Um ajuste fiscal para cevar os banqueiros e rentistas ou o mimetismo degenerado do camaleão proletário
Na natureza, o mimetismo é um processo através do qual os animais buscam se camuflar, se adaptar, se confundir com o meio ambiente ou com outras espécies, de forma a se defender dos predadores, atacar uma presa ou agir de forma disfarçada para sobreviver.
Edmilson Costa*
Na natureza, o mimetismo é um processo através do qual os animais buscam se camuflar, se adaptar, se confundir com o meio ambiente ou com outras espécies, de forma a se defender dos predadores, atacar uma presa ou agir de forma disfarçada para sobreviver. Geralmente evoluem em termos de textura, padrão de comportamento ou coloração, visando sobreviver ou obter uma vantagem em relação aos outros animais. Se na natureza, essa tática tem alguma efetividade, na política e na economia o mimetismo é um fenômeno degenerado que transforma as organizações políticas e sociais em instrumentos inteiramente diferentes daquilo que pregavam no início de sua existência, mudam de plumagem, de programa e objetivos e levam seus militantes e simpatizantes a frustrações, acomodação, além da derrota moral e política.
Esse fenômeno serve como uma luva para a trajetória do Partido dos Trabalhadores (PT) nos últimos 20 anos e, especialmente, desde que assumiu o governo, há 12 anos. Como um camaleão proletário, exerceu seu mimetismo de maneira impressionante, ao se adaptar de tal forma ao sistema, que passou a ser um dos seus principais organismos, se não o principal, da ordem que antes dizia combater. Quando estava apenas nos governos municipais e estaduais as pessoas pouco se davam conta das transformações mimetistas que estavam se observando no interior da organização, afinal somente aqueles que viviam no local ou regionalmente podiam constatar esse fenômeno. Mesmo assim, como não se tratava de uma transformação de caráter nacional, muitos imaginavam que fosse um fenômeno específico dessa ou daquela região.
No entanto, ao chegar ao governo nacional com Lula, a grande maioria dos eleitores que votou no agora presidente-operário-metalúrgico acreditava que seria diferente, uma vez que o objetivo de chegar ao poder tinha sido concretizado e sua origem de classe garantia um selo de qualidade. As primeiras medidas duras tomadas por Lula no inicio do governo, mais duras que no governo FHC e contrárias a tudo que o PT pregara anteriormente, surpreenderam muito negativamente, mas eram justificadas como um recuou tático diante de um inimigo enfurecido e uma conjuntura desfavorável.
Assim as primeiras críticas em relação ao governo eram tratadas como típicas da pressa pequeno-burguesa, cujo imediatismo não levava em conta a paciência operária, que se afirmaria no momento certo.
No entanto, os oito anos de governo, voltados essencialmente para favorecer o grande capital nacional e internacional e recompensar os mais pobres com migalhas compensatórias como a Bolsa Família, o Prouni e o Pronatec[1], levou grande parte da militância ao apassivamento e ao desânimo. Esse fato viria a se completar com a cooptação das organizações sociais e sindicais, criadas no bojo das lutas do final dos anos 70 e início dos anos 80, que viriam a se transformar em dóceis instrumentos do governo e correia de transmissão da paz social entre as massas, fato que levou essas organizações a perderem influência junto à população, especialmente à juventude. Tanto que não tiveram nenhuma influência nas manifestações de junho de 2013 e nem nas manifestações que estão ocorrendo atualmente[2].
Mas levando em conta que o governo Lula tivesse descumprido as promessas inscritas no programa do PT, havia a esperança de que uma mudança efetiva se daria com a nova candidata, Dilma Rousseff, afinal sua biografia era impecável. Quando jovem participou de uma organização guerrilheira, foi presa, torturada brutalmente e sobreviveu com dignidade aos anos de chumbo. Portanto, poderia fazer um governo que realizasse as reformas que a militância tanto almejava. No entanto, seus primeiros quatro anos de governo foram ainda piores que os oito anos de Lula: o crescimento econômico medíocre, muito semelhante ao período de FHC (Tabelas 1); foi o pior período para a reforma agrária, aumentou a repressão e a criminalização dos movimentos sociais e não avançou em nada em relação ao governo anterior.
Produto Interno Bruto no Governo Dilma - 2011 - 2014 |
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(Variação anual) |
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2011 |
2,73 |
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2012 |
1,03 |
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2013 |
2,49 |
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2014 |
0,1* |
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Fonte: Ipeadata / * Indice estimado |
A desilusão envolveu a maioria da militância de base petista. Mas eis que chegou o período eleitoral e a situação política do Partido dos Trabalhadores se tornara muito difícil, especialmente porque uma terceira candidata, Marina Silva, uma dissidente do PT, crescera de maneira extraordinária após a morte dramática em um acidente de avião do candidato Eduardo Arraes, da qual Marina era vice. Mas uma forte desconstrução dessa candidatura nos meios de comunicação minou suas possibilidades e colocou novamente no segundo turno os tradicionais candidatos da ordem institucional brasileira: Aécio Neves, do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), e Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores.
