Política externa do Japão

A pergunta que se impõe na sequência da crise que surgiu entre o Japão e a Coreia do Sul é a seguinte: o que aconteceu foi uma casualidade, algo desagradável que se abateu sobre o Governo nipónico, ou uma acção política infeliz?

À primeira vista, é óbvio que um litígio territorial com a Coreia do Sul é a última coisa que precisaria agora o Japão. A controvérsia surgiu quando as autoridades duma prefeitura japonesa, Shimane, adoptaram uma lei que estabelece o "Dia de Takeshima". Trata-se de várias pequenas ilhas com uma superfície total de 0,23 km quadrados que pertencem desde 1950 à República da Coreia, situadas a 100 milhas do litoral nipónico e a 46 milhas da costa sul-coreana. O nome coreano deste arquipélago é Dokdo. Este arquipélago tem uma longa história de transferência para o Japão depois para a Coreia, e vice-versa, mas só no papel na maioria dos casos.

Por exemplo, estas ilhas foram anexadas à Coreia e integrados na prefeitura de Shimane há cem anos, a 22 de Fevereiro, depois da guerra russo-nipônica de 1904-1905, que a Rússia perdeu, tendo sido obrigada a retirar-se da península coreana e possibilitando deste modo a sua dominação absoluta pelo Japão. No mesmo ano o vencedor assumiu a política externa da Coreia. Formalmente, a ocupação da península pelas forças armadas japonesas foi efectuada no período de 1910 a 1945, ano assinalado pela capitulação do Japão na Segunda Guerra Mundial e, subsequentemente, pela perda de todos os territórios anteriormente ocupados, inclusive uma parte considerável da China, algumas regiões da Rússia, Indonésia, Malásia, Birmânia e outros. O passado colonial acabou e o Japão tornou-se um país diferente, circunscrevendo-se de novo nos seus limites nacionais. Pelo menos, foi assim que os países vizinhos interpretaram os resultados da guerra.

Agora temos uma iniciativa local, que deu impulso a uma campanha propagandística por todo o Japão no "Dia de Takeshima" (22 de Fevereiro), cujo objectivo é "elevar o nível da compreensão pela população japonesa do facto de os coreanos manterem sem fundamento territórios japoneses", conforme refere o documento.

E como é que devem reagir os vizinhos do Japão, incluindo grandes países como a Rússia e a China? "O ressurgimento do espírito militarista do Japão", "revanchismo": foi assim que os países asiáticos têm caracterizado a "crise de Takeshima". Com efeito, se a opinião pública do país, com a teimosia e a perseverança tipicamente japonesa, continuar a contestar os resultados da Segunda Guerra Mundial, se as novas gerações do país ficarem com a ideia inculcada de que os vencedores trataram injustamente o Japão, a analogia com a situação que reinava na Alemanha no período entre a primeira e segunda guerras mundiais torna-se bem patente. Teoricamente uma nação com uma tal consciência pode com efeito tornar-se perigosa para os países que já viraram as páginas do passado: os Estados Unidos, a Rússia, a China, as duas Coreias.

Tanto mais que esta história tem precedentes. Existe um litígio análogo com a Rússia pela posse de quatro ilhas do arquipélago das Curilhas, que mantém até agora pendente a assinatura do acordo de paz entre dois países. E agora temos mais uma comprovação de que o problema vai muito além da situação especial da Rússia, mas reside sim no Japão, e na sua peculiar psicologia nacional.

Então, quem precisa de tudo isto? Segundo uma versão, trata-se duma situação típica da diplomacia internacional nos últimos anos, quando em um ou outro país emergem ao nível da sociedade civil iniciativas que destroem a política externa do país. E, face a esta situação, a diplomacia vê-se obrigada a bater-se em duas frentes - uma fora do país e outra dentro das suas fronteiras - a fim de defender os interesses nacionais. Os diplomatas de todo o mundo não sabem até ao fim o que deve ser feito em situações semelhantes. O exemplo disso são as sanções decretadas por alguns dos estados dos EUA contra uns ou outros países. Já houve casos destes, embora sejam pouco conhecidos.

Neste caso temos, ao que parece, um problema idêntico, que causa significativos danos ao Governo de Junichiro Koizumi, antes de tudo. Por que teria Tóquio iniciado um conflito com a Coreia do Sul precisamente no "Ano de Amizade" proclamado por ocasião do 40.º aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas? Diga-se aqui de passagem que a Coreia do Norte nesta controvérsia não está evidentemente do lado do Japão. Para que será necessário atiçar as suspeitas por parte da China, que também tem com o Japão um conflito idêntico - isto é, pelas ilhas que se encontram sob a jurisdição japonesa? Para quê complicar as relações com a Rússia, cujo litígio territorial é igual ao caso coreano? Se o Japão actual tem um apetite crescente a novos e novos territórios que lhe pertenceram nos séculos XIX ou XX ou nos séculos ainda mais remotos, que sentido tem implementar a Declaração Russo-Nipônica de 1956, segundo a qual duas ilhas do arquipélago das Curilhas deverão ser devolvidas ao Japão? De todas as maneiras, a opinião pública do país irá empurrar as autoridades a apresentar novas e novas exigências territoriais e ninguém sabe onde tudo terminará.

Quer dizer, com a sua iniciativa a prefeitura de Shimane, cuja assembleia votou quase por unanimidade a favor da lei escandalosa, quase que invalidou os esforços de Tóquio de construir uma política externa mais ou menos normal, deixando o Japão num semi-isolamento.

Outra versão aponta que por trás das acções legislativas da pequena prefeitura estaria o Governo central. E o esquema que foi utilizado foi quase o mesmo que no caso com a Rússia, quando as reivindicações territoriais das prefeituras locais da ilha de Hokkaido em relação à Federação Russa ganharam com o passar do tempo o vulto de política nacional. Como comprovação pode ser indicada a renúncia do primeiro-ministro Koizumi de se juntar-se aos líderes de outros países que virão em Maio a Moscovo para comemorar o fim da Segunda Guerra Mundial. O sentido latente desta decisão pode ser interpretado como relutância a conformar-se com os resultados desta guerra, como intenção de retardar as conversações sobre os problemas territoriais com a Rússia.

Esta outra suposição parece pouco provável, porque se tudo isso se vier a concretizar, o Japão nada receberá e, ainda por cima, acabará por perder muito mais. Por isso, os vizinhos deverão acompanhar com atenção o comportamento do Gabinete Koizuni no conflito com os sul-coreanos.

Dmitri Kossyrev observador político RIA "Novosti"

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