Um dia já fui cronista social

Um dia já fui cronista social

Sábado à noite em Gramado, a capital do turismo no Rio Grande do Sul.
Na falta do que fazer caminho pelo centro. Na frente da Igreja, naquela alameda onde estão os falsos profetas de pedra, uma multidão se acotovela.
O que acontece?

Vou me aproximando para saber. Um casamento. E de gente muita rica. Homens de terno e gravata e mulheres espremidas em vestidos longos e decotes generosos. Deve ser casamento de gente famosa,

Um sujeito de colete e calça justa organiza, no lado de fora da igreja, a fila dos padrinhos. Essa função que ele exerce deve ter um nome em francês ou inglês que eu, um inculto socialmente, não sei.
De início, por causa daquela voz em falsete que eles aprendem nos seminários e jamais esquecem, pensei que seria um padre. Talvez. O cara era autoritário, sem ser grosseiro. Uma arte, pensei eu.

Fila organizada, as madrinhas com buquês de flores nas mãos, entram na igreja. Na frente um grupo de crianças. Os meninos vestidos de adultos. As meninas com cestinhas nas mãos. São as aias que carregam as alianças, explica uma senhora (uma gorda patusca, como diria o Nelson Rodrigues) comovida, ao meu lado. Eu, do lado de fora, anotando tudo mentalmente, nessa nova função de cronista social.

Agora só falta a noiva.

Eis que ela chega, vinda da calçada da fama.

Você não sabia? Gramado tem uma calçada da fama, que nem Hollywood.

Vem numa grande camionete Hyllux, dessas com um  imenso porta mala atrás.
O sujeito ao meu lado, de mão com o namorado (novos tempos, novos hábitos) diz que camionete não combina com casamento chic.

O pai da noiva certamente queria mostrar quão rico é e cometeu essa gafe imperdoável para o meu vizinho. Realmente, a noiva tem dificuldades de descer do carro porque o estribo é muito alto. Ela finalmente desce e o sujeito aquele, cuja função deve ter um nome estrangeiro, leva a noiva e o pai para a porta da igreja.

A massa ignara aplaude. A noiva é magrinha e de longe parece bem bonitinha.
Quando penso que eles vão entrar, a porta da igreja é fechada eles ficam do lado de fora. Uma mulher explica para o marido desinteressado (o cara devia estar pensando no jogo do Inter que a mulher não deixou ele ver na televisão) que a noiva e o pai devem esperar a hora certa em que os acordes da Ave Maria são ouvidos para entrar.

Ela estava certa. Surge a Ave Maria, as portas se abrem e a noiva, com seu longo vestido branco entra na igreja. O noivo, eu não vi. Certamente estava esperando há muitas horas no altar. Deve ir se acostumando porque depois será ainda pior.

 Antes de ir embora, ouço os últimos comentários do lado de fora. Que lindo diz aquela senhora nostálgica, com lágrimas nos olhos, talvez pensando "ai se eu tivesse uma grana dessas, iria querer um casamento assim para minha filha".

Mais adiante, aquela moça moderninha, rebelde por natureza, cheia de tatuagens que enfeiam sua pele , deixa escapar um olhar de inveja por aquela noiva burguesa, provavelmente sem tatuagens, que está fazendo aquilo que ela diz abominar, mas com o que certamente está agora sonhando.

Termina aqui meu dia de cronista social.

 Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 

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