A polarização entre as duas candidaturas e a possibilidade real da derrota de Dilma Rousseff criou um sentimento de unidade entre vários setores de esquerda e da militância de base petista, no sentido de que era necessário votar em Dilma para evitar o mal maior, que era uma vitória de Aécio Neves. Diante do perigo da derrota, Dilma radicalizou o discurso: se vestiu de vermelho nos comícios, atacou os banqueiros, prometeu defender o salário e os direitos dos trabalhadores e continuar com "mais mudanças". Numa disputa acirrada, Dilma ganhou as eleições por pequeníssima margem de votos, na qual vários partidos de esquerda e a até então desiludida militância de base tiveram um papel determinante, sem os quais a derrota teria sido certa.
Tudo levaria a crer que a agora presidente eleita Dilma Rousseff teria compreendido os sinais das ruas e da militância e agora poderia reorientar o governo de forma a contemplar aquela imensa massa de militantes que, num gesto de generosidade, garantira o seu segundo mandato. Surpreendentemente, para a grande maioria, logo após a vitória, Dilma fez um giro de 180 graus em suas promessas políticas e resolveu mudar radicalmente seu discurso político: entregou a chave do cofre ao mercado, ao nomear Joaquim Levy, para o ministério da Fazenda, um conhecido Chicago boy; a senadora Kátia Abreu para a Agricultura, defensora dos latifundiários, e Armando Monteiro, presidente da Confederação Nacional da Indústria, para o Comércio e Desenvolvimento. A partir daí começou uma escalada de medidas neoliberais, que eles chamam de ajuste fiscal e monetário, onde a cada semana o País é surpreendido com novas medidas de arrocho fiscal, monetário e confisco generalizado da renda dos trabalhadores.
Primeiras medidas do "saco de maldades"
Para entendermos o ajuste que está sendo realizado na economia brasileira, é importante ressaltar que o conjunto da política econômica do País vem sendo elaborada em função da administração da dívida pública. Como o governo não possui recursos para pagar as amortizações desse débito, então lança novos títulos no mercado de forma a rolar a dívida, aumentando seu estoque, que hoje está estimado em R$ 2,3 trilhões (U$ 920 bilhões pelo câmbio de janeiro). E quanto mais aumenta o montante da dívida, maior é o pagamento de juros. Atualmente, o governo, além de não pagar as amortizações, também não o está pagando integralmente os juros, uma vez que este serviço cresceu tanto que o superávit primário[3] não é suficiente para honrar o pagamento do seu montante. Assim, o diferencial entre juros efetivamente pagos e juros não pagos é também rolado, contribuindo para mais aumento da dívida interna, num processo semelhante a uma bola de neve. Portanto, elevar a taxa de juros significa aumentar ainda mais o lucro dos banqueiros e rentistas em geral, que juntos detém mais de 70% dos títulos da dívida.
Desde o anúncio da vitória eleitoral, o governo Dilma já aumentou por três vezes consecutivas a taxa de juros básica da economia, a SELIC, varável que remunera os títulos públicos, chancelando as chantagens do mercado, que alardeava nos meios de comunicação a iminente volta da inflação, exatamente para que o governo aumentasse os juros. Como se sabe, cada ponto percentual de aumento na taxa SELIC significa um acréscimo de cerca de R$ 25 bilhões nos pagamentos de juros da dívida interna (U$ 10 bilhões pela taxa de câmbio de janeiro), montante que vai impactar ainda mais nos gastos públicos, uma vez que os juros são pagos com os recursos do orçamento.
Desde que o novo ministro assumiu a pasta da Fazenda, dois pacotes ortodoxos já foram anunciados, além de outras medidas tomadas por decreto, medidas provisórias ou vetos presidenciais. Todas essas medidas têm o objetivo de cortar gastos e direitos dos trabalhadores e aposentados, de forma a que o governo possa atingir a meta de superávit fiscal de 1,2% do Produto Interno Bruto, ou cerca de R$ 66 bilhões. Como existe um passivo de mais R$ 20 bilhões de débitos do ano passado colocados como contas a pagar neste ano, o ajuste deverá atingir R$ 86 bilhões, recursos que na prática serão confiscados dos trabalhadores e da grande maioria da população pobre.
No primeiro pacote, o governo atingiu diretamente o seguro desemprego e exatamente a parcela de trabalhadores mais frágil, justamente aquela que, em função da demissão, está mais desamparada. Anteriormente, todos os desempregados, após seis meses de trabalho, tinham direito ao seguro-desemprego. Pelas novas regras, só terão direito a este benefício os assalariados que trabalharam consecutivamente por no mínimo 18 meses. Para se ter uma ideia do alcance dessa medida, basta dizer que cerca de 60% dos demitidos não terão direito ao seguro-desemprego. Entre os mais jovens, a medida deixará de fora cerca de 78% dos dispensados. Pesquisa realizada na Universidade de Brasília e divulgada pelo jornal Valor Econômico comprova esse dado: entre janeiro e novembro de 2014, dos 10,8 milhões de dispensados sem justa causa, 64% tinham menos de 1,6 meses de trabalho[4].
