85 anos sem Rosa Luxemburgo: a rosa vermelha do socialismo (1ª Parte)

Quando da traição da Segunda Internacional, em agosto de 1914, se colocou ao lado de Lênin contra a guerra imperialista e na defesa do socialismo. É fundadora do Partido Comunista Alemão. No discurso de abertura do Congresso de Fundação da Terceira Internacional, em março de 1919, o próprio Lênin homenageou esta heroína do proletariado mundial: a águia polonesa.

O ato final

Era dia 15 de janeiro, as ruas de Berlim estavam tensas, por toda parte viam-se os vestígios dos combates dos dias anteriores. As tropas do exército alemão e os grupos para-militares, os "corpos livres", desfilavam imponentes pelas ruas.

A insurreição parecia ter chegado ao seu final, uma batalha havia sido perdida, mas não a guerra. Assim pensavam Rosa e Karl Liebknecht quando foram seqüestrados e levados ao Hotel Éden para averiguações; de lá deveriam seguir para a prisão, onde já se encontravam centenas de operários revolucionários, mas o cortejo faria um outro caminho — que não era o da prisão nem do exílio. A burguesia e os generais alemães já haviam decretado a sua sentença. Os dois são conduzidos ao zoológico municipal de Berlim onde seriam brutalmente assassinados. Decerto alguém se perguntava: "Quantos tiros seriam necessários para matar o sonho da revolução alemã? No zoológico de Berlim quem seriam os animais?".

Pouco mais tarde dois corpos, sem identificação, são jogados nas águas frias do canal Landwehr. A reação não queria deixar provas do horrendo crime que cometera, mas todos sabiam quem eram os seus autores. Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht estavam mortos, mas a história que eles construíram se manteria viva na consciência dos trabalhadores avançados de todo o mundo.

Os primeiros passos

Quem se prendesse apenas a sua origem social decerto não poderia entender como aquela menina, nascida em 5 de março de 1871, filha de uma abastada família de judeus poloneses, pôde se transformar na Rosa, rosa vermelha, destacada dirigente do movimento comunista internacional. Mas o ambiente efervescente reinante na Polônia, então dominada pela Rússia czarista, levava a que muitos jovens, como Rosa, se engajassem nos movimentos contestatórios, primeiro aderindo ao ativo movimento estudantil contra as estruturas repressivas mantidas pelo governo russo nas escolas polonesas e depois nas lutas mais gerais do movimento operário e socialista. Este também foi o caminho que Rosa escolheu.

Em 1889, com apenas 19 anos, vê-se obrigada a deixar a Polônia para exilar-se em Zurique, onde concluiu os seus estudos, doutorando-se em Economia. No exílio, em 1894, juntamente com seu companheiro Leo Jogiches, ajuda a fundar o Partido Social-Democrata da Polônia. Pouco a pouco Zurique se tornava calma e pequena demais para os grandes planos e para a personalidade agitada de Rosa. Por isso resolve, em 1898, se transferir para o centro da luta de classes do momento, o coração da revolução européia: a Alemanha.

Reforma e revolução

Chegando à Alemanha, ingressa imediatamente no Partido Social-Democrata Alemão (PSDA), o maior partido operário do ocidente, e logo se veria envolvida no centro de numa grande polêmica que agitava todo o partido. Uma polêmica que podia ser traduzida em um único e decisivo dilema: Reforma ou Revolução?

O crescimento relativamente pacífico do capitalismo alemão e europeu, e a conquista de maiores liberdades democráticas, propiciaram avanço eleitoral sem precedente para a social-democracia. Isto levou a que muitos dirigentes acalentassem a esperança de que houvesse outra alternativa para a conquista do socialismo que não fosse a via revolucionária. O principal teórico dessa via reformista foi Bernstein, dirigente do PSDA e, até então, considerado herdeiro de Engels — do qual havia sido amigo.

Bernstein apregoava que o desenvolvimento do capitalismo não levava à monopolização crescente da economia, como afirmava Marx, mas à sua democratização, através do aumento do número de proprietários, graças à introdução das sociedades por ações. Esta tendência levaria a um fortalecimento das classes médias e não à sua redução, eliminando, assim, as previsões "catastróficas" de Marx sobre o choque inevitável entre burgueses e proletários. O desenvolvimento do capitalismo não levaria à crise, pois ele mesmo desenvolveria meios de controle através da melhor organização da produção e do planejamento. O socialismo deixava de ser uma necessidade histórica para se transformar em uma possibilidade cada vez mais remota.

