INTERAÇÕES ENTRE VEGETAÇÃO E FAUNA SILVESTRE

Desta forma, a composição da vida silvestre é alterada à medida que ocorrem mudanças na vegetação, sejam de origem natural ou antrópica, que interferem diretamente na estrutura populacional da fauna, ou seja, a estrutura da vegetação tem grande influência no hábitat das diferentes espécies e, conseqüentemente, na composição faunística do ecossistema, sendo que hábitats diferentes abrigam espécies diferentes. Este fato pode ser constatado através das alterações na diversidade e densidade dos animais, principalmente entre as espécies mais especialistas.

Um fato muito importante a ser considerado na relação entre vegetação e fauna é a sucessão ecológica, que é um processo natural caracterizado por substituições que se sucedem em um ecossistema depois de uma perturbação natural ou antrópica, até chegar a um estágio estável, de eqüilíbrio. A maior parte das florestas tropicais do mundo é constituída por vegetação secundária, ou seja, em processo de sucessão ecológica, devido ao intenso ritmo de devastação das áreas de vegetação primitiva. Os exemplos mais críticos são os ecossistemas associados da Mata Atlântica, no litoral do Brasil, e as quase extintas florestas da ilha de Madagascar, na costa da África, biomas dos mais ricos em diversidade biológica do nosso planeta, mas que infelizmente encontram-se bastante perturbados e fragmentados.

Alguns estudos realizados em comunidades de aves ao longo de uma sucessão ecológica, demonstraram que algumas espécies estão restritas ao ambiente florestal no estágio final da sucessão, e que outras são representativas do estágio inicial ou de outro estágio intermediário. Geralmente, há um aumento do número de espécies, da diversidade e da densidade de aves e de outros grupos da fauna ao longo da sucessão ecológica, mas algumas exceções ocorrem onde os valores máximos são encontrados em estágios iniciais ou intermediários, e não na floresta madura.

Em geral, a diversidade de animais aumenta durante a sucessão ecológica e atinge o máximo no clímax da vegetação. Esta regra é válida para situações em que a vegetação, ocupando uma área de extensão considerável, vem se mantendo no estágio clímax por algum tempo, ou seja, já atingiu o máximo do seu desenvolvimento e encontra-se bem preservada, sem interferência humana, como desmatamentos, simplificação do ambiente com a retirada sistemática de madeira e lenha, incêndios provocados, caça furtiva, etc. Porém, a diversidade da fauna pode atingir um máximo muito antes do clímax da vegetação. Em áreas com vários estágios sucessionais, o esperado é que a diversidade animal seja mais elevada antes que toda a área atinja o último estágio sucessional. Neste caso, quando a maior parte da vegetação se aproximar do estágio clímax, a diversidade animal tenderá a diminuir.

As características da vegetação que estão mais correlacionadas com a diversidade de aves em um determinado hábitat, são a presença de sub-bosque e a altura da floresta, que determina o número de estratos verticais. A altura da floresta proporciona uma grande quantidade de ambientes que abrigam uma diversidade de habitantes nos diferentes níveis da estratificação, do estrato herbáceo, próximo ao chão, até o estrato superior da floresta, na copa das árvores, passando pelo sub-bosque e estratos intermediários da floresta.

O aumento da complexidade estrutural da vegetação em vários níveis verticais possibilita novas formas de exploração do ambiente, e o aumento do número de espécies de aves se dá principalmente pelo aparecimento de novas guildas alimentares e pelo aumento no número de espécies das guildas já existentes.

As guildas alimentares mais importantes numa floresta tropical são a frugívora (agrupa as espécies que se alimentam basicamente de frutos, como os tucanos e araçaris), granívora (agrupa as espécies que se alimentam basicamente de sementes, como os periquitos, papagaios, araras, pombas e diversos passeriformes, como o pintassilgo, curió e canários), insetívora (agrupa as espécies que se alimentam basicamente de insetos, como as andorinhas, curiangos, joão de barro, pica-paus, bentevi e inúmeras espécies que vivem no sub-bosque da floresta), inseto-carnívora (agrupa as espécies que se alimentam de insetos e pequenos vertebrados, como as corujas e os gaviões), necrófaga (agrupa as espécies que se alimentam de animais em decomposição, como os urubus), néctar-insetívora (agrupa as espécies que se alimentam de néctar e de pequenos insetos, como os beija-flores), onívora (agrupa as espécie que se alimentam da polpa dos frutos e complementam a alimentação com insetos, capins, brotos e sementes, como as sabiás, saracuras, inhambus, saíras e os coloridos tangarás), e piscívora (agrupa as espécies que se alimentam basicamente de peixes, como as garças, socós e martins pescadores).

