Ilana Goldstein: Konstanz

A pequena e graciosa Konstanz, localizada na fronteira entre Alemanha e Suíça, é uma das atrações mais interessantes para quem vai ao sul da Alemanha ou a Zurique - a apenas 50 minutos de carro.

A localização fronteiriça garantiu à cidade seu principal charme: a arquitetura medieval em ótimo estado de conservação. Durante a Segunda Guerra, os aliados não ousaram bombardeá-la, pois não sabiam exatamente onde acabava um país e começava o outro - a cidade suíça de Kreuzlingen é praticamente colada à Konstanz. Além do conjunto arquitetônico histórico, a paisagem da região também é muito bonita: Konstanz fica às margens de um lago enorme - Lago de Constança, em português, ou Bodensee, em alemão - e é cortada pelo rio Reno.

O Lago de Constança é um dos maiores e mais profundos da Europa, com 540 Km de superfície e até 200 metros de profundidade em alguns pontos afastados das margens. A maior parte da linha costeira pertence à Alemanha (158Km), mas suas águas banham ainda a Suíça (70 km) e a Áustria (27 km). Há mais de trinta cidades em torno do lago e, no verão, há os que se aventuram a dar a volta completa no lago, de bicicleta. O lago tem o formato de um mergulhador e a cidade de Konstanz fica em uma de suas "pernas", justamente no ponto em que o rio Reno sai do lago.

O verão (de junho a agosto) é a melhor época para se visitar o local: a temperatura da água fica em torno de 21 graus, o céu se enche de balões e as águas ficam repletas de banhistas, cisnes, patos selvagens e velas. No outono, porém, (de setembro a novembro) a luminosidade torna as cores da paisagem mais contrastantes e folhas de todas as cores cobrem o chão. O inverno também tem suas vantagens: feiras de Natal com produtos criativos e comidas típicas, a romântica decoração natalina das cidades alemãs, a possibilidade de esquiar não muito longe dali e o carnaval de rua de Konstanz, tradição milenar em que todos se fantasiam - só não espere nada parecido com o carnaval do Rio de Janeiro ou de Salvador, principalmente porque na Alemanha, em fevereiro, as temperaturas estão em torno de 4 graus.

A cidade tem apenas 80 mil habitantes, dos quais 10 mil são estudantes que vêm de outras regiões para estudar na moderna universidade, cuja arquitetura arrojada, aliás, vale a pena conferir. Konstanz pode ser explorada de duas maneiras: a pé, através das ruas e ruelas do centro histórico e na margem mais próxima do lago; de bicicleta, carro ou barco, para ir mais longe, conhecer as ilhas, outras cidades medievais vizinhas, ou mesmo os Alpes.

Para o centro histórico, uma tarde basta. Pode-se andar ao léu ou seguir um roteiro com algumas explicações, distribuído no "Tourist Office" (Banhofplatz, 13). É interessante começar a visita pelo porto, onde fica um monumento em homenagem a Graff Zeppelin, o criador dos dirigíveis, que viveu na região do lago. Também no porto fica uma estátua, digamos, pitoresca: "Impéria", uma prostituta de nove metros de altura, em cimento e ferro, criada pelo escultor Peter Lenk em 1993.

A mulher provocante, de seios à mostra e formas voluptuosas, é uma homenagem ao "Concílio de Constança" - lembram-se dos livros de história? O Concílio foi uma reunião de bispos e outros funcionários do clero realizada em Konstanz, entre 1414 e 1418. O objetivo era reunificar a Igreja Católica, que naquele momento tinha três papas, um em Avignon, outro em Pisa e outro em Roma. Trinta mil funcionários da Igreja, dos mais diversos escalões, participaram do evento. Mas o que ninguém conta é que 3 mil prostitutas - 7 mil segundo outras versões - foram chamadas para prestar seus serviços aos visitantes. A "Impéria" é uma referência irônica à parte obscurecida deste evento do qual a cidade tanto se orgulha; carrega um papa e um rei nas mãos, ambos nus. A estátua gerou muita polêmica e descontentamento entre os habitantes, mas já se tornou o cartão postal de Konstanz. Quem gostar da irreverência do escultor deve procurar "the Fountain", uma fonte cheia de personagens divertidos que critica a "motorlatria" - mania de carros - da sociedade alemã. Essa segunda escultura de Peter Lenk fica numa rua que passa atrás do centro histórico, a Unterelaube, e seu tom satírico contrasta bastante com a solenidade da parte velha da cidade.