O mesmo pacote dificultou o direito de recebimento de pensão por morte, aumentando para 24 meses o prazo de contribuição ao INSS, além de exigir um tempo mínimo de dois anos de casamento ou união estável, para se ter direito ao benefício. Esse pagamento agora deverá variar de acordo com o número de filhos e idade do cônjuge; restringiu o recebimento do abono salarial para os 23 milhões trabalhadores que ganham até dois salários mínimos, que agora o receberão de acordo com o tempo trabalhado; o auxílio-doença só será pago após 30 dias de afastamento do trabalhador; e dificultou ainda o pagamento aos 600 mil pescadores nos períodos de proibição da pesca, quando os peixes estão desovando. Além dessas medidas, já tinham sido reajustados os preços das passagens, da energia elétrica, da gasolina e dos telefones.
Uma semana depois, o governo lançou novo pacote de medidas ortodoxas, com aumento de impostos de combustíveis e importação, além de encarecimento do crédito direto ao consumidor. A partir de agora, o imposto sobre operações financeiras passará de 1,5% para 3% para todos os consumidores; os impostos sobre gasolina e óleo diesel também aumentarão, bem como os produtos de importação. No início do ano, foi aumentado o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos automóveis e também aumentou a taxa de juros para financiamento da casa própria. Além disso, a presidente Dilma vetou a correção de 6,5% do Imposto de Renda (IR) que tinha sido aprovada pelo Congresso, o que significa um confisco de R$ 7 bilhões aos trabalhadores. Nessa empreitada Dilma não está só: desde 1966, quando as faixas do imposto de renda deixaram de ser indexadas à variação do nível de preços, a inflação subiu 226%, enquanto a tabela do IR foi corrigida em apenas 99%.
Para completar o "saco de maldades" do segundo governo Dilma, a presidente anunciou que iria colocar parte expressiva do patrimônio da Caixa Econômica Federal na Bolsa de Valores, o que na prática significa privatizar parcela importante da Caixa Econômica Federal (CEF). Ressalte-se que a CEF é uma empresa de controle 100% estatal, ao contrário do Banco do Brasil ou da Petrobrás, que têm ações na Bolsa brasileira e de Nova York e parte de seu patrimônio está em mãos privadas. Caso essa medida seja efetivamente realizada, poderá representar o fim da Caixa Econômica como banco público, gerador de políticas sociais, e sua transformação em instituição gerida pela lógica privada. Além disso, o governo também aprovou a lei que permite o controle dos hospitais pelo capital estrangeiro.
Mas para quem imagina que as medidas ortodoxas irão parar por aí, está bastante enganado. Dia piores virão, pois os fundamentalistas neoliberais, tal como fanáticos sofisticados, irão prosseguir sua "sanha saneadora", ou marcha em direção ao abismo, buscando sugar até onde for possível os recursos da economia. Basta ler as declarações do chefe do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, Alejandro Werner, para compreendermos o que estar por vir. Impávido, esse senhor afirmou recentemente que as medidas tomadas pelo governo estão no caminho certo, mas há que ser feito ainda mais tanto no lado fiscal quanto na infraestrutura. Ou seja, os abutres financeiros nunca estão satisfeitos e querem sempre mais! E como o governo capitulou completamente à terapia de choque neoliberal, teremos uma conjuntura bastante adversa nos próximos anos, isso se a população não se levantar e resolver dar um basta à sangria neoliberal.
Um cenário montado para aumentar os juros
Qual a conjuntura em que essas medidas foram anunciadas e quais os argumentos que os fundamentalistas utilizam para justificar a sua política ortodoxa? O cenário para a implementação plena das políticas neoliberais que culminaram com as chamadas medidas de austeridade do novo governo Dilma já vinha sendo articulado pelo mercado financeiro desde o começo do ano passado. As notícias exageradas sobre a escalada da inflação e o não cumprimento das metas inflacionárias; as denúncias sobre os gastos excessivos do governo, o descontrole fiscal e a redução do superávit primário; além do debate sobre o intervencionismo estatal, a independência do Banco Central e o baixo crescimento econômico faziam parte de uma estratégia bem coordenada das chamadas forças do mercado, reproduzida amplamente pelos meios de comunicação, hoje os principais porta-vozes dos fundamentalistas do capital rentista, para chantagear o governo e alcançar seus interesses - aumento dos juros da dívida pública e uma política ortodoxa para reduzir os direitos e garantias dos trabalhadores.
Vale lembrar que as classes dominantes brasileiras e, especialmente os banqueiros e rentistas em geral, já ganharam rios de dinheiro com os juros da dívida interna nos governos Lula e Dilma.[5] Mas os rentistas ainda não estavam satisfeitos: era necessário extorquir mais os trabalhadores e avançar sobre os direitos e garantias duramente conquistados no passado. Portanto, a decisão do governo Dilma de chamar o banqueiro Joaquim Levy para o ministério da Fazenda apenas complementa uma trajetória que já vinha sendo realizada desde o início do governo do Partido dos Trabalhadores, em 2002. Vale lembrar que nesses 12 anos de governo, o PT manteve intacto o núcleo duro da política macroeconômica neoliberal, como o superávit primário, as metas de inflação, a independência do Banco Central e o câmbio flutuante.
