O fascista Uribe visto por Antonio Caballero

A história da Bolívia, terra da grande civilização Tiahuanaco, berço dos povos aymara, auge andino de onde o condor levantou por século seu vôo simbolizando a liberdade de collas, pacajes, lupacas e omasuyos, foi a forja em que o inca Pachacuti Yapanqui forjara o Collasuyu para sentir o abraço do mar abrigando seu império. Essa terra e esse povo, unidos na simbiose da matéria e no espírito que Pachamama encerra em uma dialética que só é compreensível dentro da dimensão mais criativa da mentalidade humana, possui uma história que, apesar das graves feridas da brutal conquista espanhola, perdura como realidade na qual um povo digno tem lutado para manter como valores fundamentais, os aspectos originais de sua identidade indígena e de sua resistência bolivariana que evocam Viracocha, mestre do universo, emergindo desde o Titicaca para empreender, em sua camada divina, as viagens nas quais difundia o conhecimento pelos Andes, como rememoram os nomes de Junín e o épico repique de sabres e estouro de pólvora na derrota de La Serna e da coroa espanhola em mãos do Marechal da América.

Tudo isso e mais nos deve ser colocados presente, que tanto em tempos do Tiahuanaco, assim como nos do Collasuyo, ou na época da Real Audiência de Charcas, ou nos dias em que se erigiu em república pelas mãos do Libertador, a Bolívia – com seu espírito soberano -, estendia seus domínios sobre o horizonte de ondas salitres do oeste.

Esta república que, nas palavras do Libertador, “... nasceu coroada com os louros de Ayacucho”, ainda que se somente tomamos a referência da era pós-colonial, devemos dizer que viu a luz do projeto da América unificada, com uma constituição que, segundo a pluma de Bolívar, compreendia “os Departamentos de Potosí, Chuquisaca, La Paz, Santacruz, Cochabamba e Oruro”. E aquele Potosí do qual falara a Constituição do padre nosso americano, incluía o mesmo território que se estendia desde a vista de Pachacuti Yupanqui até o mar.

Neste país irmão, onde também existem ingentes recursos naturais, se deu em fins de setembro do ano passado, o levantamento popular contra os saqueadores oligarcas e ianques que, além de roubar seus minerais, pretendem tomar de maneira total o gás. Mas este povo resiste e continuará resistindo até encontrar com toda a América Latina e Caribe sua definitiva independência.

Que lição de dignidade deu a Bolívia ao mundo! Pelos caminhos do Oruro marcharam os pés da decisão e do decoro até Ventilla, carregando com mineiros, operários, desempregados, lavradores, sindicalistas, patriotas de toda índole..., povo aymara, quéchua e mestiço empobrecido. Desde huanuni, Paillimani, em Chorros, Machacamarca, e em Caracollo e Patacamay..., e no Allo-allo, e La Paz, e em Sucre e na alma do Collosuyo, deram-se passos de avanço, levantaram-se barricadas de resistência, foram vistos protestos antioligárquicos e antiianques, antiimperialistas e esperançosos pela soberania do povo boliviano.

Horas e horas de caminhada como mensageiros de esperança; horas e horas de ensinamento para a Améica das autoridades de cobre e terra do Tiahuanaco, transmutados em combatentes da dignidade, indicaram qual é o caminho que deve seguir o continente para que este mundo, realmente, seja melhor.

Na Bolívia se ganhou uma batalha contra o imperialismo na defesa que este povo irmão tem feito, não só do gás, mas de toda a pátria e da probidade de Nossa América. O manejo desse importante recurso, o gás, por transnacionais britânicas e ianques deve parar; e um bom passo para isso é o de esmagar o entreguismo de oligarcas vende-pátria como Sánchez de Losada, pois aí está metido a assunto da dignidade.

Os mais de 120 mortos bolivianos de setembro não podem ficar na impunidade. Ainda se requer muito para que haja uma verdadeira justiça para este povo sofrido. Que melhor gesto de apoio seria a solidariedade para com todas suas lutas, mas em especial para com seu clamor para que se restabeleça seu direito de uma saída pelo mar. Com respeito a esta aspiração que já não é só dos bolivianos, apesar de Ricardo Lagos, a vontade de Salvador Allende há de se cumprir: a Bolívia terá mar.

E não deixa de ser irônico observar que enquanto o governo de Lagos, traidor da Unidade Popular e da honra chilena, não coloca obstáculo para vender seu país e se fazer de ponta de lança na implantação da Alca no continente, enquanto oferece como canal e porto para o roubo do gás que promete deixar lucros de pelos menos US$ 1,3 bilhão anuais para os Estados Unidos. Sim, dói-lhe ter que devolver o que por direito e tradição imemorial pertence aos filhos de Viracocha e de Bolívar, de Tupac Katari e Bartolina Sisa, que se negam a não poder pisar a areia de uma praia própria.

Do mais alto do Illampú, da memória de quéchuas e aymaras, e da voz solidária dos povos da América Nossa gritam, que no sonho de unidade do Libertador, a Bolívia é acariciada pelo mar.

Estão ferrados Não se pode ocultar mais o vínculo entre o exército e os paramilitares

Negam-no durante muito tempo, mas já não é possível continuar tapando o sol com a peneira. O nexo entre o exército e os paramilitares emerge da obscuridade para se revelar plenamente como uma brutal estratégia contra-insurrecional do Estado. O recente “destape” do general Jaime Alberto Uscátegui, investigado pelo massacre de 47 habitantes de Mapiripán, deixa desnuda a mencionada estratégia como crime de lesa-humanidade e de terror imputável ao Estado colombiano.