Este tipo de concepção leva Bernstein a elaborar uma nova tática, que privilegiava a luta parlamentar e sindical. Segundo ele, seria através do voto que o trabalhador se elevaria "da condição social de proletário para aquela de cidadão". A luta sindical por melhores condições de trabalho e salários seria o instrumento privilegiado para conduzir a sociedade capitalista, através das reformas econômicas, para o socialismo. Na verdade estas reformas já seriam a própria realização molecular da nova sociedade socialista. É de Bernstein a famosa frase: "o movimento é tudo e o fim nada significa". Rosa foi uma das primeiras a se insurgir contra tais teses que contradiziam a essência do marxismo revolucionário, escrevendo, em 1899, uma das mais belas obras contra o revisionismo de Bernstein: Reforma Social ou Revolução?. Nesta obra ela desmantela, com maestria, uma a uma as teses reformistas, contribuindo, assim, para que elas fossem rejeitadas pela maioria do partido; embora continuassem a exercer grande influência sobre vários de seus dirigentes, que as retomariam em outras ocasiões.

O objetivo final do socialismo, afirma Rosa, "é o único elemento decisivo na distinção entre o socialista e o radical burguês". A política apregoada por Bernstein "visava a uma única coisa: conduzir-nos ao abandono do objetivo último, a revolução social, e, inversamente, fazer da reforma social, de simples meio de luta de classes, em seu fim". Rosa, portanto, não negava o papel das reformas, mas acreditava que "entre a reforma e a revolução devia haver um elo indissolúvel" no qual "a luta pela reforma é o meio e a revolução social é o fim". E quanto à possibilidade de chegarmos gradualmente ao socialismo através de uma legislação social aprovada pelo parlamento burguês, ela diria ironicamente:

"Quanto Bernstein põe a questão de saber se esta ou aquela lei de proteção operária é mais ou menos socialista, podemos responder-lhe que: a melhor das leis (...) tem mais ou menos tanto socialismo como as disposições municipais sobre a limpeza de ruas". As leis sociais aprovadas no parlamento burguês eram importantes apenas à medida que contribuíam para elevar o nível da consciência da classe operária e criavam assim as melhores condições para que ela avançasse na sua luta pelo objetivo final: a conquista do socialismo.

As críticas contundentes e mordazes da pequena Rosa mostram muito bem a sua coragem e o seu espírito revolucionário. Poucos no partido naquele momento ousariam desafiar a autoridade de Bernstein, muito menos compará-lo a um radical burguês. Era uma disputa desigual, mas novamente a história se repetiria e o pequeno Davi venceria o gigante Golias.

As teses de Bernstein são criticadas nos congresso da social-democracia alemã em Hannover (1899), em Lubeck (1901). No congresso de Dresden, em 1903, o dirigente social-democrata Bebel apresentaria uma dura moção contra Bernstein: "O Congresso condena de maneira mais decidida o intento revisionista de alterar a nossa tática, posta à prova várias vezes e vitoriosa, baseada na luta de classes (...) Se adotássemos a política revisionista nos constituiríamos em um partido que se conformaria apenas com a reforma da sociedade burguesa."

O Congresso da Segunda Internacional de 1904, em Amsterdã, foi marcado por este debate e novamente as teses de Bernstein foram derrotadas. Mas ele e seus adeptos continuaram no partido e na Internacional, inclusive na sua direção, e ali esperariam nova oportunidade para retomar ofensiva contra o marxismo revolucionário.

Rosa e a polêmica na social-democracia russa

Em 1904, intervindo numa polêmica russa, faz várias críticas às posições de Lênin sobre a organização do partido social-democrata russo. Rosa julgava as propostas de Lênin tendo como ponto de referência a Alemanha e não a Rússia czarista. A fórmula organizativa de Lênin — partido de revolucionários profissionais — correspondia à situação política vivida na Rússia onde todas as organizações operárias e socialistas eram obrigadas a trabalhar na mais irrestrita ilegalidade (inclusive para os sindicatos classistas). Portanto, a realidade russa impunha uma organização clandestina e centralizada.

Para Lênin os métodos de organização e a abrangência da democracia partidária não poderiam ser considerados abstratamente, fora das condições históricas nas quais o partido deveria atuar. Apesar da crítica feita à política organizativa de Lênin, um ano depois ela estava ao lado dele na defesa da revolução russa de 1905, que mostrava ao proletariado mundial a única via possível para a sua emancipação. Rosa passa, então, a estruturar a ala esquerda do PSDA.

Contra a burocracia sindical

A social-democracia alemã já havia desenvolvido a compreensão de que o partido revolucionário era uma forma superior de organização da classe operária. Era o partido, como vanguarda da classe, que deveria dar a direção política às organizações sindicais e populares.

Bebel, um dos principais dirigentes da social-democracia alemã, já havia dito: "Não é da ação sindical que devemos esperar a tomada de possessões dos meios de produção. É preciso, antes de tudo, tomar o governo que monta guarda ao redor da classe capitalista". Isto só poderia ser conseguido através da luta política-revolucionária, dirigida pelo partido social-democrata.

