Em junho último estive em minha terra natal, Santana do Ipanema, no sertão alagoano. Conversando com a minha mãe, que já se aproxima dos 89 anos, falei das ameaças de golpe de estado que ronda o nosso país. Ela ouviu tudo atentamente e no final perguntou:
Fernando Soares Campos
- E o que você pretende fazer, caso isso aconteça?
Respondi:
- Mamãe, se o nosso governo for golpeado e a nossa presidenta for deposta, é muito provável que alguns governos de nossos países vizinhos também sejam atingidos, sofram os mesmos ataques e, finalmente, capitulem. Eles vão tentar arrastar a Bolívia, o Equador e a Venezuela. Principalmente esses. Esse é o objetivo dos golpistas, todos a serviço do imperialismo norte-americano e europeu.
- Acho que entendi - disse ela -, mas o que eu quero saber é o que você pretende fazer se isso acontecer.
- Bem, conhecendo os canalhas que pretendem perpetrar esse golpe, e os cretinos que insuflam a população nesse sentido, se isso acontecer, creio que aqui na América do Sul só restarão alguns recantos seguros para pessoas como eu.
- E que lugares são esses?
- Antes, eu quero saber se a senhora se lembra de que, em 1966, aos 16 anos de idade, depois de já ter turistado pelo Brasil de norte a sul, eu decidi que iria me juntar aos Tupamaros no Uruguai. Isso baseado nas poucas notícias que eu tinha sobre a guerrilha por lá. Lembra-se?
- E dá pra esquecer essas coisas, aquelas tuas aventuras? Leeembro - falou assim mesmo, bem arrastado -. Você saiu com o filho do mestre Abel. Como era mesmo o nome dele?
- Arley
- Sim, era ele mesmo. Mas, se não me engano, ele voltou do Carié, dizendo que ia pegar umas coisas e deixou você lá esperando. Daquela vez, deu tempo de seu pai pegar você antes de se perder no meio do mundo, como das outras vezes. (E dizem que ela está sofrendo do tal Mal de Alzheimer.)
- Pois é, daquela vez não deu, mas agora, uns cinquenta anos depois, se o nosso governo cair por força de um golpe, só me resta refúgio seguro em territórios controlados pelas guerrilhas em atividade por aqui, perto de nós. Não adianta tentar refúgio em países europeus, mesmo contando com muitas amizades por lá.
- E ainda existem essas coisas?
- Que coisas? Refugiados de guerra?! Tem muitos, o Brasil está cheio deles.
- Não, eu tou falando disso aí... é... Como é que é mesmo?
- Guerrilha?
- Sim, ainda existe essas coisas?
- Sim, existem.
- Mas eu não vejo isso na televisão. Quer dizer, não vejo nada disso por aqui por perto. Só ouço falar que estão acontecendo coisas assim lá pros lados daquele povo... é... Como é mesmo o nome?
- Árabes, palestinos, muçulmanos... É isso que a senhora quer dizer?
- É, é isso mesmo, só ouço falar de guerra com esses aí.
- Tem outras, outros povos estão em guerra, muito mais do que a senhora imagina. Mas, para casos como o meu, acho que os mais adequados seriam os grupos que lutam aqui perto de nós.
- Mas me diga uma coisa, meu filho, você ainda tem idade pra pegar um mosquetão e sair por aí dando tiro pra tudo o quanto é lado?
- Esse é que é o problema! Nos últimos anos, nessa reta de chegada, eu me acomodei muito e perdi a maleabilidade, estou ficando mais duro do que marroque...
Ela, sorrindo, cortou:
- Marroque?! (risos) Você ainda usa certas palavras que eu já nem imaginava que ainda se usava... (mais risos).
- É verdade, gosto dessas palavras. Mas esse é o problema, estou entrevando, sedentarismo, muita acomodação...
Ficamos calados por um instante, creio que ela também parou lembrando-se de quando tinha mais habilidade física. Até que retomou a prosa.
- Ah, meu filho, acho que isso não é problema nenhum. A gente sempre encontra uma maneira de ajudar, seja lá no que for. Você sabe escrever direitinho, e essas pessoas que estão nas lutas sempre precisam de alguém que escreva cartas, bilhetes... Como nos tempos do cangaço. Os cangaceiros não sabiam escrever, sempre precisavam que alguém escrevesse cartas e bilhetes pros coronéis e pras lojas daqui de Santana, onde eles compravam as balas dos mosquetões. Você também deve saber cozinhar, desde criança que você não se aperta por causa de falta de comida, sempre ia na cozinha e fazia lá suas misturas. Eles podem precisar de gente que cozinhe.
- Cozinhar?! E a senhora acha que cozinhar é uma tarefa mais leve do que usar um fuzil?
