O mundo "vai pra Cuba". Ou quer ir

No parque Fe del Valle, no final de uma rua no centro de Havana ocupada pelas cenas habituais de filas para a padaria e carros desbotados dos anos 1950 que circulam entre montes de entulho, há uma visão fugaz de uma Cuba diferente. Todo banco, muro, lata de lixo e vaso de planta nessa praça cercada de árvores é ocupado por corpos debruçados sobre notebooks e em torno de smartphones, que tocam seus tablets e gesticulam sobre as telas.

por Oliver Wainwright, em Havana - Carta Capital

Três gerações de uma família estão amontoadas em torno de um telefone, as crianças brigam para ver qual consegue usar os fones de ouvido enquanto a avó ergue um bebê até a câmera para que parentes em Miami, que eles não veem há anos, possam verificar o recém-chegado à família. Ali perto, dois irmãos percorrem o Facebook para checar as últimas consultas sobre sua pousada, com o notebook equilibrado sobre uma mesa improvisada com caixotes, enquanto um bando de adolescentes "puxa" música e treina passos de dança à sombra de uma árvore.

Esta cena animada, que parece uma feira de tecnologia de segunda mão, é a consequência de um novo fenômeno em Cuba: "hotspots" de conexão sem fio à internet, o "Wi-Fi". Em um país onde a rede mundial ainda é proibida em residências privadas e uma hora de utilização em um internet-café pode custar o salário de uma semana, a chegada de cinco zonas de Wi-Fi autorizadas em Havana é, no mínimo, revolucionária.

"Assistimos a uma nova qualidade de espaço público", diz Miguel Antonio Padrón Lotti, professor cubano de planejamento urbano que trabalhou no Instituto Nacional de Planejamento Físico durante 45 anos. "Os cubanos sempre se sociabilizaram nas ruas, mas agora podemos interagir com o mundo ao mesmo tempo."

O mundo chega aqui em hordas cada vez maiores, e não apenas pela internet. Nas ruas de paralelepípedos de Habana Vieja, a cidade antiga lindamente restaurada, agora pode ser difícil mover-se entre as multidões dos grupos turísticos. Eles seguem seus guias com bandeirinhas entre as praças rodeadas de cafés, saem do Museo del Chocolate, passam por estátuas vivas e franquias de Victorinox e Diesel e chegam a butiques que ocupam majestosas mansões antigas, onde relógios feitos à mão são vendidos por 12 mil dólares.

Não muito tempo atrás, tudo isso estava a ponto de desmoronar. A improvável transformação é obra do escritório do Historiador da Cidade, um vasto departamento estatal de arquitetos e urbanistas chefiado por Eusebio Leal Spengler desde 1981. Com um poder sem precedentes para um historiador da arquitetura, equivalente ao de um prefeito, ele ganhou aplausos da Unesco e de órgãos de preservação de todo o mundo pelo que conquistou aqui nos últimos 30 anos, contra todas as expectativas.

No início dos anos 1990, Leal convenceu Fidel Castro a montar uma empresa estatal de turismo, a Habaguanex, companhia encarregada de desenvolver hotéis, restaurantes e lojas. Crucialmente, ela usaria os lucros para restaurar os edifícios e as ruas abandonados de Havana, além de promover projetos sociais e instalações para a comunidade. Foi um modelo cauteloso de tática capitalista usada para fins socialistas, que viu o departamento de Leal canalizar mais de meio bilhão de dólares para a cidade antiga. Hoje, a companhia dirige um império crescente de 20 hotéis, 40 restaurantes e 50 bares e cafés, assim como dezenas de butiques de luxo.

Mais de 3 milhões de turistas visitaram Cuba no ano passado. O número de norte-americanos aumentou 40% desde que Barack Obama promoveu a retomada das relações diplomáticas no fim de 2014. Os cidadãos dos EUA ainda estão oficialmente proibidos de viajar para cá com o único objetivo de fazer turismo, mas as categorias sancionadas de viagens "para apoiar a população cubana" e para "atividades pessoa a pessoa" são vagas o suficiente para permitir a prosperidade das agências de turismo. A gigante americana de navios de cruzeiro Carnival planeja fazer viagens com "temas culturais" a partir de maio. Será a primeira dessas empresas a visitar Cuba desde o embargo comercial aplicado em 1960. Segundo o Fundo Monetário Internacional, o fim do embargo poderá trazer até 10 milhões de turistas americanos por ano, um dilúvio para o qual a estrutura precária de Havana não está preparada.

"Não existe infraestrutura para enfrentar esses números", diz Belmont Freeman, arquiteto cubano-americano estabelecido em Nova York que visitou Havana com frequência nos últimos 15 anos. "A cidade é terrivelmente malservida de hotéis, e mesmo que se construíssem mais os serviços não poderiam abastecê-los. O sistema de água principal não foi melhorado desde os anos 1920 e perde cerca de 50% em vazamentos."

Isso não parece obstruir o caminho das empreiteiras de hotéis de luxo, de olho em oportunidades por toda a cidade. No lado leste do Parque Central, visível por meio de uma nuvem de poeira das obras em ruas próximas, ergue-se a fachada imponente do Edifício Manzana de Gómez, obra clássica que ocupa um quarteirão inteiro, construído como o primeiro shopping center de Cuba em 1910. Hoje totalmente destripado, ele é uma concha fantasmagórica sem janelas, que aguarda o opulento recheio de um hotel Kempinski cinco estrelas, com inauguração planejada para o fim deste ano.

Ao virar a esquina, o Hotel Packard passa igualmente por uma reforma comandada pelo arquiteto espanhol Rafael Moreno para a Iberostar. Mais ao norte, perto dos resorts da Praia de Varadero, a empreiteira britânica London & Regional revelou o projeto do Carbonera Club, um condomínio de luxo de 500 milhões de dólares, com mil residências projetadas pelo escritório Conran ao redor de um campo de golfe de 18 buracos. Pela primeira vez estrangeiros terão propriedades à beira-mar na ilha.

"Dou no máximo dois anos", diz Freeman. "Serão os interesses das empresas americanas que finalmente farão o Congresso suspender o embargo. Elas estão enlouquecidas por não poderem entrar nesse mercado."

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