Alterações antrópicas sobre o ambiente natural da fauna implicam que o ambiente natural remanescente pode tornar-se pequeno demais para abrigar espécies que necessitam de grandes áreas para sobreviver. A fragmentação do ambiente natural afeta principalmente as espécies raras e de baixa densidade populacional. Os padrões de raridade de uma espécie são explicados através de vários fatores, como a história evolutiva, distribuição de espaço, estrutura genética de cada táxon e intervenção humana, ou ações antrópicas. No entanto, a composição das comunidades de aves é produto do processo evolutivo, sendo que cada espécie é dependente de determinadas características da vegetação e das interações biológicas que determinam onde ela poderá existir. A estrutura, as distâncias entre as árvores, os diferentes tipos de vegetação, assim como a disposição espacial dos elementos florestais que constituem a paisagem, determinam os padrões de movimento das aves e explicam grande parte da variação espacial no número e categorias das visitas nas árvores.

Existe uma interação muito grande entre a vegetação e a fauna, sendo que a maioria das espécies arbóreas tropicais é polinizada por animais. Os principais polinizadores são as abelhas, vespas, mariposas, borboletas, besouros, morcegos e beija-flores. Da mesma forma, a dispersão das sementes das espécies arbóreas tropicais está associada em muitos casos à interação com aves e mamíferos, ao que chamamos de zoocoria, e diversos levantamentos realizados em matas ciliares (matas adjacentes aos riachos, rios, lagos e nascentes), têm mostrado alta predominância de zoocoria das espécies.

As características do meio mais importantes variam de espécie para espécie devido às suas histórias evolutivas diferentes, pois em virtude de sua evolução, as espécies criam seus próprios ambientes. O ambiente ecológico inclui tanto fatores bióticos quanto abióticos. O clima, salinidade, tipo do solo, disponibilidade de água e outras características físicas e químicas também são importantes, assim como outras espécies também, incluindo presas, predadores, agentes patogênicos, competidores e mutualistas, são parte importante do ambiente de cada espécie. Outros membros da espécie de um indivíduo, com os quais o indivíduo pode se acasalar, competir por recursos ou interagir em vários contextos sociais, são também peças importantes de seu ambiente. Deste modo, as propriedades da população, tais como densidade, proporção sexual ou composição genética podem se impor de modo decisivo sobre as perspectivas de cada indivíduo de sobreviver e de se reproduzir.

Numa determinada área geográfica, a distribuição de cada espécie é irregular devido à variação espacial das características físicas, disponibilidade de recursos e interações com espécies competidoras, predadoras e parasitas. Espécies que possuem necessidades muito precisas, consistem geralmente de muitas populações pequenas que estão, com freqüência, amplamente separadas.

A diversidade do meio implica na diversidade de ambientes, que possibilita uma correspondente diversidade de espécies animais. Só nessas condições específicas conseguimos um equilíbrio ambiental, pois quanto mais diversificado o ambiente, menor o número de fatores limitantes. Portanto, é muito importante a preservação de grandes áreas com uma grande diversidade de ecossistemas. A troca que se efetua entre o organismo e seu meio depende primeiramente, de seu patrimônio genético e da sua adaptação ao meio, o que determina sua valência ecológica e, finalmente, sua cota na participação social.

A teoria de biogeografia de ilhas explica a relação entre o número de espécies e a área abrangida, fazendo notar que o número de espécies de uma determinada região será determinado pelo equilíbrio entre a taxa de extinção e a taxa de imigração de novas espécies para a área. Existe evidência de que as taxas de extinção são maiores em áreas pequenas, que suportam populações menores, do que as grandes áreas. Mais uma vez a importância da preservação de grandes áreas de vegetação natural.

Existem fatores complicadores na determinação do tamanho efetivo da população de animais silvestres. Estudos podem determinar que o tamanho de uma população seja N, mas se alguns desses indivíduos não se reproduzirem, a população será, na verdade, menor do ponto de vista genético. Se apenas metade dos indivíduos de uma população de N = 50 se reproduzir, a perda de heterozigosidade por geração 1/2 N será de 1/50 ao invés de 1/100. Desta forma, a população possuirá um tamanho Ne = 25. É o Ne que determina a taxa de deriva genética. Um fator que pode reduzir o tamanho efetivo da população é uma proporção sexual desbalanceada. Se, por exemplo, os machos de uma determinadas espécie protegerem haréns de fêmeas contra outros machos, os poucos machos que se reproduzirem contribuirão desproporcionalmente às gerações subseqüentes, podendo ocorrer aumento da deriva genética.

As freqüências gênicas em cada subpopulação podem flutuar ao acaso até que um alelo se fixe e a variação genética no loco seja perdida, a menos que restaurada por mutação ou imigração. Este processo, conhecido como deriva genética, acontece em qualquer população finita, sendo mais rápido nas populações de pequeno tamanho. O tamanho efetivo da população será ainda mais reduzido se as gerações sobrepuserem de modo que os descendentes possam se acasalar com seus pais ou se o tamanho da população flutuar ao longo das gerações. Normalmente é bastante difícil a obtenção de informações suficientes sobre uma população natural, como distâncias de dispersão, proporção sexual efetiva, freqüência de acasalamento através das gerações, variância no sucesso reprodutivo, para que se possa medir o tamanho efetivo da população.