Ainda no porto, há uma casa enorme, toda enfeitada com detalhes de madeira em forma de pontas de lança. A casa, que hoje funciona como restaurante, remonta a 1348, quando servia como armazém para os produtos comercializados com a Itália. É fácil seguir do porto ao centro histórico através de uma passagem subterrânea que desemboca na Marktstäte, a praça principal.

O conjunto arquitetônico e histórico fica ao redor da catedral, que começou a ser construída no século XI. As duas portas de entrada da cidade na Idade Média ainda estão de pé. Uma é a torre que se vê à beira do Rio Reno - continuava numa ponte que hoje não existe mais. A outra fica na rua Bodanstrasse e ainda comporta o sino do século XV, que avisava da chegada de estranhos. As casas do centro histórico são, em geral, sóbrias e rústicas, no estilo pré-renascentista. Muitas das fachadas são pintadas a mão, narrando histórias sobre os antigos moradores. Algumas casas têm as janelas tortas, de tão antigas, e a maioria apresenta a data de construção estampada acima da porta; lemos "1329" ou "1424"e pensamos que nessa época o Brasil nem tinha sido descoberto...

Um dos pontos imperdíveis é a prefeitura - Rathaus em alemão -, que data do final do século XIV e parece uma casa de bonecas. Preste atenção, pois sua entrada é discreta - fica na Kanzleistrasse, que é a continuação da praça principal, a Marktstätte. Na Marktstätte, o mais interessante é um prédio alto, de sete andares, considerado um "arranha-céu" na Idade Média. Numa rua transversal à praça principal fica o "Rosgartenmuseum", que contém uma coleção de documentos, objetos e artesanato medievais. O edifício é por si só interessante. Quase em frente ao museu, encontra-se a única casa em estilo rococó de Konstanz, a "Haus zum Wolf", ou "casa do lobo", de 1774. Branca com ornamentos amarelos em forma de flores e arabescos, parece retirada diretamente de Salzburg, a capital do barroco. Seguindo-se pela mesma rua, encontra-se mais adiante a igreja mais bonita de Konstanz, a minúscula Igreja da Santa Trindade - "Dreifaltigkeitskirche" -, construída como parte de um monastério em 1268. Contém três pequenas naves e belos afrescos. A abundância de igrejas na cidade se deve ao forte papel da Igreja Católica em Konstanz, na Idade Média. O pré-reformador Jan Hus, por exemplo, foi queimado em Konstanz durante o Concílio de Constança, por ter idéias "subversivas" como considerar Cristo o chefe da Igreja Católica, questionando a supremacia do Papa.

Nem só arquitetura e história compõem o charme de Konstanz. A paisagem nos arredores também reserva pequenas surpresas. O Rio Reno, que nasce da neve derretida dos Alpes - a aproximadamente 120 km de Konstanz - atravessa 50 km por baixo do lago, sem misturar suas águas com as dele. É em Konstanz que o Reno "renasce", retoma seu leito. Da Rheinbrücke - ponte sobre o Reno - tem-se um belo panorama - de um lado o rio, cujas águas são verdes e com correnteza, do outro a vastidão do lago, calmo e mais azulado. Da ponte avista-se ainda a Seestrasse, uma rua de frente para o lago com belas fachadas em estilo "art-nouveau" e caminhos para se passear a pé ou de bicicleta.

Num dia de sorte, o turista talvez admire no horizonte, atrás do lago, os picos alpinos cobertos de neve. Mas isso se estiver num dos raros dias em que bate o vento "Föhn" - somente uns cinco dias por mês. O "Föhn" é uma massa de ar de baixa pressão que aumenta muito a visibilidade; sem ele, nada feito, nem um indício das montanhas enormes, parece mágica. A única saída para quem quer ver os Alpes assim mesmo, é ir até um pico suíço não muito distante, o "Säntis" - cerca de uma hora e meia de carro. Estaciona-se no pé da montanha e sobe-se de telecabine, para apreciar lá do alto uma vista impressionante, digna de posters. Quem chega cedo - até 9:30 da manhã - ganha um farto café da manhã suíço praticamente pelo preço da telecabine (21 francos suíços só a telecabine; 24 com café da manhã). No topo, além, do bar, restaurante e terraço panorâmico, há trilhas sinalizadas para caminhadas.

