TORTURA AMERICANA

Existe um escândalo global a devorar o cerne do corpo político americano. Entre as muitas correntes de corrupção do regime Bush que correm soltas pela nação, este escândalo é provavelmente o pior porque abarca todos os outros e cria uma nova pestilência, novas perversões a cada instante.

Na semana passada, Maher Arar, do Canadá, relatou o seu calvário nas mãos dos "órgãos" de segurança do Procurador-Geral John Ashcroft. Ao regressar de um feriado familiar em Tunis, Arar nascido na Síria — e há dezesseis anos cidadão do Canadá — foi detido num aeroporto de Nova York. Preso e interrogado sem acusações, sob alegações não especificadas de ligações não especificadas a grupos terroristas não especificados, foi então deportado sem julgamento para a Síria.

Quando declarou aos policiais pátrios que seria torturado ali — a sua família estava marcada como dissidente pelo regime Baatista da Síria — os policiais responderam que o seu organismo "não era o corpo que tratava das convenções de Genebra relativas à tortura". Algemaram-no e enviaram-no de avião para o regime da Jordânia, amigo da América; daí foi despachado pela fronteira para Damasco, relata o Washington Post .

Mas não é desse escândalo que falamos.

Durante 10 meses Arar foi mantido numa cela escura na Síria: uma "sepultura" como ele diz, um buraco escuro do tamanho de um armário cheio de urina de ratos e gatos que caía pela grelha por cima dele. Foi chicoteado freqüentemente com fios elétricos, durante semanas seguidas, mantido acordado durante dias, testemunhou e assistiu à força a torturas ainda mais requintadas contra outros prisioneiros. Foi obrigado a confissões falsas. Os camaradas Baatistas de Ashcroft tinham uma história já montada que queriam que ele assinasse — Arar tinha ido ao Afeganistão, estivera em campos de treino terroristas, conspirara até — o padrão habitual. Arar, que passou anos trabalhando como consultor de informática para uma firma de alta tecnologia sediada em Boston, não fez nenhuma destas coisas.

No entanto, foi chicoteado, quebrado e triturado até obedecer.

Mas não é desse escândalo que falamos.

O caso de Arar não é extraordinário. Nos últimos dois anos, os "organismos" de Bush entregaram milhares de detidos, sem culpa formada, audições ou quaisquer provas a regimes que os próprios Estados Unidos denunciam pela utilização crescente da tortura. Os homens dos "organismos" não fazem segredo de tal prática — ou do seu conhecimento de que os "devolvidos" serão espancados, queimados, drogados, violados e até mortos. "Faço isto com os olhos bem abertos", declarou um deles ao Washington Post. Detidos, incluindo residentes americanos de uma vida inteira têm sido arrancados de casa, dos negócios, de escolas, de ruas e aeroportos e enviados para fossos de tortura como a Síria, Marrocos, Egito e Jordânia.

Mas não é desse escândalo que falamos.

Claro que os "organismos" americanos já não precisam confiar exclusivamente nos estrangeiros para a tortura. Sob a liderança iluminada de Ashcroft, Bush, Donald Rumsfeld e outros estadistas cristãos famosos, a América já criou os seus próprios centros para aquilo que os organismos chamam "flexibilidade operacional". Isso inclui bases no Afeganistão e Diego Garcia, a ilha do Oceano Índico que foi despovoada à força para dar lugar a uma base militar americana. Aí, a CIA tem unidades de interrogatório secretas que são ainda mais restritas do que o campo de concentração americano na baía de Guantânamo. Os presos — mais uma vez — sem culpa formada, são "amaciados" com espancamentos nas mãos da polícia militar e das tropas das Forças Especiais antes de serem sujeitos a técnicas de «pressão e dureza»; privação de sono (condenada oficialmente como tortura pelo governo dos Estados Unidos) desorientação física e psíquica, não permissão para tomarem medicamentos, etc. Quando os espancamentos e a "dureza" não funcionam, os detidos são então "despachados", encapuzados, amordaçados, estendidos em macas e amarrados com fita adesiva.

Mas não é desse escândalo que falamos.

Não contentes com a captura e a tortura, os "organismos" receberam autorização oficial para efetuar blitz e matar à vontade "suspeitos de terrorismo" (incluindo americanos) — sem acusações, provas, supervisão ou apelação. A vida de cada cidadão americano — de todas as pessoas no mundo — está agora à mercê do seu capricho arbitrário.

Mas esse não é o escândalo de que falamos.

Todos os fatos acima referidos — cada um deles violações manifestas do direito internacional e da Constituição dos Estados Unidos — foram alegremente testemunhados, já há anos, pelos homens do aparelho dos "organismos", citados em publicações habituais de alto gabarito incluindo o New York Times , The Economist , e outras. As histórias aparecem e desaparecem. Não há reação. Nenhuma voz se levanta no Congresso ou nos tribunais — os supostos guardiões dos direitos do povo — para além de certos pedidos de uma maior formalidade no processamento dos campos de concentração ou nas "autorizações" judiciais para a tortura. E entre a grande massa do "povo" não há nada. Silêncio. Desinteresse. Indiferença. Aceitação.

Esse é o escândalo, é a vergonha aviltante da nação. Esta aceitação do terror de Estado gerará — e atrairá — mil males para cada um daqueles que supostamente impede.

por Chris Floyd

O original encontra-se em http://www.tmtmetropolis.ru/ . Tradução de MA.

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