Aprendendo a lidar com a nova era do poder no Brasil

Aprendendo a lidar com a nova era do poder no Brasil

Marcelo Castañeda

Entre tantas pos­si­bi­li­dades para abordar em uma re­tros­pec­tiva do ano de 2019, vou me deter no ar­ranjo que nos do­minou no pri­meiro ano de go­verno Bol­so­naro. Di­fícil, por certo, falar de uma no­vi­dade, des­pre­zando os ele­mentos que con­ferem al­guma con­ti­nui­dade ao go­verno que com­pletou seu pri­meiro ano, mas acre­dito que po­demos trazer al­guns ele­mentos para re­fletir, até porque o ob­je­tivo não é es­gotar o tó­pico nas li­nhas que se­guem.

Neste sen­tido, vou des­tacar em uma pers­pec­tiva macro o que me pa­receu uma grande tra­to­rada do go­verno no es­boço de re­sis­tência que se teve, bem como chamar atenção para uma pers­pec­tiva micro que per­ma­neceu fer­vi­lhando na busca por uma in­ter­pre­tação ade­quada para o que se ins­talou a partir de ja­neiro no Pa­lácio do Pla­nalto e no Con­gresso Na­ci­onal. É a partir deste micro que cons­truo essa co­la­bo­ração, que não se pre­tende única, porque seria pre­ten­cioso de­mais.

O ponto mais im­por­tante a se des­tacar, ins­pi­rado pela lei­tura do livro da fi­ló­sofa Wendy Brown, Nas ruínas do ne­o­li­be­ra­lismo: a as­censão da po­lí­tica an­ti­de­mo­crá­tica no Oci­dente (Ed. Po­li­téia, 2019), re­mete ao ca­ráter mo­ra­lista do novo go­verno na me­dida em que pre­tende es­ta­be­lecer um pa­drão moral pró­prio e di­fe­ren­ciado em re­lação ao que se tinha até então. Por mais que o go­verno gol­pista de Temer apon­tasse nesse ca­minho, as re­formas econô­micas foram sua pri­o­ri­dade des­ta­cada. O que acon­tece é que, sob co­mando de Bol­so­naro, a di­mensão moral está em pri­meiro plano, junto com a di­mensão econô­mica em que Paulo Guedes é o co­man­dante su­premo.

Logo, não existe cor­tina de fu­maça a es­conder um grande plano, como muitos ainda acre­ditam, mas tão so­mente um plano que in­tegra a di­mensão moral e econô­mica, o que in­clui o pu­ni­ti­vismo en­car­nado no pa­la­dino da jus­tiça, Sérgio Moro, mas também a di­mensão da fa­mília e se­xu­a­li­dade com Da­mares.

Temos um go­verno que pre­tende des­truir a so­ci­e­dade cons­truída até então sob bases fra­ca­mente de­mo­crá­ticas - a des­truição am­bi­ental al­me­jada por Salles está nesse bojo - e des­man­telar a di­mensão po­lí­tica para tran­sitar para um novo au­to­ri­ta­rismo. Não é à toa que Bol­so­naro quer um par­tido para chamar de seu (Ali­ança pelo Brasil). Não se sabe se con­se­guirá, mas já ten­siona para essa di­mensão au­to­ri­tária - aqui só faz valer a tra­dição da cul­tura po­lí­tica bra­si­leira.

De um modo geral, po­demos con­si­derar que o go­verno Bol­so­naro está sendo vi­to­rioso, pois aprovou a re­forma da pre­vi­dência e en­ca­mi­nhou três novas PECs em no­vembro, que en­volvem pacto fe­de­ra­tivo, re­forma ad­mi­nis­tra­tiva e fundos pú­blicos. Se fos­semos con­si­derar apenas a di­mensão econô­mica seria vi­to­rioso. O mais da­noso, no en­tanto, é que o go­verno con­se­guiu pautar todo de­bate pú­blico em torno das pautas mo­rais, que abran­geram da fa­mília e se­xu­a­li­dade até o meio am­bi­ente, pas­sando pela edu­cação.

Mais pre­o­cu­pante foi termos, no ter­reno da re­sis­tência tão pro­pa­gada após a der­rota elei­toral da es­querda ins­ti­tu­ci­onal, poucas ma­ni­fes­ta­ções efe­tivas, que podem ser con­cen­tradas na ação de par­la­men­tares para mi­tigar danos, sem dú­vida im­por­tantes, e nos atos pela edu­cação em função do anúncio e efe­ti­vação dos cortes no final de abril.

Os atos dos dias 15 e 30 de maio pa­re­ciam trazer os germes de uma con­tes­tação que co­meçou a fazer água em uma greve geral que ga­nhou pouca adesão. Ou­tros atos foram cha­mados e acon­te­ceram sem a mesma mag­ni­tude. Cabe des­tacar a greve dos ser­vi­dores pú­blicos no Rio Grande do Sul na reta final do ano contra o pa­cote que re­es­tru­tura o fun­ci­o­na­lismo na­quele es­tado, co­man­dado pelo PSDB.

Por fim, houve uma be­né­fica pro­li­fe­ração de de­bates para in­ter­pretar a nova era; es­pe­ramos que pos­si­bi­lite re­vi­gorar a con­tes­tação e a pro­po­sição de al­ter­na­tivas ao que está se ins­ta­lando, um novo re­gime au­to­ri­tário por dentro da de­mo­cracia apo­dre­cida.

Mas se não es­pero muito da in­te­lec­tu­a­li­dade, pelos seus li­mites prá­ticos, vale deixar claro a ação per­sis­tente das fa­velas e pe­ri­fe­rias frente à ne­cro­po­lí­tica que se es­praiou em go­vernos es­ta­duais como o de São Paulo e Rio de Ja­neiro, e a di­fi­cul­dade en­con­trada por mu­lheres e jo­vens para se ar­ti­cular. São nessas frentes que eu apos­taria com maior vigor e de­li­ca­deza para não pensar que tudo está per­dido.


Mar­celo Castañeda é ci­en­tista So­cial e pro­fessor da UFRJ.
Twitter: @ce­lo­cas­ta­neda  
E-mail: ce­lo­cas­ta­neda@​gmail.​com  

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