No verão, uma boa pedida são as "praias" de grama nas margens do lago - algumas gratuitas, outras que custam cerca de dois marcos com direito `a ducha - ou então nadar no Reno, numa piscina chamada Rheinbad, em que é divertido tentar vencer a correnteza. Estendidas ao sol, há mais mulheres de "top-less" do que com parte de cima do biquini e, numa "praia" mais afastada, chamada Jakobsbad, há uma zona "FKK" - Freikörpkultur, cuja tradução seria "livre cultura do corpo" - em que é proibido ficar vestido, mesmo com a mais sumária sunga.

Há duas ilhas interessantes perto de Konstanz. Num ponto em que o Reno é bem largo, fica a ilha de Reichenau, onde há plantações de vinha e uma velha igrejinha com pinturas originais do ano 1000. A outra ilha - esta no lago -, é Mainau, com uma história pitoresca: o Conde Lennart, nobre cuja fortuna dependia de seus títulos de nobreza, construiu ali uma mansão e jardins de vários quilômetros com milhares de espécies de flores, só admirados por seus convidados especiais. Porém, ao casar-se com uma plebéia, não foi perdoado pelos outros nobres e, para garantir suas rendas, resolveu abrir os jardins de Mainau à visitação pública. São nove quilômetros de canteiros com tulipas raras, orquídeas, 800 tipos de rosas, fontes, esculturas de animais feitas com plantas, etc. Chega-se de carro a ambas as ilhas, Reichenau e Mainau.

Também os passeios de barco são uma boa opção para quem está em Konstanz. São oferecidos cruzeiros pelo Reno, viagens a Lindau - belo vilarejo do outro lado do lago, já na Baviera - e um passeio particularmente próximo e interessante, a Meersburg. A travessia de balsa leva menos de 20 minutos. Quando o barco se aproxima de Meersburg, vemos nas encostas as plantações de uva com a qual são feitos o vinho e a champagne da região, muito especiais. As atrações de Meersburg são as casas antiqüíssimas, muito bem restauradas, e os dois castelos: um do século dezoito, rosado, em estilo barroco e outro todo de pedra, conhecido como um dos mais antigos da Europa - já existia no século nove.

O castelo de pedra de Meersburg pode ser visitado por dentro, onde móveis, objetos e armaduras medievais estão em exposição. Não deixe de reparar na vista sobre o lago que se tem da ponte que dá acesso ao castelo. A piscina de Meersburg é uma das melhores no verão, dá direto no lago. E seus restaurantes à beira da água, numa espécie de calçadão, são uma boa opurtunidade para provar o peixe do lago - Bodenseefisch. No verão, ficam ainda abertas à visitação as "casas lacustres", palafitas reconstituídos por arqueólogos para dar uma idéia de como os homens viviam ali na Antigüidade - de 3000 a 1500 antes de Cristo. Durante o dia, os barcos que fazem a ligação entre Konstanz e Meersburg partem a cada quinze minutos, levando carros, bicicletas e pedestres.

Dicas finais: Quando bater a sede, peça uma Radler - mistura refrescante de cerveja com limonada. Também não deixe de provar um vinho de Meersburg ou a famosa champanhe - "vinho espumante", para não contrariar os franceses - de Konstanz, seca e não muito doce, que pode ser comprada por preços bem razoáveis. Quanto à comida, além do peixe do lago e da típica e variada lingüiça alemã -"Wurst" - um prato regional gostoso e barato é o "Käsespäzle", um macarrão com muito queijo derretido, geralmente acompanhado de salada com molho de iogurte.

Há muitos restaurantes e bares em Konstanz, incluindo turcos, gregos, chineses, italianos e até um Mac Donald's. Também as possibilidades de hospedagem são bem variadas. Os dois albergues da juventude, de Konstanz e Kreuzlingen, são muito bons e os hóteis custam em média 150 dólares o casal. Para quem pode gastar mais, o Insel-Hotel, antigo monastério dominicano construído em 1235 e transformado em hotel em 1875, é interessante: fica literalmente dentro dum braço do lago, sendo ligado ao continente por uma ponte, com quartos que dão, ou para um pátio interno, ou para o lago. Para obter outras informações sobre hotéis, horários, caminhos ou passeios, consulte o "Tourist Information Office", ao lado da estação ferroviária de Konstanz, a "Banhof".

Ilana Seltzer Goldstein

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