Sabia-se desde há muitos anos: o Regulamento de Combate de Contra-guerrilha, edição 1969, define sem rodeios o paramilitarismo como uma “organização de tipo militar que se faz com pessoal civil selecionado da zona de combate, que se treina e equipa para desenvolver ações contra-insurrecionais. Sua organização deve, portanto, estar sob a dependência militar em todo momento. O exército deve lhe prestar apoio necessário para a aquisição de armamento e expedição de salvo-condutos. Em alguns casos podem ser dotados gratuitamente com armas e munições de uso privativo das Forças Armadas”.

O general Farouk Yanine Díaz, acusado pela matança de mais de 600 camponeses no estado do Magdalena Médio, instruía que o paramilitarismo devia ser estruturado como “força irregular para realizar o que o exército não podia executar abertamente”.

Em nome desta estratégia contra-insurrecional do Estado se varreu a chumbo a União Patriótica. Foram mais de 4 mil dirigentes, ativistas e militantes desta organização assassinados em nome do paramilitarismo.

O general Iván Ramírez Quintero, como chefe da Primeira Divisão do Exército, encarregou-se pessoalmente de trasladar a experiência paramilitar de Urabá à Costa Caribe colombiana.

Os nomes de outros generais como Rito Alejo del Rio, Carreño Sandoval (atual comandante do Exército), Herrera Verbel, não serão apagados jamais da memória dos camponeses sobreviventes e refugiados. Como esquecer, por exemplo, o nome do general Francisco René Pedraza, co-autor do horripilante massacre do Alto Naya? Talvez não se saiba que o general Carlos Ospina (atual comandante das Forças Armadas), sendo comandante da IV brigada, foi ferido em uma perna quando, de um helicóptero, prestava apoio a um grupo paramilitar que estava sendo dizimado pela guerrilha das FARC em Murindó.

O bando “La Terraza”, que trabalhou com os paramilitares, expôs em uma carta aberta ao presidente Pastrana o seguinte: “Carlos Castaño é uma marionete; o verdadeiro comandante das Auc (Autodefesas Unidas da Colômbia) é o general Jorge Enrique Mora Rangel”.

O país deve conhecer a verdade sobre este obscuro nexo que tanta dor, luto e desgraça tem causado a milhões de colombianos.

O general do Exército, Jaime Alberto Uscátegui, processado por sua suposta participação no massacre de Mapiripán (estado do Meta), onde com moto-serras, facões e tiros foram ceifadas as vidas de mais de 40 camponeses indefesos, ratifica a denúncia que todo o país conhece: o nexo criminoso do Exército da Colômbia com os paramilitares. Aqui estão para os leitores de Resistência, a revista internacional das FARC, suas impressionantes denúncias:

“Com esta questão (o massacre de Mapiripán), já descobri o que foi que aconteceu. É sumamente grave, gravíssimo, porque se comprovou uma questão que nós toda a vida temos negado, que é o vínculo dos militares com os paramilitares”.

“Aqui veio o general Mora falar comigo. Eu lhe disse: veja meu general, eu estou por aqui de tudo isso. Os senhores sabem que eu sou inocente e deixaram isto ir longe demais. Então marquemos passos... marquemos passos. Eu estou esperando que este promotor derrube isso, mas se não o derruba, eu vou a julgamento e não vou me deixar meter 40 anos. O que eu sei está no processo, o que acontece é que o têm engavetado porque não querem que saia a público, mas o que está aí o torno público se for a julgamento”.

“... Os panfletos que entregaram as autodefesas no massacre de Mapiripán foram feitos nesse computador (o do Sargento Gamarra do batalhão Paris). Da mesma forma fizeram com os panfletos que entregaram 8 meses depois em Porto Alvira, que é um município de Mapiripán... (sic) nessa brigada estava Freddy Padilla de Leon...”.

“Os aviões que transportaram a carga e os paramilitares saíram do aeroporto Los Cedros em Urabá e do aeroporto de Necoclí. Em um vinham paras e no outro vinha a carga. As declarações da polícia, que estão ali escondidas no processo dizem que os paramilitares saíram escoltados pelo exército nacional, ou seja, que o vínculo com os paramilitares não só era no estado do Guaviare, mas que vinha do Urabá antioquenho (do estado de Antioquia). Verdadeiríssimo!”

“... Os mortos passaram de 300... Utilizaram técnicas macabras, facãozadas, moto-serras e depois os queimaram com ácidos e as cinzas foram jogadas no rio. Isso é verdade, mas esse documento também o esconderam”.

“Então o tenente diz à Brigada Móvil 2 e ao Batalhão Paris que os paras estavam a 8 quilômetros de San José del Guaviare, mas não atuaram. Vinham de saída, podiam tê-los capturado e se teria solucionado em algo o problema. Depois o tenente diz a Orozco e a Lino que vêm as FARC, porque o Mono Jojoy as manou da Macarena para atacar os paramilitares (...). O que fez o móvil 2? Uma operação contra as FARC e colocou um colchão de ar ou de segurança para que os paras saíssem. Isto é gravíssimo e é um segredo... Que cara vão fazer os representantes das FARC quando eu for à Corte Suprema de Justiça e lhes diga: veja, o exército não só tem vínculos, não só não os combateu, mas que combateu as FARC para que não golpeassem os paras?...”.

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