Equador: as más artimanhas da Chevron

A petroleira estadunidense Chevron, sentenciada há seis anos a pagar uma multimilionária multa pelo dano provocado na Amazônia, está tentando, novamente, se evadir do pagamento através de uma serie de julgamentos contra os demandantes e o Estado equatoriano.

Em 14 de fevereiro de 2011, o juiz Nicolás Zambrano, da Corte de Nueva Loja (Lago Agrio),, capital da nordestina Província de Sucumbíos, ditava a sentença mais esperada por indígenas, camponeses e ambientalistas, que haviam lutado por mais de 20 anos para conseguir uma condenação da companhia estadunidense Chevron, por ter causado um dos maiores desastres ambientais do mundo, entre 1964 e 1990, tempo no qual operou na Amazônia equatoriana. A condenação era o pagamento de US$ 9.5 bilhões, soma que poderia ser duplicada no caso de que a empresa não apresentasse desculpas aos danificados, nos dias posteriores à sentença.

A Corte Provincial de Sucumbíos ratificou, em 03 de janeiro de 2012, a condenação emitida pelo juiz Zambrano. Igual decisão tomou a Corte Nacional de Justiça, em 12 de novembro de 2013, ainda que esta última decidiu deixar sem efeito o pagamento adicional, apesar de que a empresa não pediu desculpas aos afetados.

Com a decisão da Corte Nacional, se entendia que esse julgamento - iniciado em 1993, quando um grupo de moradores apresentou uma demanda nos EUA contra a Texaco, adquirida pela Chevron, em 2001, por contaminar o meio ambiente e a saúde das pessoas durante os seus mais de 25 anos de operações -, se dava por terminado e a petroleira não tinha outra opção que pagar o montante estabelecido. Mas não foi assim.

Imediatamente depois de conhecer a decisão da Corte Nacional do Equador, a Chevron interpôs um Recurso de Cassação ante esta mesma corte, que está pendente de resolução ainda que haja poucas possibilidades de que o tribunal decida em seu favor. Também apresentou, em 23 de dezembro de 2013, ante a Corte Constitucional uma Ação Extraordinária de Proteção para evitar que se executasse a sentença. Nenhuma destas duas ações impede que os demandantes busquem executar a sentença, enquanto se resolvem nas cortes respectivas.

A Chevron não apenas não acatou a decisão da justiça equatoriana, mas instaurou uma série de julgamentos e procedimentos em nível internacional, para se evadir do pagamento. Esses julgamentos, segundo Pablo Fajardo, advogado principal dos indígenas e camponeses, que processaram a petroleira, custaram à empresa já cerca $ 2 bilhões, pois contratou os melhores escritórios de advogados nos países onde deve bloquear a intenção de cobrança dos demandantes.

"A Chevron tem em seu nome cerca de 2.000 advogados intervindo neste caso", assegurou Fajardo às Notícias Aliadas. "No importa o custo, pois este caso, para a Chevron, não significa o pagamento ou não pagamento do montante estabelecido na sentença da corte de Lago Agrio, mas evitar que se crie um precedente jurídico que pode acarrear em um sem número de julgamentos em outros países".

Tribunais internacionais

Os demandantes buscam executar a sentença em países onde a petroleira tem ativos, como é o caso do Canadá, Brasil ou Argentina. Neste último país, um juizado de primeira instância dispôs um embargo contra os ativos da petroleira Chevron, que foi confirmado pela Câmara de Apelações Civil, no fim de janeiro de 2013. Não obstante, em junho desse mesmo ano, a Corte Suprema da Argentina decidiu deixá-lo sem efeito. Os demandantes denunciaram que a revocatória se deu por pressão da administração da ex-presidenta Cristina Fernández (2007-2015), pois estava sendo negociada a exploração de campos petrolíferos em Neuquén, na Patagônia argentina, atividades que confrontaram o povo indígena mapuche com o governo.

Onde mais têm avançado os demandantes é no Canadá, pois conseguiram, no dia 12 de setembro de 2015, que a Corte Suprema emitisse uma resolução na qual se declara competente para analisar o caso Chevron se for provado que a subsidiária canadense é propriedade da mesma empresa Chevron que atuou no Equador, algo que é plenamente comprovável. Para Fajardo, um ponto interessante da resolução no Canadá é que o tribunal adverte que a justiça moderna deve ser oportuna e atuar antes que as empresas possam fazer mudanças patrimoniais, para evitar cumprir com suas responsabilidades.

"A justiça canadense considera que, se hoje é possível fazer transações na velocidade de um clique, a velocidade da justiça deve estar também nesse nível", comentou.

