Choque e pavor

Por incrível que pareça, o povo dos Estados Unidos da América – ou seja, pouco mais que metade, decidiu virar as mesas: mais quatro anos dum regime que gastou 200 bilhões de dólares no seu acto de chacina no Iraque, mais quatro anos dum regime que foi responsável por assassínio numa escala não visto desde Vietname, responsável por quebrar a Carta da ONU e a Convenção de Genebra e por se divorciar da corrente de opinião pública mundial.

Muito bem. Então os cidadãos dos EUA, num processo livre e democrático, deram o sim a mais do mesmo…se o processo foi verdadeiramente livre e justo.

Por assim fazer, os cidadãos dos EUA aceitam uma responsabilidade colectiva pelas consequências que resultam daquilo que fizeram. Há quatro anos, se podia argumentar que ninguém sabia que o regime de Bush iria personificar mentiras, chantagem, documentos forjados, prepotência, insultos à comunidade internacional, o lançamento dum acto de chacina, a matança de dezenas de milhares de civis inocentes. O assassínio de mulheres, crianças, bebés. Passados quatro anos, depois de saberem toda a verdade sobre aquilo que o regime de Bush representa e pelo que é responsável, ninguém pode dizer que se enganou ou que foi enganado ou que não sabia em que ou por que estava a votar. Por isso, colectivamente, os cidadãos dos EUA, ou pouco mais de metade deles, dão seu aval aos actos de tortura em Abu Ghraib, entre muitos outros lugares, dão o aval ao acto de assassínio em grande escala no Iraque, dão o aval à existência do campo de concentração na Baía de Guantanamo, dão o aval à utilização de hardware militar contra instalações civis, dão o aval à utilização de bombas de fragmentação em áreas civis, dão o aval aos crimes de guerra e dão o aval ao clique de elitistas super-ricos que gravitam à volta da Casa Branca e que ditam sua política, a ficarem ainda mais ricos e gordos ao custo do trabalhador.

Passados quatro anos, o povo norte-americano comprou e vestiu um manto colectivo de responsabilidade, que terão de vestir durante quatro longos anos e pelo qual serão considerados inteiramente culpabilizáveis pelo resto da humanidade.

Passados quatro anos, os cidadãos dos Estados Unidos da América votaram a favor do isolamento, votaram contra a vontade colectiva do resto do mundo, que contempla o cenário com choque e pavor, desacreditando os resultados duma eleição em que George Bush nem teria ganho 30% dos votos em 99% dos países membros da comunidade internacional.

Passados quatro anos, as pessoas que votaram a favor do regime de Bush não têm quaisquer desculpas. Votaram a favor de mentiras, assassínio em grande escala, votaram por uma pessoa e por um regime que viraram as costas ao resto do mundo.

Há 300 milhões de cidadãos dos estados Unidos. Há seis bilhões de cidadãos na comunidade internacional. Se o povo norte-americano votou a favor dum divórcio, que assim seja, nós cá fora nos arranjamos muito bem.

A tragédia é que metade da população dos EUA, as pessoas boas e com mentes saudáveis que entenderam a farsa de Bush por aquilo que é, terão de pagar as consequências pela cegueira política e casmurrice coletivo demonstrado pela outra metade. O resultado do dia 2 de Novembro é um país dividido entre aqueles que sabem o que fazem e aqueles que são aparentemente facilmente enganados, uma América dividida entre aqueles que querem casar-se com a comunidade internacional e aqueles que querem divorciar-se desta.

A comunidade internacional nunca mais irá permitir que Washington faça mais actos de chacina, por isso a influência desta eleição sobre as vidas diárias dos cidadãos do resto do mundo será relativa. A questão agora é se o resto do mundo irá querer fazer quaisquer laços com um povo que dá um segundo mandato a uma pessoa e um regime como aquele de Bush, que diz “sim” a um assassino e a um criminoso de guerra.

O povo dos Estados Unidos da América quer mais do mesmo. Fizeram a cama em que terão de se deitar durante 1.460 longos dias.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter

Author`s name Pravda.Ru Jornal
X