Reforma da ONU, um problema que já amadureceu

O desenvolvimento real da situação no mundo enveredou pela via de crescimento de grandes e pequenos conflitos armados em diferentes regiões do globo - inclusive, pela primeira vez depois do fim da Segunda Guerra Mundial, no continente europeu - que levam à morte de milhares de pessoas, especialmente entre a população civil. Estes conflitos são provocados não apenas por contradições ideológicas, políticas, económicas e territoriais, mas também e em grau cada vez maior pelo separatismo e extremismo étnico e religioso. Nos últimos anos, o terrorismo internacional tem começado a representar uma especial ameaça. Ao mesmo tempo, são mais frequentes os casos de violação dos regimes internacionais de controlo sobre armas de extermínio em massa e seus vectores. O crescimento destas tendências perigosas nas relações internacionais exige, sem dúvida, que a comunidade internacional aplique medidas decisivas e urgentes de luta contra as novas ameaças à humanidade. Ao que parece, esta luta, de acordo com as normas do direito internacional em vigor, deveria ser dirigida pelo Conselho de Segurança da ONU. Contudo, na prática, o CS da ONU não apenas não justifica as esperanças nele depositadas, mas, de facto, perde cada vez mais o seu prestígio no mundo.

Entre muitas causas, tal explica-se em primeiro lugar pelas consequências da política de unilateralismo aplicada pelos Estados Unidos e voltada para assegurar acções vantajosas para este país no palco internacional, inclusive pela via da força, contornando o Conselho de Segurança e a ONU. É evidente que se estas acções destrutivas forem prosseguidas, a ONU poderá vir a ter o destino da Liga das Nações e a humanidade - o regresso à época em que nas relações internacionais reinará inteiramente o direito à força e não o direito à lei.

Sem dúvida, nas condições que se formaram é necessário reforçar as normas do direito internacional e elevar sensivelmente a eficácia das decisões tomadas pelo Conselho de Segurança da ONU. Ao mesmo tempo, é pouco provável alcançá-lo sem uma reforma da ONU, desde há muito amadurecida, em que devem ser reflectidas as mudanças profundas decorridas no mundo em 60 anos após a aprovação da Carta da ONU.

Entre as numerosas propostas para a reforma da ONU suscita evidente interesse o relatório elaborado por iniciativa do Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, a 2 de Dezembro, divulgado há dias. O documento foi elaborado pelo chamado "grupo de sábios" - 16 personalidades eminentes que representam diferentes regiões do mundo e várias esferas da actualidade - política, militar, diplomática, económica e social. O relatório é intitulado "Mundo mais seguro: a nossa responsabilidade comum". A Rússia está representada no "grupo de sábios" pelo académico Evgueni Primakov.

De mais das cem recomendações contidas no relatório o maior interesse representam aquelas que propõem reorganizar o Conselho de Segurança da ONU aumentando o número dos seus membros permanentes.

Concordo, primeiro, com a possibilidade de conceder o estatuto de membro permanente do CS da ONU à Alemanha e ao Japão e de, respectivamente, colocar um ponto final nos resultados da Segunda Guerra Mundial. Segundo, considero que na composição dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU podem (e devem) entrar os novos líderes da África, Ásia e América Latina, o mais provavelmente na pessoa do Brasil, Índia, Egipto e também Nigéria ou República da África do Sul.

Convém assinalar que o próprio facto do alargamento do número de membros permanentes do Conselho de Segurança dos actuais 5 (Rússia, Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, China) mais do que para o dobro poderá vir a criar uma situação qualitativamente nova no sistema das relações internacionais. O Conselho de Segurança, em composição renovada, poderá mais adequadamente reagir aos ânimos e tendências predominantes no mundo contemporâneo e elaborar respostas mais eficazes aos desafios e ameaças mais importantes na esfera da segurança internacional. É extremamente importante a circunstância de entre os novos membros permanentes do CS da ONU figurarem países cujos povos e líderes lutaram activamente pela abolição do sistema colonial, pela igualdade de direitos nas relações políticas e económicas internacionais, contra as últimas manifestações de racismo e neocolonialismo.

O alargamento do número de membros permanentes do CS da ONU, a tornar-se realidade, irá reforçar substancialmente a tendência para a formação de um mundo multipolar, fazendo com que a tomada de decisões para garantir a sua segurança seja mais democrática e eficaz.

Ao mesmo tempo, não é por acaso que a reforma proposta está a ser alvo de críticas, em primeiro lugar da parte daqueles que seguem os princípios de unipolaridade e unilateralismo nas relações internacionais contemporâneas. Os críticos da reforma, se não se manifestam contra o alargamento do número de membros permanentes do CS da ONU, pronunciam-se, no mínimo, pela limitação dos seus direitos, em particular pela não concessão do direito de veto.

A posição da Rússia em relação à reforma da ONU e do seu Conselho de Segurança é bem definida e coerente. Moscovo, em particular, expressa-se pelo alargamento do número de membros permanentes do Conselho de Segurança e, ao mesmo tempo, pela concessão do direito de veto a todos os novos membros do CS. Só neste caso, na opinião da Rússia, seria possível elevar o prestígio do Conselho de Segurança renovado durante o debate na ONU dos mais importantes e complexos problemas da actualidade.

Guennadi Tchufrin, vice-director do Instituto de Economia Mundial e Relações Internacionais, membro-correspondente da Academia das Ciências da Rússia

© RIAN

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