Argumentando que a sentença viola um tratado comercial, a Chevron também tentou amparar-se, em setembro de 2013, no Tratado de Proteção Recíproca de Investimentos, firmado entre o Equador e EUA, e que está vigente desde 1997. O Equador manifestou que este tratado não se aplica neste caso, pois a demanda das comunidades indígenas data de 1993 e nenhum tratado ou lei pode ter caráter retroativo.

Mas já em 2006 a Chevron havia apelado à Corte Permanente de Arbitragem de Haia, envolvendo o Estado equatoriano em um julgamento que só implica a particulares. Desde então, os árbitros de Haia emitiram cinco laudos parciais, mas apenas um deles, o emitido em março do ano passado, favorece o Equador e é contundente, pois expressa que, frente a uma violação de um direito humano, não se pode invocar um tratado comercial, já que, ao valorizar dois tratados, sendo um um tratado de direitos humanos e o outro um tratado comercial, deve primar o tratado de direitos humanos. Desta maneira, se deve considerar e reparar primeiro a violação ao direito humano, antes de considerar a violação ao tratado comercial.

Em síntese, o que busca a Chevron é que alguma das instâncias judiciais e arbitrais nas quais interpôs recursos jurídicos proíba que se execute a sentença.

Os juízes da Chevron

Dois juízes têm sido fundamentais para que a Chevron se evada de suas responsabilidades. Um é o juiz Lewis Kaplan, da Corte do Distrito Sul de Nova York, que tem aceitado cada pedido da petroleira e se atribuído, inclusive jurisdição universal para proibir a execução da sentença, e o outro é o ex-juiz equatoriano Alberto Guerra Bastidas, que tem enfrentado os demandantes, testemunhando em favor da petroleira na corte do juiz Kaplan, em Nova York, na qual são acusados de serem parte de um complô contra a empresa.

 

 

Kaplan, desde o início desse longo processo, tem sido um obstáculo para a justiça. Primeiro, não admitiu o caso nos EUA, em maio de 2001, e o enviou a Lago Agrio, no Equador, e, no dia 1º de fevereiro de 2011, dias antes de que fosse emitida a sentença na corte equatoriana, admitiu um recurso em que se acusavam os demandantes de organizarem-se para, junto à justiça equatoriana, emitirem uma sentença fraudulenta que prejudica a petroleira. Neste julgamento, baseado em uma lei estadunidense para processar as grandes máfias, denominada Lei RICO (Racketeer Influenced and Corrupt Organization), o juiz Kaplan não permitiu que os demandados se defendam, demonstrando o dano ambiental causado na Amazônia equatoriana.

"Nos proibiu de falar sobre o dano ambiental e, se alguém se referia a isso, o juiz o expulsava da corte e anulava seu testemunho", contou Fajardo.

Este julgamento teve como testemunha estelar o ex-juiz Guerra, que assegurou que os demandantes haviam escrito a sentença emitida pelo juiz Zambrano. As perícias feitas no computador de Zambrano demonstraram que a sentença havia sido escrita em mais de 3,000 horas de trabalho.

Entretanto, Guerra teve que aceitar que mentiu durante os depoimentos que deu ante a Corte de Arbitragem de Haia, quando acusou os advogados dos demandantes de terem sido eles que redigiram a sentença contra a Chevron, mas Kaplan considerou seu testemunho como válido e determinou que a sentença contra a petroleira era uma fraude e, portanto, proibia que qualquer corte do mundo tentasse validá-la, arrogando-se assim uma competência universal neste caso. A corte de segunda instância de Nova York derrogou, em abril de 2015, esta pretensão e Kaplan teve que se conformar emitindo uma sentença na qual proíbe a execução da sentença nos EUA.

Os demandantes, por sua parte, iniciaram, em outubro de 2015, outro julgamento em Lago Agrio contra o ex-juiz Guerra, uma vez que demonstraram suas mentiras e, agora, buscam sua extradição dos EUA, onde a Chevron o mantém com um salário mensal de $ 10.000, mais $2.000 para pagamento de moradia e vários seguros adicionais, de acordo com o contrato firmado entre a empresa e Guerra.

As argúcias da Chevron estão terminando. Não tem lhe servido nem a chantagem, nem a compra de consciências, para tapar os danos que provocou na Amazônia, e, pouco a pouco, se aproxima o dia em que deverá cumprir com a sentença. "Tudo é questão de tempo", sentencia Fajardo.

Noticias Aliadas

Organização Não Governamental sem fins lucrativos que produz e difunde informação e análises sobre a realidade latino-americana e caribenha com enfoque de direitos

Adital

Luis Ángel Saavedra

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