A taxa de fluxo gênico influencia o tamanho efetivo da população. No entanto, estes dois parâmetros são muito difíceis de se estimar nas populações naturais, mas diversas abordagens diretas e indiretas têm sido empregadas. Algumas aves migratórias, por exemplo, apresentam fluxo gênico e tamanho efetivo menores que o seu poder de vôo poderia sugerir, porque elas retornam às vizinhanças de seus locais de nascimento.

Existem diversos modelos de fluxo gênico que correspondem às diferenças na estrutura da população, dentre os quais se incluem: modelo "continente-ilha", no qual efetivamente existe um movimento unidirecional de uma população grande, "continental", para uma menor e isolada; modelo de "ilha", no qual a migração ocorre ao acaso entre um grupo de pequenas populações; modelo de "alpondras", no qual cada população recebe migrantes somente de populações vizinhas; e modelo do "isolamento pela distância", no qual o fluxo gênico ocorre localmente entre os vizinhos, em uma população de distribuição contínua.

A maioria dos modelos considera que o fluxo gênico ocorre em uma taxa aproximadamente constante em cada geração. É importante salientar que a quantidade de deslocamento geneticamente efetivo, medido pela taxa de fluxo gênico é, com freqüência, muito menor que o movimento dos organismos, já que muitos destes não têm sucesso em se reproduzir após terem se estabelecido em outras populações. As interações, por exemplo, a territorialidade, assim como as vicissitudes físicas e biológicas, reduzem a probabilidade de acasalamento.

A taxa de fluxo gênico entre populações estabelecidas de uma mesma espécie é, com freqüência, bastante baixa e tem probabilidade de ser ainda mais baixa se os indivíduos imigrantes necessitarem competir com os residentes para sobreviver e reproduzir. Entretanto, a taxa de fluxo gênico efetivo entre populações de uma espécie pode ser consideravelmente maior do que sugere sua taxa média, se populações locais se extinguirem com freqüência e os sítios forem recolonizados por indivíduos retirados de diversas populações.

À medida que uma população recém-fundada cresce em tamanho, suas freqüências gênicas são uma mistura daquelas das populações de onde vieram os colonos e esses, por sua vez, irão contribuir para a composição genética de outras populações quando o processo se repete. Quanto mais elevada a taxa de extinção e recolonização, maior a taxa de fluxo gênico e menor a variância nas freqüências alélicas entre populações. Isto pode ter o efeito de reduzir o tamanho populacional efetivo e o nível de diversidade genética na espécie como um todo, porque o fluxo gênico age contrariamente, neste caso, à tendência da deriva genética de aumentar a diversidade genética total de uma espécie, pela fixação de diferentes alelos em diferentes populações.

É improvável que as comunidades tenham um conjunto aleatório de espécies que por acaso a invadiram. Pelo contrário, parece que as interações entre as espécies permitem que algumas combinações persistam, enquanto que algumas espécies que não se adequam são excluídas. Uma razão para a teoria de que as comunidades estão organizadas é que as faunas que se adaptaram independentemente a ambientes similares em diferentes partes do mundo parecem, algumas vezes, similares por convergência, embora isto não seja sempre verdadeiro.

Espécies aparentadas, numa mesma comunidade, parecem ser menos similares em sua utilização de recursos do que se as comunidades estivessem sido montadas ao acaso. Algumas combinações de espécies são estáveis, enquanto outras não o são, no sentido de que uma ou mais espécies serão capazes de invadir a comunidade ou se extinguirão se outra o fizer. Há evidência de que comunidades complexas, consistindo de muitas espécies, podem ser mais resistentes à invasão por outras espécies do que comunidades mais simples, com poucas espécies. Outros fatores que favorecem a estabilidade de uma comunidade são complexos e pouco compreendidos. Certamente não se trata de que o aumento da diversidade de espécies automaticamente favorece a estabilidade. Os ajustamentos evolutivos de uma espécie à outra podem, algumas vezes, favorecer a estabilidade, mas, freqüentemente, não o fazem.

Devido às interações entre a vegetação e a fauna, alguns grupos, como o das aves, constituem-se em um excelente indicador ecológico para se registrar as alterações nos ecossistemas. Ocupando diversos nichos tróficos, a diversidade de espécies varia de acordo com a capacidade do ambiente na oferta de alimentos. Ao se considerar cada espécie da fauna silvestre, deve-se conhecer bem a biologia de cada uma, pois existem espécies que apresentam baixas abundâncias naturais ou baixa conspicuidade, ou que apresentam grande variação de sua conspicuidade ao longo do ano e que, o não registro da mesma não indica a sua real ausência. O uso de espécies com estas características como indicadores de determinado fator ambiental deve ser criterioso. Quando registradas em um hábitat, podem fornecer informações importantes, mas quando não registradas, não permitem considerações seguras a respeito deste fator, a menos que sua inexistência seja realmente confirmada.

Fábio Rossano Dário Pisa - Italia

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