CIMEIRAS COMEMORATIVAS E PRAGMATISMO DA RÚSSIA

O decurso das cimeiras dos líderes dos países membros da Comunidade de Estados Independentes (CEI) e do Espaço Económico Comum (EEC) em Kazan foi previsto de antemão. Ninguém queria escândalos que pudessem estragar a comemoração do Milénio de Kazan que se efectuava paralelamente.

Em geral, como se verificou, os escândalos não foram necessários a ninguém. Todos os líderes dos países do espaço pós-soviético se mantiveram nos limites moderados e diplomáticos procurando concentrar a atenção naquilo que os unia e não nas divergências existentes.

Uma determinada excepção foi apenas a declaração das autoridades turcomenas acerca da alteração do formato da participação do seu país na CEI da "plena" filiação para a filiação associada. No entanto, este acontecimento não constituiu surpresa, pois já anteriormente o Turcomenistão tinha mantido uma distância em relação a outros países membros da Comunidade.

Claro que a aparente cortesia política não podia ocultar as substanciais divergências entre os membros da CEI relacionadas com a concorrência entre os dois centros de influência: o russo (estruturas como a Organização do Tratado de Segurança Colectiva, a EURAZES, a EEC e também a Organização de Cooperação de Xangai em que o principal papel é desempenhado pela Rússia e China) e o centro ucraniano-georgiano pró-ocidental ("Comunidade de Opção Democrática" em formação).

Ainda antes da cimeira tornou-se evidente que a Rússia tenciona consolidar as fileiras dos seus aliados reais e não nominais e seguir as normas do direito internacional no que concerne às relações com os países que optaram pela "escolha europeia" estabelecendo as relações económicas com eles numa base exclusivamente pragmática. Só devem receber as preferências económicas os países dispostos a manifestar-se consequentemente na qualidade de parceiros políticos da Rússia.

Deste modo chega ao fim o período de "inércia nostálgica" na existência da CEI em que a Rússia considerava todos os países existentes no espaço pós-soviético como os seus históricos aliados que nunca se afastariam dela e ficariam na esfera de influência russa. No entanto, esta atitude fez com que os círculos governantes de uma série de países da CEI escolhessem um cenário racional sob o seu ponto de vista, ou seja, desejavam aproveitar-se de todas as vantagens possíveis da parceria económica privilegiada com a Rússia mantendo simultaneamente uma orientação geopolítica para o Ocidente (tendo a esperança de aderir mais cedo ou mais tarde à "Europa unida").

Com relação a isso podemos recordar a anedota da década de 70 sobre um alemão que queria ganhar como na RFA e se aproveitar das regalias sociais como na República Democrática Alemã. Claro que esta organização do sistema político na CEI representava um impasse histórico de modo que os países e os seus líderes terão agora de fazer escolha. Parece que as actuais autoridades ucranianas já a fizeram. Na cimeira dos líderes dos países membros do Espaço Económico Comum em Kazan chegou-se a acordo de que a Rússia, o Cazaquistão e a Bielorrússia assinarão, até 1 de Dezembro de 2005, 29 documentos sobre a formação do EEC e até 1 de Março do próximo ano planeia-se assinar no mesmo formato mais 15 documentos. A Ucrânia não só não participa neste processo como anunciou não estar pronta para a formação dos órgãos supranacionais no âmbito do EEC. Com relação a isso lembremos a declaração do ministro da Economia da Ucrânia, Serguei Teriokhin (aliás, responsável pelas negociações a propósito do EEC) de que o seu país pode retirar-se deste projecto. Embora mais tarde estas palavras tenham sido desautorizadas, é evidente que o ministro apenas antecipa os acontecimentos.

Significa tudo isso que a CEI deixará de existir como consideram alguns peritos? Afigura-se-nos que esta conclusão parece, pelo menos, apressada. A função da CEI como área para o diálogo dos líderes e elites dos países pós-soviéticos até agora não foi esgotada. Onde ainda poderão encontrar-se regularmente os líderes da Arménia e do Azerbaijão? Onde poderão conversar num ambiente tranquilo e sem uma coordenação demorada de posições os Presidentes da Rússia e da Geórgia tal como foi em Kazan onde Vladimir Putin e Mikhail Saakachvili discutiram as questões relativas à retirada das bases militares russas do território georgiano? Só nos fóruns da CEI, pois ainda não foi criada a alternativa a este mecanismo e é pouco provável que se consiga criá-la num futuro previsível.

Outra coisa é que os órgãos executivos da Comunidade, formados ainda na década de 90 e "imobilizados" de facto ao nível daquela época, devem ser modernizados. Justamente esta questão esteve no centro da discussão da cimeira da CEI em Kazan.

Deste modo, a CEI prossegue a sua existência embora nas "regras de jogo" mais realistas, pragmáticas e rigorosas. Outra coisa é que a concorrência no espaço pós-soviético só se intensificará. Dentro em breve a principal luta desenvolver-se-á na Bielorrússia onde no próximo ano se realizarão as eleições presidenciais durante as quais a oposição gostaria de desencadear uma "revolução laranja" (com um apoio evidente por parte do Ocidente que faz declarações cada vez mais duras em relação ao Presidente Aleksandr Lukachenko). Ao mesmo tempo, na Ucrânia as forças orientadas para a Rússia procurarão nas eleições parlamentares tirar desforra da sua derrota sofrida no decurso da campanha eleitoral presidencial: estas eleições adquirem uma importância especial em virtude da reforma política realizada neste país ampliando as atribuições do poder legislativo. Parece que nos próximos meses e anos os centros de influência russo e pró-ocidental procurarão atrair para o seu lado o maior número de aliados entre os membros da CEI.

Aleksei Makarkin, vice-director geral do Centro de Tecnologias Políticas - RIA "Novosti"

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