No entanto, mesmo com total carta branca para executar o "saco de maldades", é necessário um conjunto de argumentos para justificar o ajuste fiscal e monetário, afinal é recomendável neutralizar o descontentamento da opinião pública, especialmente num momento em que o País está à beira de um ataque de nervos, em função do transporte caótico, da saúde precária, dos baixos salários, da falta de água nas grandes metrópoles e da volta das manifestações de rua. Antes de tudo, a mídia procura apresentar o ajuste como uma necessidade técnica para resgatar os fundamentos da economia, despertar o "espírito animal" dos empresários para realizar investimentos e, posteriormente, retomar o crescimento econômico. Caso não seja feito esse dever de casa, a perspectiva será o caos: a retomada da inflação, o descontrole das contas públicas, a recessão, o desemprego, além do espantalho da perda do grau de investimento, sem o qual haveria uma fuga do capital estrangeiro e a perda da credibilidade do governo junto ao mercado internacional.
Em termos mais técnicos, os fundamentalistas ortodoxos partem do princípio de que a crise e os problemas da economia (o desequilíbrio interno, como costumam dizer) são resultado do fato de que o governo está gastando exageradamente, muito acima das receitas fiscais, o que é a fonte da inflação e do déficit público, uma vez que há mais dinheiro na economia do que a produção de bens e serviços. Para financiar esse déficit, o governo se endivida junto ao setor privado e aos agentes econômicos em geral, mediante a venda de títulos públicos, com prazo determinado de resgate e pagamento de juros nesse período, gerando assim a dívida interna que tende a aumentar à medida em que o governo continua gastando mais do arrecada. Como o déficit público leva ao aumento da inflação, o Banco Central é obrigado a elevar a taxa de juros para controlar o processo inflacionário. Em outras palavras, a confluência de déficit público, inflação e elevação dos juros levam ao aumento permanente da dívida interna - os gastos do governo seriam, portanto, os responsáveis por todos os problemas da economia.
Em função dessas premissas, eles argumentam que é necessário o ajuste fiscal e monetário para colocar a casa em ordem. Quanto mais rápido e duro for ajuste, também mais rapidamente se resgatará o equilíbrio da economia e a credibilidade das autoridades públicas junto ao mercado, abrindo espaço para o crescimento sustentado. É bem verdade que no curto prazo as medidas serão dolorosas, pois envolverão corte nos gastos públicos, especialmente nos gastos sociais, e aperto monetário, como a redução e encarecimento do crédito ao consumidor, além da queda no crescimento da economia e aumento do desemprego, mas esses sacrifícios serão passageiros e razoáveis diante de um futuro alvissareiro para todos. Portanto, vale a pena apertar os cintos, pois assim conquistaremos o melhor dos mundos graças aos pastores neoliberais que viabilizarão uma conjuntura de pão e mel para todos no longo prazo.
As justificativas teóricas neoliberais
As justificativas teóricas para a implementação de medidas ortodoxas estão baseadas nos velhos dogmas de automatismo regulador do mercado e no equilíbrio geral, a partir dos quais, deixando-se o mercado funcionar sem a interferência do Estado, ele levará ao ponto de equilíbrio todas as variáveis econômicas. Com sua mão invisível, o mercado tem a capacidade de harmonizar os interesses de todos os agentes econômicos[6]. Por exemplo, os preços chegarão ao equilíbrio se funcionar a lei da oferta e da demanda; os juros também estarão em equilíbrio em função da relação entre poupança e investimento; o emprego se manterá pleno se os trabalhadores aceitarem o salário de equilíbrio, o que significa dizer que só existe desemprego porque os trabalhadores não querem reduzir os salários; o câmbio flutuante se encarregará de encontrar a taxa de equilíbrio entre a entrada e a saída de dólares e, portanto, levará ao equilíbrio o comércio exterior; e assim por diante... Nessa conjuntura é fundamental um Estado mínimo, que cuide apenas da defesa do País e da proteção dos contratos, o resto o mercado se encarregará de ajustar automaticamente.
A partir dos anos 60 e, especialmente nos anos 70 e 80, essa teoria foi desenvolvida e aperfeiçoada para aplicação na economia real contemporânea, mediante aquilo que se convencionou a chamar de expectativas racionais. Esse espaço é pequeno para desenvolver essa teoria em profundidade, mas em linhas gerais os teóricos dessa linha de pensamento afirmam que os agentes econômicos em geral tomam suas decisões a partir de sua experiência, das informações que possuem, aliadas às expectativas futuras[7]. Com esse conjunto de informações buscam maximizar suas utilidades, ou seja, optar por aquilo que for mais útil para seus interesses. Por exemplo, os consumidores, diante da conivência do governo com a inflação e da perspectiva de escalada inflacionária, procurarão se antecipar a esse processo e realizar as compras para se defender da adversidade no futuro. Os empresários, por sua vez, também procurarão embutir nos preços dos bens e serviços a expectativa de inflação futura, caso não queira ter prejuízo. Numa conjuntura dessa ordem, serão infrutíferas as tentativas do governo no sentido de influenciar a produção e o emprego mediante as políticas fiscal e monetária. Aí então o Banco Central ganha um papel de relevância no sentido de coordenar as expectativas, reduzindo ou aumentando as taxas de juros para deixar a inflação no centro da meta. Por isso, a importância da independência do Banco Central.
