Como o Sr. Chanceler pode caracterizar as relações bilaterais entre a Rússia e o Brasil às vésperas da visita oficial do Presidente Vladimir Putin, primeira visita oficial de um dirigente russo ao Brasil em toda a história de 176 anos das relações diplomáticas entre os nossos países?
O Brasil e a Rússia são países com dimensões continentais e possuem influência importante nos contextos regional e internacional. A Rússia foi mencionada expressamente, no discurso de posse do Presidente Lula, entre os países com os quais desejamos aproximar-nos prioritariamente. Por sua vez, o fato de o Presidente Putin ser o primeiro Chefe de Estado russo a visitar o Brasil testemunha a importância que a Rússia atribui à parceria com o Brasil e o interesse mútuo em alçar nosso diálogo e cooperação a um patamar mais elevado. O Vice-Presidente José Alencar esteve na Rússia no mês passado para, juntamente com o Primeiro-Ministro Mikhail Fradkov, presidir a III Reunião da Comissão Brasil-Russa de Alto Nível de Cooperação, ocasião em que se avançaram importantes entendimentos, os quais deverão resultar em diversos acordos a serem assinados durante a visita do Presidente Putin ao Brasil.
- Como está andando a cooperação entre os dois países na área internacional, na ONU, nas discussões em prol do multilateralismo, nas negociações no âmbito da OMC em busca do equilíbrio no comércio mundial, na luta contra o terrorismo, narcotráfico, contrabando de armas e de pessoas?
O Brasil e a Rússia têm visões e aspirações semelhantes sobre o ordenamento internacional, que, da perspectiva de nossos dois governos, deve basear-se numa ordem multipolar e na valorização do multilateralismo como instrumento indispensável para a construção de um mundo mais democrático, próspero e justo. A Rússia foi o primeiro membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas a manifestar apoio à candidatura brasileira a um assento permanente naquele órgão. Temos atuado em coordenação nos mais diversos temas discutidos nas Nações Unidas, sendo valioso o apoio dado pela Rússia à iniciativa do Presidente Lula para uma ação internacional no combate à fome e à pobreza, na reunião de líderes mundiais realizada em Nova York, em setembro último.
As negociações em curso na OMC são de extrema importância para que possamos reduzir os desequilíbrios existentes no sistema de comércio multilateral, de modo a torná-lo mais equilibrado, equitativo e não-discriminatório. A criação do G-20, que reúne países em desenvolvimento exportadores de produtos agrícolas, introduziu uma nova dinâmica, mais equlibrada, nas negociações, e esperamos que possamos, em 2005, fazer progressos significativos para um desfecho bem-sucedido da Rodada de Desenvolvimento de Doha. O Brasil participa com espírito construtivo das negociações com a Rússia no âmbito do processo de acessão do país à OMC, e deseja ver a Rússia plenamente integrada ao sistema multilateral de comércio. No que diz respeito ao terrorismo internacional, vale lembrar que o Conselho de Segurança das Nações Unidas adotou, com apoio brasileiro, em outubro passado, projeto de resolução promovido pela Rússia para o combate ao terrorismo. O Brasil tem apoiado diversas iniciativas destinadas a conter o terrorismo em todas as suas manifestações. O Presidente Lula e o Vice-Presidente Alencar, por ocasião da onda de atentados que se abateu sobre a Rússia em agosto e setembro passados, particularmente no que diz respeito aos trágicos desdobramentos da tomada da Escola de Beslan no Cáucaso do Norte, enviaram prontamente mensagens de pesar, respectivamente, ao Presidente Putin e ao Primeiro-Ministro Fradkov, condenando categoricamente aquele ato de barbárie.
Na área de combate ao tráfico de drogas, Brasil e Rússia possuem Acordo de Cooperação, assinado em 1994. No âmbito regional, peritos do Grupo do Rio e da Rússia vêm-se reunindo sobre a questão. O contrabando de armas e o contrabando de pessoas são outros problemas prementes, sobre os quais o Brasil tem reiterado sua disposição em cooperar estreitamente com outros países para sua erradicação.
- Os nossos países possuem muito em comum: população, grande território, grandes recursos naturais e tem muitas áreas de cooperação a desenvolver, em primeiro lugar na esfera da alta tecnologia e do espaço, como destacou o Presidente da Rússia Vladimir Putin durante a visita a Moscou do Vice-Presidente José Alencar. Quais são à opinião do Sr.Chanceler as perspetivas das relações nesta esfera de cooperação?
Existe um interesse de lado a lado em promover a cooperação na parte espacial. Em 1997, assinamos um Acordo-Quadro sobre a Cooperação na Exploração e nos Usos Pacíficos do Espaço, o qual se encontra em vigor desde agosto de 2002 e constitui a peça principal dessa vertente da cooperação entre os dois países. A Comissão Intergovernamental Brasil-Rússia de Cooperação (CIC) possui subcomissão específica para o tratamento da cooperação espacial. Estão em curso entendimentos entre nossos países com vistas a ampliar e aprofundar essa cooperação.
