Crise: No olho do furacão

Por Martha Ferreira (*)

A escassez de poupança pessoal, o estratosférico aumento do valor dos imóveis, a facilidade para obter crédito e os juros baixíssimos praticados no mercado dos Estados Unidos levaram os americanos a endividar-se com sucessivas hipotecas (empréstimos garantidos por imóveis) de suas residências, cujas receitas eram usadas para financiar o consumo das famílias.

Essas dívidas hipotecárias, de US$ 1 trilhão, foram transformadas em títulos, pelos bancos, cuja garantia era o fluxo de pagamentos dos empréstimos. Mas os títulos de devedores com condição para pagar as dívidas, denominados Prime, foram misturados àqueles de devedores sem condição de honrá-las, os chamados Subprime, lançados no mercado financeiro, em pacote único, e vendidos para os investidores das bolsas, de todo o mundo, por cerca de US$ 40 trilhões.

Enquanto isso, um outro fato gravíssimo continuava em curso: o elevado déficit interno norte-americano, que gira em torno de US$ 500 bilhões. Numa tentativa de reduzi-lo, o Federal Reserve promoveu altas consecutivas do juro básico, elevando-o de 1% para 5,75% ao ano.

Esse ajuste corretivo; a disseminação do crédito Subprime; seu uso em investimentos arriscados e especulativos; a falta de fiscalização no sistema financeiro, especialmente dos EUA, Europa, Ásia e países árabes (principais detentores dos títulos do Tesouro americano); inadimplência dos tomadores de empréstimos; abrupta queda do valor dos imóveis; e a contenção do consumo das famílias (que representa 76% do PIB americano) resultaram no estouro da bolha imobiliária.

É esse o fenômeno que está derretendo o sistema financeiro internacional e lançando o mundo numa crise sem precedentes. A bolha já despejou 1,7 milhões de americanos de suas residências e quebrou os maiores bancos do planeta, provocando um efeito cascata de conseqüências imprevisíveis.

Resta a esperança de que o efeito dominó, na Europa e Ásia, seja contido com um golpe mortal; que haja a união política de todos os países e que os seus Bancos Centrais tomem medidas conjuntas e coordenadas, para encampar os bancos falidos, restabelecendo o seu patrimônio, crédito e depósitos bancários, garantindo os empréstimos interbancários dessas instituições e reestruturando o sistema financeiro mundial; o FED – Federal Reserve corte ainda mais os juros; não haja uma fuga desordenada do dólar; e que a economia americana continue crescendo.

A regulamentação dos instrumentos financeiros complexos e nebulosos, usados para investir o dinheiro das hipotecas; a fiscalização no sistema financeiro mundial; e a exemplar punição dos envolvidos nas operações fraudulentas, também requerem ação imediata.

O Brasil está muito mais forte do que estava há 10 anos, porque a iniciativa privada é real, mas a crise já é visível em vários setores da economia brasileira, que é 16% dependente da americana, e vem amargando prejuízos incalculáveis.

Se a Crise do Subprime se estender, a virtual estrutura do Governo pode cair. As fragilidades sistêmicas tais como a nossa dívida interna, de US$ 740 bilhões, a escorchante carga de impostos, o alto custo de produção, a escassez de tecnologia, os gargalos de mão-de-obra, logística, infra-estrutura e a oscilação do real, que reduzem a nossa competitividade a nível global; as nossas exportações centradas em commodities, que dependem do humor dos mercados; e as reformas estruturais (trabalhista, previdenciária, política e a do Judiciário), que não saem do papel, colocarão o Brasil no olho do furacão.
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(*) Economista e conselheira do CORECON-ES.

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