentes". Planeia-se que a rodagem vai durar até aos finais de Março próximo.

Olga Sobolevskaia RIAN

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