- É verdade, cozinhar dá muito trabalho. Eu mesma não faço mais nada na cozinha
- Sim, escrever pode ser uma forma de colaborar, participar, mas o pessoal das guerrilhas de hoje está em melhores condições de se comunicar do que os cangaceiros. E as armas e munições não são mais encomendadas em lojas como O Ferrageiro.
- Mas você ainda não me disse onde é que isso está acontecendo.
Peguei a garrafa térmica sobre a mesa e servi mais café pra nós dois. Ela parecia interessada em saber onde as guerrilhas estavam se desenvolvendo. Como eu havia falado de "grupos que lutam aqui perto de nós", creio que ela deve ter-se preocupado, imaginando que estivesse ocorrendo alguma revolta popular numa das serras que circundam o nosso município.
- A senhora já esteve no Sul, certo? Acho que até atravessou a fronteira com a Argentina, não foi?
- Sim, foi quando eu fui naquela excursão com Zilda e outras pessoas daqui. Até tivemos com você lá no Rio. Disso eu me lembro.
- Lembra?! Mas dizem que a senhora está caduca! Quer dizer, com Alzheimer...
- E é?! Dizem, é?! Então eu não me lembro mais, não!
Rimos muito.
- Bem, falando sério. Ali onde a senhora esteve, ou melhor, não muito longe dali, um pouco mais pra cá, no Paraguai, tem um movimento guerrilheiro muito atuante. Dizem que está avançando, conquistando territórios. Não tenho muitas informações sobre esse. Sei que na Colômbia... - resolvi explicar melhor para que lado fica a Colômbia -. A Colômbia fica lá pros lados das terras onde Cléo nasceu...
- Cléo mãe de Fernanda?
- Sim, Cléo mãe de Fernanda, sua neta...
- Fernanda minha filha?
- Peraí, mamãe, primeiro a senhora pergunta se é Cléo mãe de Fernanda, e eu confirmei que é Fernanda sua neta, aí a senhora pergunta se é sua filha. Por que isso?...
- Ah, é porque eu criei Fernanda, e você sabe que esse é meu modo de falar. Muita gente pensa que ela é minha filha. Às vezes até eu penso (risos).
- Entendo, mas Fernanda é minha filha com Cléo.
- E é?!
- Bom, deixa como está, não vamos mexer nessa história agora, outra hora a gente fala sobre isso. Mas... como eu ia lhe dizendo, a Colômbia fica lá em cima, colada com o Brasil. E lá existem outros exércitos guerrilheiros mais bem armados e experientes do que o EPP, o Exército do Povo Paraguaio.
- Oxente! E você não falou que era tipo cangaceiro?!
- Sim, é mais ou menos isso.
- Mas você acabou de dizer que é exército!
- Sim, exército popular, tropas treinadas como qualquer tropa, soldados como qualquer soldado. Só que em condições, de certa forma, precárias...
- É, os soldados daqui também se vestiam como cangaceiros. Mas acho que era só pra enganar o povo. Sua avó corria comigo nos braços quando alguém gritava dizendo que os cangaceiros tavam entrando na cidade. Mas não era cangaceiro, era a polícia.
- Vamos fazer o seguinte. Fabio está chegando aí, outra hora a gente continua essa conversa, tá bem?
- Como você quiser, mas eu até que tou gostando do assunto.
O meu irmão Fábio chegou na copa e a gente estava tomando café. Os papos foram outros, e eu acabei voltando para o Rio e não concluí aquela prosa com a minha mãe.
Dia desses vou visitá-la novamente, aí pretendo retomar a conversa e saber de sua opinião. Afinal, será que, em caso de golpe contra o nosso atual governo, vou precisar me juntar a uma das guerrilhas que hoje combatem aqui perto de nós, ou teremos nossas próprias forças de resistência?
Até já selecionei uns vídeos para mostrar a ela.
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Guerrilheiro Socialista Agride Juíz no Paraguai
https://www.youtube.com/watch?v=XLp7z_BagR4
Força do Paraguai combate guerrilha que sequestrou filho de brasileiro
https://www.youtube.com/watch?v=nQEJ3fMiPtU
Tropas do exército do Paraguai lançam caçada ao grupo guerrilheiro que sequestrou o jovem -
https://www.youtube.com/watch?v=lgq07n43iGY
Arlan Fick y Edelio Morinigo con el EPP (video original) - Ultimahora.com
https://www.youtube.com/watch?v=njoKpeIOwUQ&feature=youtu.be
"Peço ao governo brasileiro que garanta minha vida quando a guerrilha me libertar", diz o jovem, afirmando que teme por ser testemunha de crime cometido por forças regulares do Paraguai no dia de sua captura, em 2 de abril. Depois, manda um recado aos pais dizendo que está bem.
Entrenamiento del "perro campana" del EPP - 10/06/14
Telefuturo Paraguay
https://www.youtube.com/watch?v=1IiOI19CJH0
Outra hora vou fazer uma seleção de vídeos das Farc, A gente aprende muita coisa com esses vídeos.
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