AS DUAS TIRANIAS

No século XX, duas grandes propostas político-econômicas combateram pela hegemonia mundial, cada uma representada por uma grande potência: os Estados Unidos, líder capitalista, e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, principal país socialista.

Ambos mostravam-se como opostos, totalmente diferentes e destinados à vitória sobre o outro. Mas a verdade é que, apesar das diferenças, os extremos se tocam, e socialismo e capitalismo, longe de levarem à liberdade e prosperidade universais, geraram sociedades tirânicas, onde uma pequena minoria submetia a quase totalidade da população. Um breve esboço histórico da URSS e dos EUA explicará bem esta idéia.

O socialismo, conforme começou a ser posto em prática por Vladimir Lenin na Rússia a partir de 1917, deveria criar uma sociedade igualitária, livre e sem opressão econômica, administrada por conselhos de cidadãos e trabalhadores (os sovietes, que deram nome ao novo país). No entanto, depois da morte de Lenin, Stalin mudou radicalmente a proposta, arruinando os sovietes, e toda a gestão política, econômica, e até científica e cultural, era dirigida por uma classe de burocratas controlados pela mão onipresente e onipotente do Guia Genial dos Povos. A URSS passou a ser uma tirania onde toda a propriedade pertencia ao Estado, muito longe da proposta socialista original da autodeterminação e liberdade dos trabalhadores.

Os EUA também passaram por algo semelhante. O liberalismo proposto por Benjamin Franklin, Thomas Jefferson e George Washington era o de um país de pequenos proprietários, vivendo em estados independentes e com ampla autonomia, unidos apenas por uma breve constituição que garantia direitos e liberdades a todos os cidadãos (embora havia dúvidas se os africanos, então escravos, deveriam ser considerados cidadãos). Logo, porém, a situação mudou, e os EUA se tornou um império fortemente centralizado e opressor de outros povos, já na primeira metade do século XIX: o México perdeu quase metade de seu território em 1846, numa guerra iniciada pelos EUA: Internamente, o país passou a ser dominado por grandes oligopólios, que cresceram rapidamente graças à ausência de controle estatal, e arruinaram as pequenas propriedades e empresas. Os EUA se tornaram uma tirania capitalista, onde algumas poucas corporações mandam no país.

Na década de 50, o então presidente dos EUA Dwight Eisenhower nomeou a Charles Wilson, presidente da General Motors, como seu ministro de defesa. Os cidadãos estadunidenses então se perguntaram se seria correta tanta interferência de uma grande empresa na política do país, e Wilson respondeu: “O que é bom para os EUA é bom para a GM, e vice-versa”, o que gerou um escândalo. Hoje, durante a administração Bush, ninguém oculta as ligações do governo com o grande poder econômico. A guerra do Iraque, que sacrificou mais de 1000 soldados norte-americanos, trucidou vários milhares de civis iraquianos e consumiu, até o momento, 100 bilhões de dólares, foi declarada apenas para aumentar o lucro de umas poucas empresas.

O capitalismo, assim como o socialismo, se mostrou uma utopia irrealizável: não trouxe a prosperidade, paz e liberdade universais, apenas tirania, submissão da maioria pela minoria e guerras de conquista (principalmente por parte da principal potência capitalista). O fim do socialismo não se deveu à sua ineficácia, e muito menos ao fato de não existir liberdade (que só existiria no sistema capitalista, segundo seus apólogos), mas a uma casualidade histórica, um grande golpe do acaso. O capitalismo é, afinal de contas, tão ineficiente e pouco livre quanto o socialismo soviético.

Poderíamos então resumir esta idéia, afirmando que, em suas formas mais radicais, socialismo e capitalismo, esquerda e direita, são igualmente tirânicas, apenas mudando quanto à forma: a primeira é a tirania do Estado, e a segunda a do poder econômico.

O que seria, então, uma sociedade livre, em sua forma mais pura? Aquela onde não houvesse Estado nem nenhuma instituição coercitiva (polícia, tribunais, forças armadas), e todos fossem pequenos proprietários, cooperando entre si livre e espontaneamente. Claro está que atualmente não há uma tal sociedade, e dificilmente poderia vir a existir num futuro próximo.

E qual seria a sociedade, existente hoje, mais próxima possível da totalmente livre? A que juntasse o melhor do capitalismo e do socialismo: instituições políticas democráticas (multipartidarismo, divisão de poderes, sufrágio universal, liberdade de pensamento e de expressão), com forte intervenção estatal para impedir a formação de monopólios e oligopólios, impostos crescentes sobre grandes propriedades e fortunas, para melhor distribuição da renda, e neutralidade externa, para não envolver-se em guerras. Pouquíssimos países, como Suécia e Suiça, satisfazem esses requisitos, e são os mais livres que existem na atualidade.

Carlo MOIANA Pravda.ru Buenos Aires

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