Esse arcabouço teórico compõe o que os economistas ortodoxos denominam de tripé macroeconômico: metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante, com independência do Banco Central para coordenar as expectativas. As metas de inflação significam um instrumento pelo qual as autoridades econômicas definem um índice de inflação anual e se comprometem institucionalmente com essa meta, de forma a manter a economia estável e dar horizonte de cálculo para os agentes econômicos poderem investir. Uma das condições para que esse mecanismo funcione é o Banco Central ter plena autonomia para resistir a pressões fiscais, políticas e institucionais que contrariem os objetivos da meta, de forma a que possa alcançar os objetivos da estabilidade.
O superávit primário significa o esforço realizado pelo governo, ao longo do ano, no sentido de economizar recursos fiscais para pagar a dívida. Quanto maior o superávit, melhores condições terá o governo de honrar os juros e amortizações contratados com os detentores de títulos. Um grande superávit primário significa que o governo é um bom pagador e que o País é um local vantajoso para se investir nos papéis governamentais. O superávit primário pode ser conseguido tanto pelo aumento de impostos, através dos quais o governo aumenta suas receitas, quanto pelo corte de gastos, mecanismo que também permite ao governo reservas financeiras para pagar o serviço da dívida. Os ortodoxos geralmente aconselham seguir o segundo caminho. Quanto mais desorganizada for a sociedade, mais fácil será a implementação dessas medidas.
O câmbio flutuante é a terceira variável-mestra da ortodoxia neoliberal. Câmbio flutuante significa dizer que a entrada e saída de dólares será regulada pelo mercado. Quando ocorrer a entrada no País de uma quantidade de dólares maior que suas necessidades, o preço do dólar tende a cair e a moeda local se valoriza. Quando a quantidade de dólares que estiver entrando no País for menor que suas necessidades, teremos escassez dessa moeda e os preços tendem a subir. Quanto a entrada de dólares e as necessidades do País estiverem em simetria, teremos então o preço de equilíbrio do dólar. Acontece que o dólar é um preço fundamental para a economia, pois influencia o comércio exterior (a moeda nacional valorizada reduz as exportações e estimula as importações e o turismo de brasileiros no exterior) e, dependendo do nível de importação de matérias-primas e bens em geral, pode contribuir para o aumento ou redução da inflação.
Desmontando os argumentos falaciosos
Apesar de sua aparência técnica, muitas vezes recheada por equações matemáticas para tornar elegantes os argumentos e constranger os menos iniciados no economês, esses postulados neoliberais representam uma enorme inconsistência teórica, além de expressar uma pobreza de argumentos típicos da economia política vulgar. Em termos populares, podemos dizer que têm a profundidade de um pires e a consistência de uma gelatina. Na verdade, todo o arcabouço da teoria neoliberal guarda relação estreita com a degeneração ideológica do capitalismo contemporâneo, pois nesses tempos de apodrecimento do sistema, em que o capital não tem mais nada a oferecer aos trabalhadores, os teóricos capitalistas também já não possuem fundamentos sólidos para defender o sistema.
Não possuem, como no passado, defensores da estatura de Smith e Ricardo, que fundamentavam suas teorias com base no real e muitas de suas descobertas foram incorporadas e desenvolvidas pelo marxismo. Ou pensadores como Say ou Marshall. Nem mesmo um Schumpeter ou Keynes que, mesmo defensores do sistema, identificavam sua instabilidade e problemas. Agora não, tudo se reduz ao dogma do mercado e do equilíbrio geral, adicionados de banalidades mais para o terreno da psicologia do que para a economia. São teóricos capitalistas de segunda mão, quase uma plêiade de místicos que buscam defender seus argumentos apelando para o senso comum, para os sofismas, para a psicologia, para os argumentos rasteiros, muitas vezes com embalagem sofisticada e, especialmente, para a manipulação dos meios de comunicação de massas, sem os quais não sobreviveriam. Na verdade, seus argumentos representam pura e simplesmente uma armadilha para aprisionar governos e povos nas malhas do capital financeiro e tem como objetivo enriquecer ainda mais o grande capital, banqueiros e rentistas em geral.
