O conto dos dois Vladimirs

Muitos leitores perguntam se os russos vivem melhor agora do que em tempos soviéticos. Para responder à pergunta, devemos analisar a situação dum ponto de vista holístico e não cair na tentação de isolar os incidentes do seu contexto histórico.

Poderíamos comparar a Rússia de 1903 com a de 2003 e medir a distância entre elas. O primeiro caso foi um estudo duma sociedade medieval, em que a participação do cidadão comum foi nula; o segundo caso é um exemplo duma sociedade moderna e democrática, um estado de direito onde a participação do indivíduo é total. Pelo meio, a União Soviética, a ponte entre as duas realidades.

“Pão e Paz” foi o lema dos Bolcheviques durante a Primeira Guerra Mundial e depois da Revolução de 1917, o governo de Lenin fez uma tentativa honesta de construir uma sociedade baseada nos princípios de Socialismo. Lenin deu ao povo da União Soviética, pela primeira vez, o direito a uma educação, casa, emprego, cuidados de saúde, comida, paz e segurança.

Dentro dos primeiros 25 anos, a Rússia Soviética enfrentou uma brutal guerra civil (instigada por forças estrangeiras) e a Grande Guerra Patriótica (Segunda Guerra Mundial) em que se perderam 27 milhões de vidas. Apesar destas enormíssimas convulsões na história do país, num curtíssimo espaço de tempo, as cifras falam por si: a taxa de analfabetismo caiu constantemente, os sistemas de saúde pública e de educação foram excelentes, transformou-se uma sociedade rural e atrasada num gigante industrializado, o seu povo era e é admiravelmente bem colocado para competir para qualquer posto de trabalho em qualquer ramo em qualquer parte do mundo com qualquer candidato, em pé de igualdade. Foram estes os grandes sucessos da União Soviética.

Enquanto há os que constantemente realçam as purgas de Stalin, como se fosse uma mancha negra contaminando toda a experiência soviética, deve dizer-se que durante a fundação das suas democracias, quantos foram os países que não passaram por períodos de conflito social, muitos destes países levando as suas políticas agressivas para fora, em vez de agir dentro das suas fronteiras, e na maioria dos casos, a transição de oligarquia medieval a estado democrático moderno levou quase um milhar de anos, enquanto no caso da Rússia se fez numa geração.

No fim da década dos anos 80, o PIB na Rússia era o dobro do de 2000, a pobreza tinha sido erradicada e a vasta maioria dos cidadãos soviéticos tinha uma vida estável e razoavelmente confortável. A URSS garantiu a distribuição de produtos, controlou o fornecimento dos alimentos, foi eficiente na distribuição de dinheiro e pagava os ordenados em bom tempo.

Contudo, o modelo não estava preparado para uma política excessivamente agressiva de gastos militares para manter a paridade com os estados Unidos da América e na tentativa de manter essa paridade, houve uma diminuição de controlo de qualidade, tornando os bens de consumo menos competitivos no mercado internacional, tornando os produtores prisioneiros dentro do seu próprio sistema, incapazes de vender para fora.

A tentativa de Mikhail Gorbachyov de mudar o sistema lentamente, por dentro, foi devastada por jogadores políticos como Boris Eltsin e Eduard Shevardnadze, o primeiro, um exemplo de incompetência numa escala massiva e o segundo, um exemplo do tipo de oportunismo que varreu os estados membros da União.

Durante a presidência de Eltsin, o declínio ficou cada vez mais demarcado; muitos russos que viviam nos estados da antiga União Soviética, agora Comunidade dos Estados Independentes, foram alvos de ataques e foram esforçados a fugir. Em tempos assim tão convulsivos, quem vai dizer que vive melhor do que no passado?

A presidência de Eltsin foi uma experiência negativa, porque ele tentou transformar uma economia controlada numa economia aberta de um dia para o outro, sem aparentemente compreender o que fazia. Pediu emprestado um excesso de dinheiro da banca estrangeira, a taxas de juros demasiado altas e a sua política de vender as empresas estatais foi mal gerida. A política financeira levou a um colapso da Bolsa de Valores, cuja volume de negócios entrou em queda livre, descendo por 80 bilhões de USD em dois meses, enquanto o Banco Central chegou a gastar 100 milhões de USD por dia para salvaguardar o valor do rublo, que ele desvalorizou, proclamando uma moratória de 90 dias sobre os pagamentos da dívida, criando mais sentimento negativo nos mercados.

A presidência de Eltsin viu a pobreza voltar nas ruas da Rússia depois de décadas de estabilidade social e económica na União Soviética. Em 1996, 32 milhões de pessoas viviam abaixo do limiar de pobreza, de acordo com o Banco Mundial, o défice público chegou a atingir 7.5% do PIB, especuladores estrangeiros (maioritáriamente dos EUA e Alemanha) pilharam os mercados russos e a despesa pública foi drasticamente reduzida.

O sistema outrora excelente de saúde e de cuidados médicos desapareceu em muitas áreas , a mortalidade infantil aumentou por 45% entre 1989 e 1994, a esperança de vida para os homens caiu de 65 para 58 anos.

Em 1996, na sua mensagem à Assembleia Federal, Eltsin proclamou como dois dos seus grandes sucessos o facto que a Rússia evitou uma guerra civil e que o país não se desintegrou. A verdade é que nunca a Rússia esteve tão perto de desagregar-se por inteiro.

A mudança para uma economia de mercado foi rápida demais e foi mal planeada. Houve uma falta de promoção comercial, uma falta de coesão entre os sectores industrial e comercial e uma quebra dramática no nível de vida para a maioria dos cidadãos, criando enormes diferenças sociais duma dimensão parecida àquela dos tempos Tsaristas. Um aumento em tensões étnicas, um aumento de nacionalismo pouco saudável e um aumento na taxa de criminalidade, foram estes os sintomas do mal chamado Eltsinismo.

A resposta à pergunta por isso é não, as pessoas na Rússia não vivem melhor agora do que na União Soviética, o que não quer dizer que o povo russo quer regressar ao antigo regime. Os seus objectivos principais conseguidos, chegou a altura para o modelo soviético mudar.

Em Eltsin, a mudança foi uma experiência infeliz mas foi um primeiro passo necessário, um exemplo daquilo que poderia falhar e como não gerir um país. Se bem que a PIB e o nível de vida na Rússia ainda estão aquém dos níveis no final da época soviética, Vladimir Putin oferece todas as perspectivas para um crescimento económico estável e um aumento constante no nível de vida, numa sociedade livre, democrática e participativa. Afinal, a democracia é a democracia e as pessoas aspiram a um sistema em que pelo menos reside a noção de que a voz de cada um tem peso.

Com Vladimir Putin, o povo da Rússia pode encarar o futuro com confiança e optimismo. A economia é saudável e estável, está prestes a crescer constantemente num futuro próximo e médio e a Rússia goza dum renovado respeito na comunidade internacional, devido à coesão da sua política na resolução de crises.

Como a árvore que foi podada, a Federação Russa tem um tronco forte, a partir do qual brotarão novos ramos no futuro, que irão igualar e ultrapassar a dimensão atingida nos tempos soviéticos.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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