É uma pena o filme meio-brasileiro (feito em codireção e coprodução com a Dinamarca) Olmo e a Gaivota não estar na competição internacional, pois sua abordagem do tema da maternidade, numa visão bem feminina enriquecida de poesia e amor, teria certamente uma recompensa garantida.
Por Rui Martins, de Locarno
Concorrendo na mostra paralela Cineastas do Presente, dedicada aos novos cineastas, Olmo e a Gaivota é codirigido pela brasileira Petra Costa e pela dinamarquesa Lea Glob, um filme considerado híbrido por ficar entre o documentário e a narrativa de ficção.
Petra Costa, cujo nome foi uma homenagem dos pais à figura histórica da esquerda brasileira, Pedro Pomar, começou a fazer cinema há seis anos com o curta Olhos de Ressaca, mostrado no Festival de Gramado, e a seguir o longa Elena, em 2012, com quatro premios no Festival de Brasília onde estreou, apresentando-se a seguir em muitos festivais internacionais.
Precoce, começou a escrever para teatro aos 14 anos, seguindo-se estudo de antropologia, que ela mesmo explica: "só com teatro eu não teria muita coisa para falar, o teatro era o veículo exigia um conteúdo. E antropologia no Brasil é muito importante porque o conhecimento está na terra e no povo. E a antropologia me ajuda muito nos meus filmes, me permitindo fazer uma etnologia ou arqueologia dos sentimentos, ao que se seguiu um mestrado em psicologia".
Pormenor curioso, Petra não conhecia Lea Glob, que seria sua parceira na direção do filme. O encontro entre as duas decorreu de um convite de um festival dinamarquês de documentários, o CPH:DOX de Copenhague. Logo depois de se conhecerem com a atribuição de fazerem um filme, afinaram suas sensibilidades e elaboraram um primeiro projeto de uma investigação psicológica de uma mulher ligada ao teatro, contando os atos simples do cotidiano, tendo em vista os conhecimentos de Petra e seus contatos com o grupo do Thêatre du Soleil, que estivera no Brasil.
A evolução para um filme sobre a maternidade, ocorreu quando ao contatarem a atriz italiana Olivia Corsini, em Paris, ela lhes informou estar grávida do seu companheiro também ator do Thêatre du Soleil, o francês Serge Nicolai. O filme foi todo filmado em Paris, no bairro de Belleville, onde o casal ainda mora num apartamento alugado.
A sequência do filme nos mostra com muita sensibilidade: Olívia se preparava para uma peça teatral de Tchecov e acreditava poder trabalhar até às vésperas do parto, porém a gravidez se complicou logo do início, exigindo repouso e a impedindo de subir e descer as escadas do apartamento.
O primeiro choque foi doloroso porque precisou deixar de participar dos ensaios e da participação na estréia da peça em Nova Iorque. O filme busca captar esse clima no casal com a suspensão da carreira de Olívia que, na verdade continua, pois após o nascimento do menino, que recebeu o nome de Olmo, hoje com dois anos e com os pais em Locarno, Olívia deixou o Thêatre du Soleil por não poder assegurar uma presença diária de doze horas para repetições e apresentações, como os outros atores.
Petra conta ter feito uma pesquisa e verificado não haver filmes dedicados da maneira do filme Olmo e a Gaivota à complexidade dos sentimentos da mulher grávida, durante o crescimento de um outro ser dentro de seu corpo, e das repercussões da gravidez nas relações do casal.
"Depois do longo caminho para a mulher se afirmar como artista e como ser humano, diz Petra, a gravidez traz um novo momento, como o da atriz Olívia, obrigada a deixar tudo quanto havia conquistado no teatro para se abrir para o desconhecido, com o risco de abandono de toda uma carreira nem que seja temporariamente. Donde uma frase da personagem Arcádia, da peça de Tchecov, que Olívia ia interpretar - Acredito na minha arte e carrego essa cruz de ser artista!"
"E, Petra acrescenta, há também a questão do amor após a gravidez: existe uma relação pós-filho? O casal deixa de olhar só para si e passa a olhar para um outro com toda a adaptação necessária".
Rui Martins está em Locarno, convidado pelo Festival Internacional de Cinema.
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