Vejamos a inconsistência dos argumentos mais gerais e depois daqueles mais específicos. Antes de tudo, o equilíbrio geral da economia: esse é um dogma que não se sustenta em nenhum momento na economia de um País, de um Estado ou de uma cidade. Pelo contrário, a economia está sempre em desequilíbrio e até mesmo Keynes já tinha constatado na década de 30 que o sistema capitalista é estruturalmente instável. Basta dar uma olhada nos ciclos econômicos que ocorrem desde os primórdios do capitalismo para se constatar esse dado da realidade, além das três grandes depressões do sistema: 1873-1896; 1929-1945; e agora 2008 - ?. Da mesma forma que os cristãos acreditam que Cristo nasceu por obra e graça do Espírito Santo, os fundamentalistas ortodoxos também creem que se deixar tudo por conta do mercado se encontrará o equilíbrio geral da economia.
O próprio poder mítico do mercado é outro mantra cegamente cultivado. Eles afirmam, seguindo uma tradição desde os tempos de Smith, que o mercado é capaz de harmonizar os interesses de todos os agentes econômicos. O livre mercado, na visão ortodoxa, é o local onde produtores e consumidores, com interesses divergentes, se encontram para realizar atos de compra e venda - os consumidores querem comprar pelo menor preço, enquanto os produtores querem vender pelo preço máximo. Com sua mão invisível, tal qual um demiurgo justiceiro, o mercado se encarregaria de encontrar um preço de equilíbrio. Esse é um dogma que na prática não possui aderência ao mundo real. Se assemelha a uma miragem que os viajantes perdidos no deserto costumam observar. Num mundo onde oligopólios e monopólios dominam tanto o processo de produção quanto de distribuição de bens e serviços e, portanto, têm a capacidade de formar os preços da economia, acreditar no livre mercado é ter a mesma convicção dos romeiros, que acreditam piamente na santíssima trindade.
E o que se esconde, na prática, por trás do tripé macroeconômico fundamentalista - metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante? Uma feroz ofensiva contra salários, direitos e garantias dos trabalhadores e aposentados. Senão vejamos. A matriz teórica desses fundamentalistas inverte completamente os objetivos da política macroeconômica, que é a busca do crescimento, do aumento do emprego, da renda e do consumo, e transforma a estabilidade monetária no objetivo central da política econômica, aliada à redução do papel do Estado e à desregulamentação da economia, derivando desse quadro de referência todas as outras variáveis econômicas e sociais[8]. A partir desses pressupostos, abandona-se o planejamento, a política industrial, a política de rendas - tudo gira em torno das metas inflação, contas equilibradas e câmbio flutuante. Nesse contexto, o Banco Central independente passa ter um papel determinante para coordenar as expectativas, definir as taxas de juros e regular a taxa de câmbio, enquanto o Ministério da Fazenda cuida do ajuste fiscal. Estão assim montadas as bases para colocar o conjunto da economia a serviço dos banqueiros e rentistas.
O regime de metas de inflação começou a ser utilizado no Brasil a partir de junho1999, em função da crise cambial e do fracasso do Plano Real. A partir daí o Banco Central passou a ter independência operacional para conduzir a política monetária, de forma a atingir a meta inflacionária. Os argumento para a implementação das metas de inflação buscam enfatizar que este mecanismo reduz as incertezas e imprevisibilidades, sendo condição fundamental para que os agentes econômicos atuem num ambiente de estabilidade e transparência garantida institucionalmente e, dessa forma, possam exercer melhor suas atividades. Se obteria assim um ambiente de baixa inflação, condição fundamental para a retomada do crescimento econômico.
Como o objetivo central da política econômica é a estabilidade dos preços, o mecanismo básico para alcançar essa meta é o desaquecimento da demanda, via aumento dos juros e contração do crédito. Se observarmos o Brasil, poderemos constatar que foram raros os anos em que a inflação atingiu a meta, além do fato de que desde a década de 90 o crescimento econômico tem sido medíocre, salvo alguns anos do segundo governo Lula. Enquanto países como a China e Índia, que não utilizam a política de metas de inflação, conseguiram elevado crescimento econômico com inflação baixa. Portanto, as metas de inflação significam apenas uma camisa de força para organizar a transferência de renda do setor público e dos trabalhadores para os setores ligados ao mercado financeiro.
Isso pode ser melhor verificado se observamos o segundo dogma neoliberal, que é o superávit primário. Como vimos, superávit primário é a economia que o governo faz, cortando gastos, para pagar os juros da dívida pública. Quanto maior o superávit primário, maior será a quantia transferida para os detentores dos títulos da dívida. Se observarmos o ajuste fiscal que o governo vem realizando, veremos que foram realizados cortes no seguro-desemprego, aposentadorias, aumento de juros no crédito ao consumidor e aumento de impostos, medidas com as quais o governo espera economizar R$ 20 bilhões. No entanto, essa política neoliberal é tão irracional que se atentarmos para o fato de que somente o aumento de 1,25% ponto percentual na taxa de juros, ocorrida após a segunda eleição de Dilma, significou um aumento de R$ 25 bilhões no pagamento de juros da dívida pública.