Mas o rápido crescimento dos sindicatos iria criar distorções na relação entre os dirigentes partidários e sindicais. Em 1904 o número de sindicalizados ultrapassava a marca de um milhão. O de filiados ao partido social-democrata não chegava a 400 mil.

O crescimento do número de sindicalizados, o maior desenvolvimento da economia capitalista, que possibilitava aos patrões fazer maiores concessões aos trabalhadores organizados, permitiu a construção de poderosas máquinas sindicais (sedes, gráficas, editoras, clubes e inúmeros funcionários) e acumulação de vultuosos fundos financeiros.

Neste período aparece, com força, o fenômeno do burocratismo. Não é sem razão que as direções dos sindicatos alemães foram tomadas de verdadeiro pavor quando a revolução russa de 1905 veio a abalar o curso do desenvolvimento "pacífico" do capitalismo alemão. O órgão oficial da central sindical social-democrata afirmaria: "Não somos de nenhum modo partidário das demonstrações de rua". O congresso sindical realizado em Colônia chegou mesmo a aprovar uma resolução contrária à utilização da greve geral como instrumento de pressão operária contra o Estado e os patrões. Para os burocratas sindicais qualquer ação mais ampla e radical das massas operárias levaria necessariamente a uma desorganização dos sindicatos e ao fim da sua hegemonia.

Rosa faz, então, uma dura crítica aos dirigentes sindicais, apontando as causas do seu reformismo. "Os funcionários sindicais, afirma ela, tornaram-se vítimas da burocracia e de uma certa estreiteza de perspectiva devido à especialização da sua atividade profissional e mesquinhez dos seus horizontes, resultado de um fracionamento das lutas econômicas em período de calmaria. Esses dois defeitos manifestam-se em diversas tendências que podem ser fatais para o futuro do movimento sindical. Uma delas consiste em sobrevalorizar a organização transformando-a, pouco a pouco, num fim em si mesmo e considerando-a um bem supremo a que os interesses da luta devem ser subordinados. Assim se explica (...) essa hesitação ante o fim incerto das realizações de massas e enfim a sobrevalorização da própria luta sindical (...) E, no fim das contas, o hábito de silenciar sobre os limites objetivos impostos pela ordem burguesa à luta sindical, transforma-se numa guerra aberta a qualquer crítica teórica que acentue esses limites e lembre o fim último do movimento operário."

Quando o Congresso do PSDA realizado em Jena aprova, em tese, a importância da greve geral e a possibilidade de sua utilização em casos excepcionais, os líderes sindicais não perderam tempo e formularam a tese sobre a necessidade da independência dos sindicatos em relação ao Partido e ratificam sua posição antigreve. Legien, o principal dirigente sindical da social-democracia na Alemanha, afirmaria: "para os sindicatos o que conta não é a resolução tomada no Congresso de Jena, mas a tomada em Colônia".

Rosa seria uma das principais críticas desse oportunismo sindicalista. "Os sindicatos, afirmaria ela, representam os interesses de grupos particulares (...) a social-democracia representa a classe operária e os interesses gerais de sua emancipação (...) As ligações dos sindicatos com partido socialista são as de uma parte com o todo". A chamada "igualdade de direito" entre sindicatos e o partido socialista não seria "um simples mal entendido, uma simples confusão teórica, mas exprimiria uma tendência bem conhecida da ala oportunista".

Defendendo o ponto de vista predominante até então no seio da social-democracia ela se coloca contra o fato "monstruoso" de que nos congressos do partido e dos sindicatos os militantes socialistas estivessem fazendo aprovar resoluções não apenas diferentes como opostas. Para solucionar o impasse ela propõe "subordinar de novo os sindicatos ao partido, para o interesse próprio das duas organizações. Não se trata de destruir a estrutura sindical no partido, trata-se de estabelecer entre as direções do partido e os sindicatos (...) uma relação entre o movimento operário em seu conjunto e o fenômeno particular e parcial chamado sindicato".

A contradição entre as direções dos sindicatos e do partido só existiu enquanto a maioria da direção sindical se manteve à direita da direção partidária. Com o passar do tempo e a vitória das teses revisionistas e reformistas no interior do próprio partido as posições destas duas instâncias tenderam a se harmonizar.

Augusto César Buonicore, Historiador, doutorando em Ciências Sociais pela Unicamp, membro do Comitê Estadual de São Paulo, do Comitê Central do PCdoB e do Conselho de Redação da revista Debate Sindical.

Augusto César Buonicore

__________ Este artigo foi publicado originalmente na revista Debate Sindical nº 30, jul/ago/1999

Diário Vermelho

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