- Nos últimos anos o volume de comércio bilateral multiplicou, que é uma mostra de que o Brasil se torna um dos principais parceiros da Rússia na América Latina. Os dois países tem tudo para que o volume do comércio bilateral se aumente em vezes. De que precisam os nossos países para aumentar significativamente as relações comerciais e solucionar o problema do saldo negativo da Rússia no comércio com o Brasil?
O comércio bilateral tem aumentado de forma constante nos últimos anos e ultrapassou a marca de 2 bilhões de dólares no ano passado. Apesar dos números positivos, o comércio permanece concentrado em poucos produtos. Enquanto o Brasil se destaca no fornecimento de produtos agrícolas, a Rússia mantém bom desempenho em produtos químicos e minerais. Brasil e Rússia têm economias diversificadas, e contam com produção eficiente e competitiva em setores de alto valor agregado como telefones celulares, aviões, compressores, calçados, entre outros. Precisamos atuar de forma a incorporar esses setores a nosso fluxo comercial, sem deixar de manter e mesmo expandir os resultados invejáveis já alcançados.
O Governo brasileiro é sensível ao tema do desequilíbrio na balança bilateral e está disposto a empenhar-se no sentido de aumentar a participação russa na pauta de importações brasileira. Observo, no entanto, que no período de janeiro a outubro de 2004, enquanto as exportações brasileiras para a Rússia aumentaram 7,9%, nossas importações de produtos russos tiveram um crescimento de cerca de 57%, inclusive mediante a compra de itens de mais alto valor agregado, como turbinas e rodas hidráulicas.
Por outro lado, é preciso seguir atuando de forma conjunta para solucionar as dificuldades que costumam aparecer quando vivemos um processo de aceleração do intercâmbio comercial bilateral, como está acontecendo entre Brasil e Rússia. A questão do embargo às exportações brasileiras de carnes para o mercado russo nos preocupa. Os focos de febre aftosa, em municípios do Pará e Amazonas, encontram-se a centenas, até mesmo milhares, de quilômetros das áreas livres da doença, de onde provêm todas as carnes exportadas ao mercado russo. O Governo brasileiro espera que as autoridades russas revejam, no mais curto prazo, o embargo, à luz das informações técnicas apresentadas pelo lado brasileiro. Em 16 de novembro, o Governo russo concedeu autorização para o reinício da importação de produtos de origem animal do estado de Santa Catarina. Trata-se de um passo na direção certa, mas precisamos seguir avançando na superação desse problema.
- Os nossos povos pouco se conhecem, mas os russos sempre tinham a simpatia com o Brasil e seu povo. O povo brasileiro tambám sabe muito da Rússia e conhece sua literatura clássica, história. Como podemos aproximar os nosso povos, para que se conheçam melhor e troquem suas culturas ricas?
Os contatos entre nossas sociedades é simplificado pela existência de inúmeros pontos de interesse comum. Há de fato um grande interesse pela cultura russa no Brasil. Não apenas em literatura e história, mas em dança, pintura, música e cinema. Por outro lado, sei que as novelas brasileiras produzidas para a televisão são muito populares na Rússia. Recentemente, uma delas teve seu início filmado na Rússia, e um de seus personagens principais é um brasileiro, filho de imigrantes russos. A música brasileira, a exemplo de outras áreas da produção cultural do país, é reconhecida internacionalmente por sua qualidade e variedade de manifestações, mas é pouco conhecida na Rússia. Estamos falando, portanto, de um potencial imenso para novos contatos.
Nossos Governos vêm procurando corresponder a esse interesse demonstrado por brasileiros e russos por um incremento de nossas relações culturais. Entre as iniciativas culturais mais recentes entre os dois países, que contaram com apoio oficial, eu poderia destacar a exposição de 500 Anos da Arte Russa, em 2001, no Parque Ibirapuera, organizada pela BrasilConnects; a criação, em dezembro de 2002, do primeiro leitorado brasileiro na Federação da Rússia, subsidiado pelo Itamaraty e pela Universidade Estatal de Moscou - Lomonóssov; as participações brasileiras nas últimas edições do Festival de Cinema de Moscou e do Festival de Cultura Ibero-Americana de Moscou.
Gostaria, ainda, de mencionar as atividades da Escola de Balé do Teatro Bolshói de Joinville, Santa Catarina, a única que existe fora da Rússia. Está prevista para este ano a inauguração de escola de música em Fortaleza, com a orientação do Conservatório Tchaikovsky, de Moscou.
Durante a visita do Presidente Putin deverá ser assinado um novo Programa Executivo Cultural bilateral, referente ao triênio 2005-2007, sob amparo do Acordo sobre Cooperação Educacional e Cultural entre o Brasil e a Rússia, firmado em 1997. O novo programa contempla, além do seguimento aos projetos já existentes, ampla gama de atividades culturais que se quer apoiar e estimular entre os dois países, como música, artes cênicas, artes circenses, artes plásticas e cinema.
- Sr.Chanceler. Muito agradecido pela entrevista. Em nome da Agência de notícias da Rússia RIA NOVOSTI tenho grande prazer em desejar-lhe boa saúde e sucesso no desempenho de seu dever e transmitir ao povo brasileiro a prosperidade e a paz.
© RIAN
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