Pobre Notre Dame

Pobre Notre Dame. Pobre Quasímodo. Pobre Paris

Jolivaldo Freitas

Chora Victor Hugo. Chora Quasímodo. Chora a França. Chora o mundo. Choram todas as religiões nesta Semana Santa, onde a coincidência traz mais um sofrimento a colar no sofrimento dos Cristãos, que se prostram na lembrança da morte de Jesus Cristo, em seu martírio. Sente-se o martírio das Gárgulas e da humanidade culta e sensível, com a "morte" em lenta agonia da Catedral de Notre Dame. O incêndio me cala. Levei anos querendo conhecer Paris e, como escritor e leitor, ver onde Victor Hugo se inspirou para escrever "O Corcunda de Notre Dame". Medo de avião, insegurança, tudo me impedia de ir até que em novembro do ano passado tomei coragem e segui viagem. Passei quase um dia inteiro olhando a catedral que estava em obras. Observando as imensas imagens em cada cubículo que dividia a igreja, seus vitrais e quase vi o vulto de Quasímodo num vão escuro entre as duas torres e os 387 degraus. Se eu não tivesse ido...

A catedral era o monumento (perdeu seu epíteto de igreja ou de museu e ficou mais grandiosa) mais visitado da Europa. Mais de 19 milhões de turistas atravessavam as pontes que dão na ilha para ver sua arquitetura que levou quase dois séculos para ser erguida e que nunca chegou a ser finalizada. Obra que vinha sendo raizada desde 1163 num estilo que ninguém ousaria classificar tanta mistura desde a primeira pedra. Coisa da Idade Média. Algo oriundo somente do espírito. Dizem que é mais que gótica. Sua torre, qual um minarete foi a primeira cair com o fogo.

E ele levou o Portal do Julgamento que mostrava o que seria o Juízo Final.  O que será feito da cripta só descoberta no século passado? O pináculo. A nave de 127 metros de comprimento? Os vitrais retratavam as cenas do Antigo Testamento. Os vitrais refazendo Jesus Cristo, apóstolos, anjos e santos e o povo.   O que o fogo fez pela catedral nem a Guerra dos Cem Anos nem a Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra ou a Revolução Francesa tinham feito.

Por sua história passam personagem como em 1431 quando o Rei Henrique VI, da Inglaterra, foi coroado. Napoleão Bonaparte foi coroado lá numa cena marcante em que toma a coroa das mãos do papa e coloca na cabeça, deixando claro que seu poder vem do alto. O escritor francês Vitor Hugo em 1831 se inspirou na igreja para escrever "O Corcunda de Notre-Dame" . Não se sabe se o escritor foi para o céu. A igreja quando foi construída a mando do bispo Sully de Paris tinha como prerrogativa ficar o mais perto do céu quanto fosse possível. E tinha de elevar ainda mais o brilho do sol através dos seus vitrais, para dar uma m ostra da beleza que seria o paraíso onde se esperava o povo que andava na miséria e perebento.

E as gárgulas que resistiram ao tempo? Guardiãs do templo. Espantando o mal e com a função humana de servir como bica em dias de chuva. E o Quasímodo - ser da ficção - que vem logo à mente e se procurava no escuro das torres. Quasímodo, o corcunda, que representa bem o drama de ontem e hoje. Quasímodo cujo significado é o domingo seguinte à Sexta-Feira Santa. Quasímodo, símbolo do feio. Como a fumaça. Como a destruição. Notre Dame era única em meio a tantas igrejas. Ficam as imagens da minha viagem que me restam em selfies e nas nas moedas douradas compradas a 5 euros. Resta a dolorida memória, essa que nunca é eterna, como nada é eterno. Nem as igrejas. Meus sentimentos Paris.

Escritor e jornalista: [email protected]

 

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