A Grande Guerra Patriótica, Parte V

Depois do fim da União Soviética, tornou-se comum comparar o comunismo e o nazismo, dizendo que ambos regimes foram igualmente brutais e belicosos. Alguns historiadores vão além, e dizem que o comunismo foi muito pior: historiadores franceses, que escreveram a coletânea “O Livro Negro do Comunismo”, afirmam que o comunismo matou 100 milhões de pessoas, e o nazismo apenas 10 milhões.

Afirmar que um regime é pior que outro com base no número de vítimas é algo sem sentido. Execuções sumárias são sempre um crime, independente de quantos sejam mortos. Mas o número de 100 milhões de vítimas do comunismo é simplesmente absurdo: segundo o cálculo desses historiadores, Stalin matou 30 milhões de pessoas na URSS. Este número é um disparate; a população soviética então era de bastante menos que 200 milhões - matar 30 milhões de pessoas equivaleria a exterminar mais de 15% de toda a população do país, o que é simplesmente impossível. Claro que, se Stalin tivesse matado tantas pessoas antes da Segunda Guerra Mundial, teria sido impossível a vitória soviética.

Além disso, todos os historiadores russos sérios de hoje, que não têm a menor simpatia por Stalin, concordam que o número de suas vítimas foi de não mais que 4 milhões: uma cifra imensa. Stalin foi, indubitavelmente, um dos tiranos mais brutais e violentos de todos os tempos. Simplesmente não há necessidade de exagerar o número de suas vítimas, com o propósito único de propaganda.

É esse tipo de desvario que permite o que ocorre na Letônia e na Estônia, que erguem monumentos e organizam paradas para seus “libertadores”, os veteranos da SS nazista, e reprimem com violência os que lutaram do lado soviéticos. Suásticas nazistas são orgulhosamente exibidas nesse países, membros da União Européia, enquanto os burocratas de Bruxelas, que se consideram um exemplo de democracia, liberdade e tolerância para o resto do mundo, fingem não ver a escalada neonazista e dão razão à Letônia e à Estônia, por terem sido vítimas da “ocupação” soviética.

Além disso, o número de vítimas de Hitler, segundo o livro citado, leva em conta apenas os opositores do regime nazista e os judeus. Ora, Hitler foi a única causa da Segunda Guerra Mundial: Grã-Bretanha, França e União Soviética fizeram tudo o que podiam para evitá-la, muitas vezes assinando tratados desonrosos, como o de Munique, em que a França e a Grã-Bretanha deram de presente a Tchecoslováquia a Hitler, tentando apaziguá-lo; e o pacto de não-agressão entre a URSS e a Alemanha.

É justo colocar entre as vítimas do nazismo todos os mortos no teatro europeu e norte-africano da Segunda Guerra Mundial, 50 milhões de pessoas de dezenas de nacionalidades: britânicos, franceses, belgas, holandeses, sérvios, poloneses, gregos, tchecoslovacos, noruegueses, dinamarqueses, romenos, húngaros, búlgaros, italianos, egípcios, líbios, argelinos, estadunidenses, canadenses, brasileiros, e principalmente soviéticos: 27 milhões. E, obviamente, todos os militares e civis alemães e austríacos que foram vitimados pela guerra do Führer.

A grande diferença entre o nazismo e o comunismo, porém, começa bem antes dos expurgos stalinistas e da Segunda Guerra Mundial. O comunismo é uma teoria que resultou de intensas investigações filosóficas, econômicas, sociológicas e políticas de Karl Marx e Friedrich Engels, no século XIX. E, embora hoje tudo indique que suas teorias, principalmente a da queda inevitável do capitalismo e do surgimento de um novo modo de produção, estão equivocadas, não se pode negar que Marx e Engels foram dois homens de imensa inteligência, que fizeram pesquisas sérias, e são dois dos mais importantes pensadores de todos os tempos.

E quem era Hitler? Um soldadinho austríaco da Primeira Guerra e um pintor frustrado. Se a Academia de Artes de Viena o tivesse aceitado como membro, ele provavelmente não teria a ambição de ser o grande líder germânico. Mas, pintor medíocre que era, acreditando que os outros não podiam reconhecer sua “genialidade”, começou a ter idéias absurdas de grandeza pessoal e nacional.

O nacional-socialismo é uma mistura sem pé nem cabeça de pseudo-história e pseudo-antropologia: afirma, sem nenhum respaldo histórico ou arqueológico, que os germânicos são um povo superior, descendentes diretos dos arianos, povo indo-europeu que conquistou a Índia há 3000 anos. Como povo superior, tinha o direito de conquistar todos os demais, para conseguir território e matérias-primas (o “espaço vital”), e mão-de-obra explorada: todos os demais povos existiam apenas para servirem aos germânicos.