Na verdade, a economia brasileira vem sendo administrada em função dessa dívida e esse tem sido o principal entrave para o desenvolvimento econômico. Trata-se de uma sangria de recursos que somente no governo Dilma atingiu a impressionante soma de R$ 992 bilhões (Tabela 2). A imprensa e o mainstream acadêmico alardeiam aos quatro ventos que essas medidas representam uma necessidade técnica e uma solução natural para os problemas da economia brasileira. Assim, o ajuste fiscal deverá ser realizado para enfrentar o excesso de gastos do Estado, principal entrave para o crescimento econômico do País. Realmente, o Estado brasileiro tem um conjunto de gastos em excesso, sendo que o principal deles é o pagamento dos juros e amortização da dívida interna. Este sim é o problema central da economia brasileira. Nesse caso, o ajuste fiscal deveria ser feito punindo financeiramente os especuladores e rentistas em geral que se apropriam de cerca de 5% do PIB todo ano e assim travam as possibilidades de realização investimentos públicos e de políticas públicas que favoreçam a população, medidas que poderiam ser associadas à progressividade na cobrança dos tributos e imposto sobre grandes fortunas.
Juros da dívida pública no governo Dilma |
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(R$ bilhões - Valores corridos pelo INPC) |
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2011 |
265 |
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2012 |
227 |
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2013 |
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249 |
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2014 |
251 |
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Fonte: Achados Econômicos/Banco Central |
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Já o câmbio flutuante representa uma ferramenta muito importante para o capital internacional especulativo, especialmente nesses tempos de flexibilização quantitativa (quantitative easing). Como o capital especulativo ganhou mobilidade irrestrita entre as nações, passou a ter também a possibilidade de arbitrar o diferencial da taxa de juros entre o seu País de origem e os países onde está sendo aplicado. Como as economias subordinadas geralmente têm taxas de juros maiores que a economias centrais, pela própria hierarquia do sistema financeiro internacional, a flexibilidade quantitativa amplia o horizonte da especulação, possibilita-lhes grandes lucros, com a vantagem de que esses capitais podem sair do País aos primeiros sinais de uma crise. Além disso, a entrada de dólares acima das necessidades do País faz o preço do dólar cair, resultando numa performance negativa para a balança comercial, pois a moeda nacional valorizada dificulta as exportações, o que resultará em déficits comerciais.
Portanto, todo o arcabouço teórico neoliberal visa reduzir a possibilidade de o governo realizar política econômica e anular na prática a política fiscal e monetária e a indução do crescimento econômico[9]. Além disso, é um mecanismo para transferir renda do setor público para o privado e uma armadilha para confiscar os salários dos trabalhadores e aposentados, reduzir os gastos sociais, além de diminuir os direitos e garantias dos trabalhadores. Em todas as nações em que essas medidas foram adotadas os resultados foram os piores possíveis, que o digam os países do Sul da Europa, como a Grécia, onde mais de 30% vive na miséria, com um desemprego geral de 26% e entre a juventude esse índice alcança 50%[10].
As medidas de austeridade não só não foram ineficazes para resolver a crise, como aumentaram a recessão e o endividamento, além de produzir uma tragédia social por toda a Europa: o desemprego aumentou escandalosamente, os salários diminuíram, as aposentadorias foram cortadas, milhares de funcionários públicos foram demitidos, os serviços públicos se deterioraram e as condições de vida de vastos setores da população caíram a níveis de pobreza absoluta. No entanto, mesmo diante de um quadro social desta ordem, os banqueiros e rentistas ganharam muito dinheiro às custas do sacrifício da população - e a crise se tornou ainda mais grave!
Marcha em direção ao pântano
Portanto, o ajuste fiscal no Brasil, se não for barrado pela luta social, deverá produzir os mesmos resultados que produziu na Europa e em outras partes do mundo, com a desvantagem de aumentar todos os problemas que se propôs a resolver - com uma única exceção: os banqueiros e rentistas aumentarão os seus lucros em meio à regressão social e econômica. O governo do Partido dos Trabalhadores, nosso camaleão proletário, ao optar pelo núcleo duro do neoliberalismo no Brasil, cumpriu a última etapa de sua degeneração ideológica e política, seguindo o mesmo caminho de outras formações sociais-democratas - só que num tempo muito mais breve que seus congêneres europeus.
Por que o ajuste fiscal e monetário será um fracasso econômico, social e político? Primeiro, porque essas medias fracassaram em todas as partes do mundo em que foram implementadas. Segundo, porque estas medidas já foram realizadas à exaustão nos dois mandatos do governo FHC com os resultados que todos conhecemos: ao longo de seu governo a inflação sempre esteve acima da meta, muito embora a imprensa conivente não tenha feito o mesmo carnaval que fez recentemente; o crescimento econômico também ao longo dos oito anos foi medíocre, cerca de 2,5% na média anual do período; o desemprego atingiu níveis dramáticos, especialmente na Grande São Paulo, onde atingiu o recorde de 19% da força de trabalho; a dívida interna aumentou cerca de sete vezes; a valorização artificial do Real levou a sucessivos déficit na balança comercial e ao sucateamento de várias cadeias produtivas, além de uma grave crise cambial, que colocou em nocaute o plano de estabilização.
