Algum otimismo no combate ao desastre ambiental
por Gianni Carta - Carta Capital
Como sempre neste mundo globalizante, tudo não passa de uma questão de justiça. Os ricos cada vez mais ricos, enquanto 300 milhões de indianos, para citar apenas um exemplo, não têm acesso à eletricidade. Vivem com menos de 1 dólar ao dia. Como disse Hugo Chávez na conferência de Copenhague, em 2009: "Se o clima fosse um banco, vocês já o teriam salvo".
O ex-presidente venezuelano, é óbvio, referia-se à chamada "comunidade internacional", isto é, aos Estados Unidos e mais um punhado de países ricos. Luiz Inácio Lula da Silva, vale lembrar, deixou Copenhague antes do término daquela conferência.
Entrave há a caminho de um consenso na COP21 iniciada em Paris na segunda-feira 30, com prazo para debates até dia 21. Um dos maiores obstáculos é aquele precipitado pela "Justiça Climática". Desta feita, o premier indiano Narendra Modi engatilhou o debate com um artigo publicado pelo Financial Times, no qual enfoca odesequilíbrio social.
Os países ricos têm, de fato, uma "responsabilidade histórica" no aquecimento climáticomundial. Em miúdos, os ricos teriam de dar aos pobres 100 bilhões de dólares a partir de 2020. Só assim os pobres poderiam fazer uma transição em suas economias de energias baseadas em combustíveis fósseis a tecnologias renováveis, como a solar ou a eólica.
Os ricos, diz Modi, são responsáveis por 90% da emissão de gases de efeito estufa. O nível de emissão atingiu seu nível máximo em 2014 e remonta a tempos pré-industriais, causado inicialmente por combustíveis fósseis como o carvão e o petróleo, utilizados para gerar energia, e, por tabela, o progresso do Ocidente.
Em miúdos, o efeito gerou catástrofes: furacões, secas, inundações, tsunamis, e por aí vai. Segundo um estudo feito pela ONU, as tragédias climáticas mataram 600 mil pessoas nas duas últimas décadas. E 4,1 bilhões ficaram feridas ou perderam suas casas.
Dilma Rousseff, como outros líderes de países emergentes, não deixou de falar, no seu discurso, sobre "Justiça Climática". Disse Rousseff: "Os meios de implementação do novo acordo, financiamento, transferência de tecnologia e capacitação devem assegurar que todos os países tenham as condições de vida necessárias".
De todo modo, Modi foi a personagem central a defender os direitos dos países emergentes. Anunciou um investimento de 30 milhões de dólares em energia solar. Mas avisou: para crescer, a Índia precisará de carvão e outros fósseis combustíveis ainda por vários anos.
Modi, no mínimo, inquietou dirigentes de países ricos. De fato, o ministro do Exterior francês, Laurent Fabius, hábil veterano de punhos de renda a presidir a conferência COP21, esteve com o premier indiano, bem como François Hollande, em reuniões bilaterais. A Índia, terceiro país mais poluente do mundo, com 1,2 bilhão de habitantes, e vítima de grandes devastações provocadas pelo clima.
Ao contrário. A COP21, acrônimo para 21ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudança do Clima, sob os auspícios das Nações Unidas, por ora mantém uma atmosfera de algum otimismo. O acrônimo nasceu na Conferência do Rio de Janeiro, Rio 92, quando a ONU passou a supervisionar tais encontros climáticos.
Mas qual o motivo desse otimismo já na primeira semana? O Tratado de Kyoto, pedra angular na luta contra o efeito estufa, foi assinado em 1997 por 35 nações a representar apenas 12% de emissões globais de dióxido de carbono.
Desta feita, perto de 181 países participam, um número sem precedentes. Em 1997, nações como os EUA, então o país a mais poluir o mundo, e a China, que ultrapassaria os norte-americanos dez anos mais tarde, foram os grandes opositores do Protocolo de Kyoto.
Washington assinou o documento, mas o então presidente Bill Clinton preferiu não ratificar o tratado enquanto a China não limitasse suas emissões de dióxido de carbono.
A situação, pelo menos nos EUA, piorou com a eleição de George W. Bush, em 2000. Disse Bush à época: "Não ratificarei o Protocolo porque ele pode trazer danos para nossa economia, e porque há países em desenvolvimento isentos de reduções".
Tanto Clinton quanto Bush defendiam os interesses das corporações. E de si próprios: um ataque de lobbies corporativos poderia ser fatal para as carreiras deles.
Barack Obama, a despeito dos lobbies, declarou em Paris: "Tenho a esperança de estarmos a viver um momento crucial, uma virada, um momento no qual finalmente determinamos que vamos salvar nosso planeta; e tenho essa esperança porque nossas nações compartilham um senso de urgência a respeito desse desafio, e pelo fato de haver uma crescente percepção de termos o poder para fazer algo para lidar com o problema".
Enquanto Obama discursava em Paris, o Congresso, controlado pelos republicanos, arquitetava planos para derrubar as promessas do presidente. Recado dos republicanos: Obama não tem credibilidade. Já a China, maior poluidor global, passou a levar sério o assunto.
Painéis solares e turbinas eólicas pontuam o gigantesco país. The Economist apressa-se a fazer uma ressalva: talvez a China queime menos carvão nos próximos anos, "mas os chineses vão dirigir mais automóveis". Ao mesmo tempo, a Índia queimará mais carvão.
Os presentes em Paris concordam quanto à necessidade de limitar o aquecimento global 2 graus acima de níveis pré-industriais até 2100. Segundo cientistas e ecologistas, dizem que 2100 será tarde.
Ademais, em 2030, quando os acordos deixarão de vigorar assinados em Paris, países como os EUA podem voltar às velhas formas de criar energia. Além disso, a chamada "revisão quinquenal", mecanismo para verificar a transparência de eventuais signatários da COP21, é outro ponto para desentendimentos.
Na verdade, a lentidão dessas conferências deve-se à cacofonia criada pelas vozes de diferentes nacionalidades, e entendimentos são aprovados somente quando há consenso, a maioria não basta. Alega-se ser esse o processo mais "justo". Mais justo para cada país ou para o planeta?
De qualquer forma, um rascunho sobre cerca de 50 decisões deverá ser concluído até a sexta 4. No fim de semana, Fabius e seus conselheiros o examinarão. Na próxima semana, os ministros do Meio Ambiente deverão, orientados pelos seus assessores, chegar a um consenso. Ou não. Enquanto isso, sob Estado de Emergência, qualquer manifestação, mesmo de ecologistas, está proibida.
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