Uma pseudo-antropologia se encarregava de fazer uma hierarquia dos povos: alemães e austríacos no ápice, nórdicos depois, seguidos por ingleses, franceses, belgas, holandeses; depois os latinos; e por fim, judeus, eslavos e ciganos. Estes últimos são tão inferiores, que sua própria existência corrompe a superioridade germana, e devem ser exterminados. Apenas uns poucos devem ser mantidos, para servirem como mão-de-obra escrava nos trabalhos mais perigosos e degrandantes.

Aqui está a grande diferença entre comunismo e nazismo: este é, desde a origem, inevitavelmente uma doutrina de ódio, discriminação, racismo e guerra. Logo, os povos superiores exterminam os inferiores, e não há nenhum problema nisso: pelo contrário, o problema surge quando isso não é feito. Que os alemães exterminem judeus e russos não é apenas um direito, é uma necessidade.

O comunismo era o oposto: a doutrina da igualdade de todos os homens, dos direitos iguais, e contra a exploração, a miséria, o ultranacionalismo, o ódio étnico e racial. Pode ter falhado em criar uma sociedade justa, igualitária e economicamente mais desenvolvida, mas foi bem sucedido em eliminar a xenofobia, a intolerância religiosa e os excessos nacionalistas. Basta ver que regiões assoladas por esses problemas durante séculos, como os Bálcãs e o Cáucaso, só tiveram paz e estabilidade quando estiveram sob o regime comunista; e imediatamente após a queda deste, os antigos problemas regressaram.

Além disso, a URSS sempre foi a favor da paz, e nunca iniciou uma guerra: apenas se defendeu na guerra civil, na intervenção estrangeira na década de 20, e na Segunda Guerra Mundial. Depois, quando do enfrentamento com os EUA no pós-guerra, todas as iniciativas para redução de armamentos e diminuição das tensões partiram da União Soviética. Nenhuma foi proposta pelos Estados Unidos, que sempre tiveram (e ainda têm) uma atitude belicosa.

Stalin era um reconhecido e confesso anti-semita: muito de seu rancor contra Trotski, por exemplo, provinha das origens hebraicas deste. Porém, nunca houve na URSS nada que se comparasse ao Holocausto judeu praticado pelos nazistas. Por mais que Stalin fosse anti-semita, nunca planejou eliminar os judeus, e para os que viviam na Europa oriental a escolha era simples: Hitler significava a morte certa, e Stalin era a única esperança de salvação.

Os imensos extermínios de Stalin podem ser considerados um acidente de percurso no comunismo: Lenin, apesar dos erros que cometeu, era contra o terrorismo indiscriminado, o culto de personalidade e o excesso de poder nas mãos de um só. Stalin praticou tudo isso buscando unicamente o aumento de seu poder pessoal. E depois de sua morte, o regime soviético, embora longe de ser uma democracia e uma sociedade aberta, abrandou-se bastante, e nunca mais houve extermínios ou repressões massivas.

A guerra, o ódio, a discriminação, o escravismo, o totalitarismo e o genocídio não eram um acidente do nazismo; pelo contrário, eram sua própria essência. É impossível um regime nazista pacífico e tolerante. Porém, um comunismo aberto, justo, igualitário e livre não é apenas concebível: é o grande sonho de todos as pessoas compassivas, independente de suas ideologias políticas e econômicas.

O nazismo é a encarnação política de tudo o que existe de mal, degenerado e demoníaco no ser humano. É a mais brutal e tenebrosa ideologia já surgida no mundo. O comunismo (apesar dos imensos problemas da sua variante marxista e de vários ditadores que abusaram de tais idéias para justificar seus crimes, como Stalin, Mao Tsé Tung e Pol Pot), é uma bússola, um fim ainda distante que talvez possamos alcançar: um mundo onde todos tenham oportunidades iguais, onde não haja abuso, exploração, intolerância, ódio ou violência.

Ao afirmar que o nazismo era um “mal menor”, comparado com o comunismo, pessoas irresponsáveis e ignorantes da história estão preparando o caminho para uma reabilitação dos ideais de Hitler em um futuro não muito distante. O gérmen do nazismo, que cresce forte na Letônia e na Estônia, logo pode começar a se espalhar, com conseqüências difíceis de imaginar, mas com uma certeza: serão terríveis.

Carlo MOIANA Pravda.ru Buenos Aires

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