Terceiro, porque essas medidas são anunciadas numa conjuntura internacional muito desfavorável para o Brasil. Vale lembrar que o ciclo de aumento dos preços das commodities se esgotou e a tendência é a continuidade na queda desses preços em função da retração econômica mundial. Como ocorreu acentuada reprimarização da economia brasileira, com aumento dos produtos agropecuários na pauta de exportação, a crise mundial vai continuar impactando negativamente no desempenho da balança comercial. Some-se a isso uma conjuntura interna bastante difícil, como a estagnação econômica ao longo do primeiro mandato, a crise no abastecimento de água e energia elétrica, as denúncias de corrupção e a queda nos investimentos da Petrobrás, responsáveis por 10% do investimento.
Essa conjuntura configura um quadro de enormes dificuldades econômicas e sociais e políticas, diferente dos oito anos de mandatos de Lula, quando o ciclo de aumento das commodities, aliado a políticas econômicas orientadas pelo Estado, possibilitaram um crescimento econômico maior que no período FHC, permitindo assim a realização de políticas sociais compensatórias que foram a marca de seu governo, muitos embora os ricos nunca tenham deixado de ganhar tanto dinheiro como nesse período. Esta janela de oportunidades está fechada para o segundo mandato do governo Dilma
Portanto, um ajuste fiscal e monetário com o País em estado de estagnação econômica é uma aberração irracional, típica da cegueira neoliberal. Ao contrário do que os fundamentalistas vêm apregoando, essas medidas levarão o País à recessão, ao desemprego e à queda na renda da população, como está ocorrendo na Europa. Afinal, aumento nas taxas de juros, elevação dos impostos, cortes nos gastos público, contração do crédito e redução dos benefícios sociais levarão consequentemente à queda nos investimentos privados e ao desaquecimento da economia, com aumento do desemprego e redução na renda das famílias. Como se sabe, a renda das famílias representa dois terços na composição do Produto Interno Bruto. Portanto, essas medidas significam um fracasso anunciado, mas os neoliberais sempre encontrarão uma justificativa para suas estripulias exóticas - geralmente costumam justificar o fracasso com a balela de que tudo não deu certo porque não se aplicou plenamente todo o receituário recomendado. Uma prática semelhante aos pastores das novas igrejas evangélicas que, diante da não realização dos milagres que prometeram, afirmam que a graça não foi alcançada porque os fiéis não tiveram fé.
Evidentemente que um quadro conjuntural desta ordem representa o pior dos mundos para os trabalhadores e para a maioria da população. No entanto, será um paraíso para os banqueiros e rentistas em geral, que aumentarão o saque dos recursos públicos e o confisco dos direitos, garantias e salários dos trabalhadores. Por isso, estão em êxtase diante das decisões da nova equipe econômica e das outras medidas que ainda tomarão para tornar mais difícil a vida dos brasileiros, processo que deverá durar até que o desastre leve o povo brasileiro a reagir diante da selvageria neoliberal, como já aconteceu em outros países. Oxalá isso ocorra o mais breve possível.
* Edmilson Costa é secretário de Relações Internacionais do PCB.
[1] Programas compensatórios do governo federal: O Bolsa Família para as famílias mais pobres; o Prouni, concede bolsa para os estudantes das universidades privadas e viabiliza esses empreendimentos; e o Pronetec financia cursos técnicos também nas universidades privadas.
[2] Para uma melhor compreensão da trajetória e crise do Partido dos Trabalhadores, consultar: Costa, Edmilson. A tragédia da social-democracia retardatária no Brasil. São Paulo: Novos Temas, e www.resistir.info.
[3] Economia que o governo faz, cortando gastos públicos, para pagar os serviços da dívida pública.
[4] Valor Econômico, 13 de janeiro de 2015. Os dados têm como base estudo do professor Carlos Alberto Ramos, da Universidade de Brasília.
[5] Um levantamento mais detalhado sobre o pagamento de juros no Brasil a partir de 2002 pode ser encontrado em: Costa, Edmilson. Os 20 anos do Plano Real, uma herança terrível para os trabalhadores. www.resistir.info.
[6] A questão da mão invisível do mercado foi teorizada pioneiramente por Adam Smith, em sua obra A riqueza das nações. São Paulo: Abril Cultural, 1983. Posteriormente Milton Friedman desenvolveu as concepções em relação ao mercado em seu livro Capitalismo e liberdade. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
[7] Araújo, Assílio Luiz Zanella de. Avaliação crítica do regime de metas de inflação a partir de uma ótica pós-keynesiana. www.ufrgs.br Análise Econômica, v. 31, n. 60 (2013).
[8] Plihon, Dominique. Desequilíbrios mundiais e instabilidade financeira: a responsabilidade das políticas neoliberais. Um ponto de vista keynesiano. In A mundialização financeira - gênese, custos e riscos (org. François Chesnais). São Paulo: Xamã, 1999.
[9] Gobetti, Sergio Wulff; Amado, Adriana Moreira. Ajuste fiscal no Brasil: algumas considerações de caráter pós-keynesiano.
[10] Carta, Giani. Tsipras leva e abre o debate. São Paulo: Carta Capital, No. 835.
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